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Identidade física do juiz e sua aplicação no Direito Processual Penal a partir do Código de Processo Civil de 2015

Agenda 21/06/2017 às 17:01

O artigo discute como será regido o princípio da identidade física do juiz no processo penal após a vigência do CPC/15.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL – 3. CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS.

RESUMO

Este artigo possui como referência a Monografa apresentada pela autora com o intuito de obter o título de bacharel em direito.

O princípio da identidade física do juiz, que figura como importante instrumento de garantia do acusado num Estado Democrático de Direito, como um meio de limitação ao Poder Punitivo, é necessário que se respeite o sistema processual acusatório, conforme mandamento da própria Constituição Federal.

O objetivo central do presente trabalho é justamente defender que haja a manutenção da aplicação deste importante princípio e regra de julgamento, nem que para isso tenha que haver uma flexibilização do processo penal.

A problemática que aqui será analisada passou a existir após a vigência do Código de Processo de 2015.

O princípio da identidade física do juiz já era vigente no âmbito do processo civil desde o Código de Processo Civil de 1939, reafirmado pelo Código de Processo Civil de 1973 (art. 132), antes, portanto, da Lei nº 11.719/08 que inseriu a sua aplicação no processo penal. Talvez por este motivo, ao ser inserido no art. 399 do Código de Processo Penal, não foram elencadas as exceções de sua aplicabilidade.

Diante disso, quando era necessário que outro juiz julgasse a causa, eram aplicadas as exceções do Código de Processo Civil, como reiteradamente consolidou a jurisprudência e doutrina.

Ocorre que o Código de Processo Civil que se encontra em vigor desde 2015, não faz mais a previsão deste princípio, e por consequência, não faz alusão às suas exceções.

Diante disso, no Código de Processo Penal não figuram exceções, o que acaba por impactar negativamente em sua aplicabilidade.

A inutilização do princípio, entretanto, não deve prosperar. O trabalho irá justamente discorrer sobre o conflito e defender que continuem sendo aplicadas as exceções previstas no revogado Código de Processo Civil de 1973, já que essa omissão não foi voluntária, e, portanto, que o princípio continue a ser aplicado como instrumento de cunho garantista consagrado na Constituição Federal.

De forma mais detalhada, os objetivos específicos da pesquisa serão os seguintes: investigar se o art. 15 do novo CPC modificou os critérios de aplicação do processo comum ao processo penal e discutir como será regido o princípio da identidade física do juiz no processo penal a partir da vigência do CPC/15.

Palavras-chave: Identidade Física do Juiz. Direito Processual Penal. Novo Código de Processo Civil de 2015.

  1. INTRODUÇÃO

O princípio da identidade física do juiz afirma que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

Por decorrência lógica, este comando impõe obediência aos princípios da oralidade, da concentração dos atos e da imediatidade, já que o que é defendido, em suma, é que o juiz responsável por prolatar a sentença é aquele que teve contato o mais próximo possível com o conjunto probatório.

Isso porque o princípio da identidade física do juiz permite que os outros códigos envolvidos, além das palavras que são empregadas e do teor das respostas obtidas, tais como a linguagem corporal, a entonação da voz, as pausas, a força do olhar, entre outros, também influenciem a convicção do juiz.

Importante ressaltar, entretanto, que o contato que vincula o juiz ao julgamento do feito é a colheita da prova oral, não sendo o comando deste princípio vincular, desde logo, o magistrado que tenha tido somente contato com a prova pericial, documental etc.

Não são poucos os autores que possuem consciência da importância prática deste modo de julgamento. Nesse sentido Paulo Cláudio Tovo (1995, p.118) desde muito antes da reforma já defendia:

[...] a prova ao vivo, colhida em princípio numa única audiência pelo juiz que vai julgar a causa, na presença animada e vivente da acusação e da defesa é a máxima garantia da Justiça, afastando-se peremptoriamente a colheita fragmentária da prova, por juízes diversos, e o regime do papelório, que nem sempre retratam o que na realidade aconteceu […]

O trecho aqui colacionado chama bastante atenção com relação ao liame estabelecido pelo autor entre o princípio da identidade física do juiz (e da oralidade) com a máxima garantia da Justiça. A utilização do princípio da identidade física do juiz pode e deve ser vista como uma premissa fundamental para a distribuição efetiva da Justiça Criminal.

Deste modo, ainda que não seja diretamente uma garantia constitucional, o princípio aqui estudado não deve ser menosprezado a ponto de ter lançado sobre si um olhar apenas quanto ao seu status de lei ordinária.

A aplicação do direito penal, que ocorre necessariamente por meio do direito processual penal, contém a nobre missão de defender a sociedade, resguardando-a dos ataques aos bens jurídicos tidos como os de maior importância, capazes de romper o equilíbrio social quando atingidos.

Diante desse cenário, o julgador, que é o responsável por aplicar a sanção daquele que ultrapassa os limites estabelecidos em lei ao caso concreto, possui um papel de destaque, inclusive possuindo sobre si a responsabilidade de democratizar o direito penal de modo a não permitir a ofensa aos direitos e garantia do acusado.

