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Dor e dano: dois “D” diferentes.

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Agenda 02/07/2017 às 09:29

3. ESSE DESCONHECIDO CHAMADO DANO MORAL.

Se, até a década de cinquenta, falar em danos morais seria sustentar algo que beirava bem próximo do devaneio jurídico mais absurdo, atualmente não é preciso ser, nem mesmo, acadêmico em direito pra saber que ele existe. A sua inserção no âmbito das decisões jurídicas se apresenta como algo rotineiro, o que demonstra a sua forte presença na sociedade brasileira.

Não é difícil encontrar aquele que não tema mínima noção acerca do dano moral. Independemente da camada social a qual o cidadão faça parte, certamente haverá alguém que busca uma indenização por ofensa extrapatriomonial com a mesma facilidade com que faria com os danos materiais. Nas salas de aula é comum o aluno cogitar a possibilidade de indenizar por danos morais assim que o professor menciona algum dispositivo legal que se refira a lucros cessantes ou a danos emergentes.

O comportamento é quase que automático. Aliás, nos corredores da prática forense facilmente encontram-se processos em que os causídicos sustentam indenização por danos morais como se fosse o “brinde” em razão da ofensa: o plus. Seria a batata frita que se leva quando se compra o sanduiche e o refrigerante em lojas de fast food.

É exatamente neste ponto que se observa um dos grandes problemas do tema em estudo, pois a mesma facilidade com que se é pleiteado o dano moral não se reflete quando se fala na sua identificação. Com isso, regras que buscam limitar o caráter indenizatório são criadas pelos julgadores que, apesar de defenderem uma espécie conduta imoral neste ponto, formam jurisprudência que com o passar dos anos vão se consolidado no sistema jurídico brasileiro.

Tudo aquilo que é desconhecido, certamente, causará temor ou estranheza. A pessoa tomada de assalto por esses dois sentimentos terá comportamento de resguardo quanto as suas atitudes, a fim de tentar controlar o novo e estabelecer seus limites. Apesar das inúmeras normas de conceito indeterminado que hoje floreiam o jardim de artigos das mais diversas áreas do direto pátrio, não se pode negar que o dano moral ainda causa arrepios em alguns juristas.

Apesar de ser maioria, a corrente que não apresenta objeções negativas ao dano moral também não navega em mares tranquilos. Fortes correntes tentam conduzir a embarcação para lados que caminham emparelhados, mas que não se confundem.

A doutrina que se dedicou ao estudo inicial do dano moral - quando se apresentado à necessidade de conceituá-lo – buscou identificá-lo a partir de um comparativo com o dano material. À este era resguardada a necessidade de indenização do ofendido com o seu retorno ao status quo ante à ofensa. Por sua vez, quando a ofensa não apresentava reflexos no âmbito patrimonial, estaria de frente a um dano moral.

Havia quem defendesse a pouca importância quanto a conduta ofensora para a qualificação em danos morais ou materiais. Para estes, o que deveria ganhar relevância era, na realidade, o patrimônio ofendido: sendo ele material, estar-se-ia diante de uma ofensa material; já se fosse extrapatrimonial, esta agressão seria abarcada pelo dano moral. Em outras palavras, o que importava era o tipo de lesão, pois a partir de uma mesma conduta poderia haver ofensa tanto patrimonial como extrapatrimonial, como ocorre, por exemplo, com a ofensa à honra de um comerciante que é injustamente acusado de lesionar seus consumidores com práticas abusivas.

Nesta linha de raciocínio, o mencionado autor determinava que somente seria passível de ser indenizado por danos morais aquela ofensa que não produzia qualquer ofensa patrimonial. Saindo o âmbito exclusivo da extrapatrimonialidade, já haveria subsunção ao dano material, o que demonstra, ainda, o pensamento que valorizava o patrimônio em face da pessoa, apesar de toda a evolução de mentalidade.

Wilson Melo da Silva inaugura sua obra “O Dano Moral e sua Reparação” com o conceito do próprio dano moral. Nesta definição, o autor deixa clara a repartição entre a ofensa patrimonial e a extrapatrimonial, pois, estes últimos “jamais afetam o patrimônio material”[3]. Nesta linha de intelecção, segue o escritor aduzindo que “seu elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, como os morais propriamente ditos”[4]

A simplicidade da identificação do dano moral a partir daquela indenização imputável a ato que, simplesmente, resulta em ofensa a direito sem percepção econômica do ofendido não é adequada diante da complexidade que as relações sociais se revestem nos dias atuais. Isso porque, conforme já suscitado por Orlando Gomes haveria situações em que a prática de um ato só resultaria em ofensa aos dois patrimônios: o material e o extrapatrimonial.