Embora o princípio da identidade física do juiz já fizesse parte de nosso sistema jurídico enquanto corolário do devido processo, apenas com a Lei 11.719/2008 veio a ingressar expressamente nosso Código de Processo Penal, conforme mencionado anteriormente.

Alguns autores defendem que não se trata propriamente de uma novidade no processo penal porque o referido princípio já era aplicável na sessão de julgamento do Tribunal do Júri e nos Juizados Especiais Criminais, este por conta do art. 82 da Lei 9099/95.

Ocorre que o §2º do art. 399 do CPP (BRASIL, 1943), na redação final, limitou-se a prever que: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. O fato é que, a partir de então, também no processo penal, é devida a adoção do princípio da identidade física, conforme preceitua mencionado enunciado. Vê-se que esse dispositivo não ressalvou as situações em que o princípio seria mitigado, de forma que, diante do silêncio do legislador, sempre foi possível a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, como faculta o art. 3º.

Nesse aspecto, o Código pecou por dispor em seu texto final de forma tão genérica. É claro que o ideal é que a instrução se desenvolva em uma única audiência, sob a condução de um único juiz. Na prática, entretanto, por razões várias, isso nem sempre é possível. O não comparecimento de uma testemunha já é motivo para cindir a audiência, por exemplo.

Foi por este motivo que sempre prevaleceu que, havendo lacuna legal na definição do juiz penal que sentenciará o feito, na hipótese em que mais de um magistrado presidir a instrução, a resposta deve ser buscada, por analogia, no art. 132, caput, do CPC/1973.

A novidade é que o Código de Processo Civil de 2015 não contemplou o referido princípio, de forma que também não previu exceções.

No entanto, como o novo Código não previu o princípio da oralidade, que como discorrido anteriormente possui como corolário o princípio da identidade física do juiz, de forma que este também restou suprimido do novo Diploma de Processo Civil. Isso gerou a problemática que se destrincha adiante.

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  1. O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL

Em decorrência do princípio do tempus regit actum, adotado pelo nosso processo penal, a aplicabilidade desse princípio somente se dará os casos ocorridos após o início da vigência da lei 11.719/2008. Por ser norma de natureza puramente processual, não opera retroativamente à data do delito, somente perfazendo efeitos futuros.

É bem verdade que esse posicionamento se encontra elencado no art. 2º do CPP (BRASIL, 1943): “a lei processual penal aplicar-se-á, desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”.

Nesse sentido, a apelação criminal relatada pelo desembargador Antônio Martelozzo, em 01.07.2010, dispôs que o princípio da identidade física do Juiz foi introduzido no processo penal pela Lei nº 11.719/2008, de 23 de junho de 2008, não se aplicando a este processo, tendo em vista que a sentença foi prolatada em 15 de abril de 2007, momento em que ainda não estava presente no ordenamento processual penal o referido comando.

De igual modo, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 681.149, relatado pelo Ministro Celso Limonge, desembargador convocado do TJ/SP, defendeu-se que o princípio da identidade física do juiz, embora previsto no art. 132 do Código de Processo Civil, somente passou a ser aplicado no processo penal após a vigência da Lei 11.719/2008, que alterou o artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal.

A doutrina e a jurisprudência, cientes dos efeitos maléficos que a rigidez deste principio traria, consolidaram o entendimento que tal princípio, mesmo no processo penal, não tem caráter absoluto, de forma que se deveria aplicar por analogia o disposto no art. 132, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), já que autorizado pelo art. , do Código de Processo Penal, o qual dispõe que "o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor". 

Destarte, não há que se falar em nulidade, nem em desobediência ao princípio da identidade física do Juiz. Isso porque seria praticamente impossível adotar a regra da identidade física do juiz em caráter absoluto e inquebrantável. Necessário, portanto, que haja previsão legal de situações excepcionais em que, mesmo tendo toda a instrução sido presidida por um juiz, outro juiz que estiver respondendo pelo processo no momento da sentença julgue o feito.

Assim como no processo civil, também se consolidou no processo penal o entendimento de que o magistrado de férias não fica vinculado ao julgamento. O rol do art. 132 do CPC/1973 não é taxativo, pois contém a expressão “afastado por qualquer motivo”, de forma que a substituição do magistrado é admita também na hipótese de férias.

É, portanto, para resguardar o regular andamento processual, até porque pode haver réu preso, que esses novos ritos processuais foram adotados em primeiro lugar. Por conta disso, como se busca dar implemento à celeridade processual, a substituição nesses casos se torna possível.

No julgamento do REsp 1.309.966/RJ, julgado em 26.08.2014, que teve como relatora a Ministra Laurita Vaz, foi exposto que o princípio da identidade física do juiz deveria ser analisado à luz das regras específicas do art. 132 do CPC/1973, por força do que dispõe o art. 3º do CPP. Por isso, nos casos de convocação, licença, promoção, férias, ou outro motivo legal que impeça o juiz que presidiu a instrução sentenciar o feito, o processo-crime será julgado validamente por outro magistrado, como nesse caso.

O fato é que ainda que este princípio seja necessário ao sistema acusatório moderno, não deve de modo algum ser entendido de forma absoluta. Se pensarmos melhor, nenhum Direito Fundamental é entendido de forma absoluta.

Por razões de ordem prática, nem sempre o juiz pode permanecer o mesmo do começo ao fim da causa. Por uma ausência de previsão legal mais específica é que sempre foi possível essa aplicação, por analogia, do preceituado no art. 132 do revogado CPC.

Quando há réu preso, resta ainda mais evidente que o processo não pode ficar parado no aguardo do retorno do juiz que colheu as provas, sob pena de violação dos direitos do réu, além dos casos em que o juiz não possa mais voltar para julgar o feito, a exemplo de aposentadoria ou promoção.

Por ora, no processo penal, a adoção do princípio está restrita ao procedimento comum ordinário e sumário, já que a legislação específica possui regras próprias.

  1. CONCLUSÃO

No CPC de 2015, embora não subsista previsão como a do art. 132 do CPC de 1973, que adotava expressamente o princípio da identidade física do juiz ao prever que o juiz que presidiu a audiência de instrução e julgamento deveria sentenciar o feito, o que se entende é que deve ser mantida a adoção desse mecanismo que permite pôr em prática o princípio da oralidade.

De maneira mais clara: defende-se que o princípio da identidade física do juiz deve subsistir no Código de Processo Civil de 2015, compreendido como princípio implícito do direito processual civil brasileiro.

Isto porque é irrecusável que magistrado mais bem preparado para proferir sentença após a produção oral de provas é o que presidiu a audiência de instrução e julgamento. Não há como fugir desta realidade.

Se o magistrado foi “convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado”, como dispunha o caput do art. 132 do CPC de 1973, o princípio da eficiência comanda que outro em seu lugar, analisando o caso, valendo-se neste caso das provas documentais, a despeito da oralidade praticada na audiência de instrução e julgamento, profira a sentença.

Para isso é necessário ter sempre em mente a possibilidade de o novo magistrado determinar a repetição de alguma prova que, para a formação de sua convicção, entenda necessário. Era o que estava expresso no parágrafo único do art. 132 do CPC de 1973 e que merece ser compreendido implicitamente no sistema atual.

Ressalva-se que este deve ser o entendimento não só no processo civil, como também no processo penal.

Isso porque o conjunto do CPC/15 não deixou claro que a intenção era excluir o princípio da oralidade e consequentemente a regra de procedimento da identidade física do juiz. Ainda se busca procura a celeridade e eficiência processual, além do resultado o mais justo possível, especialmente no processo penal.

Também não ficou claro que o motivo pelo qual o art. 15 do novo CPC não cita o processo penal como uma área em que devam ser utilizadas subsidiariamente as regras do processo comum. Muito mais parece com uma omissão involuntária.

Ao mesmo tempo, a adoção desse princípio pelo processo penal, que subsiste por meio do elencado no art. 399 do Código de Processo penal, não significa, de modo algum, a impossibilidade de que seja realizado interrogatório por carta precatória ou por videoconferência. Vivemos em um país de dimensões continentais, motivo pelo qual inviabilizar a possibilidade de realizar atos instrutórios por estes meios significaria, muitas vezes, inviabilizar a jurisdição penal, mesmo porque muitos dos clientes do Direito Penal são hipossuficientes economicamente.

De certo modo, até mesmo caracterizaria uma ofensa ao princípio da autodefesa se fosse obrigado que um réu solto se deslocasse por todo o país para a realização de interrogatório em outro foro que não o seu.

Essas flexibilizações possíveis possuem o condão de evitar que a rigidez do princípio culmine com a sua inutilização, tal como o que ocorreu na esfera do processo civil com o Código de 1939, conforme visto no presente trabalho.

Por este motivo, considerando que o princípio não foi extinto do sistema processual civil, remanescendo como princípio implícito, e o art. 15 do CPC, a nosso ver, não impossibilitou a aplicação subsidiária do processo civil ao processo penal, a conclusão a que se chega é, tendo em vista a importância do princípio da identidade física do juiz no processo penal, este deve continuar a ser aplicado, de forma que as suas exceções sejam regidas pelas regras que eram dispostas no art. 132 do revogado CPC.

De todo modo, acredita-se que este será um problema temporário, já que o projeto do novo Código de Processo Penal, reconhecendo a importância de tão elementar princípio, soluciona a problemática trazendo exceções semelhantes às do art. 132 do revogado CPC ao processo penal.

Por fim, a flexibilização que aqui se defende não deve dar azo a discricionariedades no sentido de prejudicar a defesa do réu, permitindo que todo e qualquer motivo possa ser definido como exceção, pois como vimos, o principal motivo de existência do princípio da identidade física do juiz é assegurar ao réu garantia de um resultado o mais justo possível.


 

REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Bruna Pinheiro Mendonça Plutarco

Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Trabalho de Monografia de Graduação.

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