O dano moral ainda continuava preso e subordinado ao dano material. Existindo este, não haveria razão para se falar em indenização por conta daquele, afinal, o foco central da norma jurídica já estava devidamente assegurada. Nesta época, como mencionado alhures, o menoscabo imaterial ainda era visto de maneira disforme, sem os contornos apresentados nos dias atuais.

Silvio Rodrigues[5], em edições mais antigas, também apontava no sentido de que o dano moral seria apenas aquele que ofendesse exclusivamente a esfera extrapatrimonial da vítima. Havendo resquícios de danos que resultasse em diminuição de valores, estaria diante do dano material. Diante destas dificuldades, este autor afirmava que a matéria em estudo era identificada a partir da dor, do sofrimento, da mágoa, da tristeza imposta pelo ofensor ao ofendido.

A partir de então, inicia-se uma segunda vertente doutrinária que traz consigo a necessidade de identificação de algum tipo de perda para que se possa falar em dano moral. Há uma lista de grandes juristas que sustentam a tese segundo a qual somente seria possível falar neste tipo de ofensa quando houvesse reflexo no âmago da pessoa, que seriam exteriorizados a partir da dor, do sofrimento, da humilhação e outros mais que possam compor este leque sentimentos negativos. Neste sentido, cita-se, mais uma vez, os ensinamentos de Maria Celina Bodin de Moraes, para quem:

O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhes sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, seja intensos a ponto de poderem facilmente distinguir dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida quotidiana.[6]

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Estabelecer que o dano moral se configuraria a partir da ocorrência de um sentimento negativo, de alguma mágoa, não é injustificado. Durante décadas, o direito brasileiro conviveu sob égide de uma responsabilidade civil patrimonialista onde somente seria possível se falar em indenização e, por consequência, em dano quando houvesse a identificação de algum tipo de perda. A redução patrimonial era necessária e fundamental para desenhar o dano material.

Ocorre que, quando se fala em dano moral, esta perfeita silhueta não consegue ser vestida com tamanha exatidão. Como assegurar a ideologia da perda sob um direito que refuta redução patrimonial, exatamente, por ser extrapatrimonial? Se há a indenização por algo, o valor a ser pago deve ser para repor alguma diminuição, sob pena de se chancelar a percepção de valores de forma indevida, o que desaguaria no enriquecimento sem causa do ofendido em toda e qualquer hipótese onde fosse possível incidir a matéria em análise.

Se objetivo é demonstrar uma redução, no caso dos danos extrapatrimoniais, esta diminuição se verterá para a tranquilidade espiritual, dai a necessidade de identificação dos sentimentos negativos para a sua configuração. A indenização, então, seria por conta a quebra da paz interna. Apesar de bastante sedutora, esta linha de raciocínio deve ser analisada com bastante reserva. A facilidade e a atração com que lhe oferecem a maçã pode esconder o veneno ali existente e lhe retirar do paraíso.

Sustentar apenas a existência da dor ou do sofrimento como aspecto básico para a configuração do dano moral é reduzir a importância do instituto perante a interação social moderna. Mesmo assim, apesar desta advertência, a jurisprudência pátria ainda perfilha neste sentido, resistindo às advertências quanto a deformidade do tratamento dado à identificação do dano moral, o que, sem sombra de dúvidas, resultará em insegurança jurídica, conforme será demonstrado, o tratamento conferido à situações similares pelo mesmo Tribunal não segue um pensamento uníssono, causando conflitos evidentes, conforme será melhor abordado à seguir.


4. UMA JURISPRUDÊNCIA ATORDOADA COM TANTA DOR.

Ao contrário de “saudade”, a expressão “dor” é conhecida em todos os idiomas, ou pelo menos os mais comuns. Todos são passíveis de sentir dor, humilhação ou tristeza. Aliás, a própria saudade pode resultar diretamente num sentimento negativo, o que não lhe retira a importância.

A Jurisprudência brasileira segue reluzindo a expressão dor – e os demais sentimentos negativos – quando se trata de danos morais. Há uma verdadeira atração entre estes dois elementos. É muito fácil encontrar menções que indicam que a indenização por dano moral é devida em face da tristeza ou da humilhação sofrida pela vítima. Somente à título de exemplo, cita-se jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

DANO MORAL: Hipótese que não é apta a ensejar a pretendida indenização por dano moral. Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação intensa e duradoura que, fugindo à normalidade, cause aflições, angústia e desequilíbrio ao bem-estar. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (224223320098260590 SP 0022422-33.2009.8.26.0590, Relator: Renato Rangel Desinano, Data de Julgamento: 29/11/2012, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/11/2012)

Prestação de serviços. Telefonia Interrupção do serviço - Ação indenizatória - Danos morais Repetição em dobro da importância paga a título de recarga, determinada na origem Dano moral não configurado - Inexistência de ato que acarrete sofrimento intenso Sentença mantida - Recurso desprovido. Mero descumprimento de contrato, sem desdobramentos graves e sem abalo ou sofrimento, não induz dano moral.  (9118494842008826 SP 9118494-84.2008.8.26.0000, Relator: Reinaldo Caldas, Data de Julgamento: 08/08/2012, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/08/2012)

Este pensamento matemático que simplifica a possibilidade de indenização por danos morais à existência de sentimentos negativos não encaixa de forma adequada diante de casos práticos.

Logo no início desse artigo foi relatado dois casos reais que acabaram por resultar em indenizações por danos morais em favor dos ofendidos. Certamente, ao ler o primeiro dos exemplos – a situação da senhora que foi conduzida à delegacia por conta de imputação falsa de crime provocada pela gerente de uma instituição financeira a qual a idosa era cliente - poucas pessoas se postariam contra a obrigação de indenizar que deve recair sobre a empresa ofensora. Ali resta flagrante a existência dos festejados sentimentos negativos. Não há como negar que a idosa, ao ser conduzida pelo oficial da polícia militar passou por uma humilhação generalizada no seu bairro, o que resulta na expressão de repugnância por boa parte das pessoas que tiveram acesso aos autos.

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, no segundo exemplo citado – o caso da carta enviada informando da futura inscrição no SPC/SERASA – também poderia ser identificada a ocorrência de angústia, pois a possibilidade da perda do crédito, atualmente, é motivo de graves preocupações para o cidadão. Estar sem crédito rotativo, para alguns, tem o mesmo peso de uma pena criminal, o que demonstra a ocorrência de sentimentos negativos e, portanto, seguindo a teoria da dor, passíveis de indenização por danos morais.

A fim de dificultar um pouco e instigar ao pensamento aprofundado, o que se dizer do rompimento de um namoro quando um dos enamorados encontra-se profundamente apaixonado pelo outro? Duas pessoas iniciam o relacionamento amoroso e, como em todos os casos, o primeiro meses são regados por um romantismo profundo e comportamentos piegas que somente são justificados em razão da ausência da razão característico do próprio amor.

Passam-se três meses e mesmo diante de uma união que transparece extremamente sólida, um dos namorados resolve terminar o seu envolvimento com o outro, afirmando que, por exemplo, depois de anos de terapia, descobriu que o sentimento por pessoas do sexo oposto era uma imposição social e que, na realidade, ele resolveu assumir a orientação sexual da homossexualidade, por ser esta a que mais lhe agrada.

É evidente que o término de um relacionamento, na maioria das vezes, resulta em sentimentos negativos para aqueles que foram pegos de surpresa com a notícia do rompimento do enlace. Quando se inicia um vínculo amoroso, não há aquele que, pelo menos, não projete algum planos existenciais com a outra parte e que deposite alguma confiança na relação à dois. O fim desta vida em comum joga por terra todos os projetos futuros, por mínimos que seja estes, ocasionando sentimento de tristeza e frustração, para se resumir a apenas estes dois.

Diante disso, pergunta-se: será que haveria o direito, por parte daquele que foi pego de surpresa com a notícia do término do namoro de receber indenização por danos morais?

Antes de respondê-la, solicita-se do leitor que observe a seguinte situação: Uma jovem garota de dezoito anos ganha de seu pai seu primeiro carro. Depois de passar por todas as exigências técnicas necessárias para a sua habilitação, ela consegue o direito de guiar seu veículo pelas ruas da cidade.

Passada uma semana de habilitada, a jovem encontra-se parada numa sinaleira que está em vermelho, observando a travessia de um ciclista pela faixa de pedestre para chegar ao outro lado da pista.  O seu lado direito está vazio, somente havendo carro no seu lado esquerdo. O ciclista, então, começa a travessia e quando está próximo de chegar ao seu ponto final – o passeio direito -, um carro em alta velocidade invade o sinal vermelho e o atropelar. Com a batida, o ciclista é arremessado a alguns metros de altura, permanecendo prostrado no asfalto quente durante  minutos até a chegada do serviço médico de urgência.

Todo esse desastre aconteceu bem ao lado da novata motorista que assistiu tudo sentada no banco do seu veículo. A condição de “espectadora” resultou no acometimento de um forte sentimento de dor ao ver a cena do ciclista sendo atingido pelo veículo e vindo a falecer minutos depois em plena via pública. O trauma se instalou em seu âmago e acabou por bloquear sua antiga vontade de dirigir. Ela, a partir de então, não mais conseguiu assumir o volante de um carro e passou a ter pesadelos constantemente com a cena presenciada. Foi necessária uma rotina de consultas com especialistas para tentar reduzir a resistência à condição de motorista.

Mencionado este exemplo, retorna-se à pergunta anterior: Neste caso, é possível que esta jovem mulher ingresse com ação de dano moral contra o motorista atropelador do ciclista?

Os mais românticos, certamente, responderiam “sim” para a hipótese do rompimento do namoro apaixonado. Já os mais sensíveis confeririam este mesmo opinativo para a hipótese do atropelo. Alguns poderiam achar um absurdo indenizar pelo término do relacionamento, sob a justificativa de que, o que importa não é a tristeza daquele que sofreu com o seu fim, mas com a felicidade daquele outro que se descobriu. Outros afirmarão que é impossível se falar em danos morais em face do atropelo, pois, na realidade a motorista neófita não estava envolvida no acidente, nem possuía qualquer vinculação com a vítima.

Mas, independentemente da resposta - “sim” ou “não” - dada aos caros práticos citados ao longo deste texto, não há como negar que em todos eles resta evidente o sentimento de dor, tristeza, humilhação ou qualquer outro. Portanto, ao defender a simples necessidade de identificação de uma angústia espiritual ao ofendido e, ao mesmo tempo, negar o pleito indenizatório a qualquer dessas hipóteses, é voltar-se contra o seu próprio conceito de dano moral.

Ao manter hígida tal bandeira, acabaria por negar, por exemplo, o direito a dano morais do nascituro em razão do falecimento do seu genitor. No âmbito da jurisprudência já é possível encontrar tribunais que se manifestam no sentido. O Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de se manifestar sobre o tema quando da Relatoria da Ministra Nancy Andirghi no Resp. 931556/RS que tratava da condenação por danos morais a ser percebida pelos filhos em razão do falecimento do seu genitor no local de trabalho.

A peculiaridade deste caso esta, exatamente, na questão do nascituro. Um dos filhos, ao tempo do infortúnio, ainda possuía a condição de nascituro, situação esta que foi utilizada pela Recorrente para tentar diminuir o valor dos danos morais, sob a alegação de que este não teria sofrido tanto quanto os outros pelo falecimento do seu pai. Em seu voto, a Ministra relatora deixou claro que “impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.”[7]

Apesar da singularidade do caso, a questão do nascituro já houvera sido ventilada no âmbito do STJ e, em decisão diametralmente oposta à esta anteriormente citada, o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao Relatar o Resp. 399028/SP[8], nos idos de 2002, afirmou, expressamente que “O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum”.

É evidente que ao realizar um comparativo entre as duas linhas de raciocínio, percebe-se uma evolução sensível na postura adotada pelo Tribunal Superior. O Recurso Especial da Ministra Nancy Andrigh já deu um passo à frente do Acórdão prolatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, pois rompeu com a ideia de que o nascituro teria direito a uma indenização menor do que a dos filhos vivos, pois não teve o prazer de vivenciar dias alegres com seu falecido genitor.

Apesar da evolução, o Resp 931556/RS ainda peca quando consta em seu texto que a indenização é decorrente de um sofrimento impossível de ser quantificado com exatidão. O primeiro grande equívoco desta afirmativa está, exatamente, na possibilidade de tornar exato um sofrimento. A busca pela tão sonhada “exatidão” vem, exatamente -  o uso do cacófago é proposital – , da necessidade de demonstração de uma perda. Alguém perde algo, então surge o dever de indenizar, mas como saber o quantum indenizar se a perda não tem contornos salientes?

Quanto valeria uma depressão leve? Ou um sentimento de luto? Pergunta que, pelo menos, neste momento, ficarão sem respostas...

O outro ponto de equívoco que se visualiza neste mencionado recurso especial está, exatamente, na vinculação do sentimento. Seguindo esta linha de raciocínio, muito provavelmente, a indenização devida ao nascituro deveria ser maior do que a dos outros irmãos, pois o sentimento de perda por ele experimentado se prologaria por mais anos do que seus irmãos mais velhos, que poderiam guardar para sí as imagens de dias ensolarados e alegres com o de cujus. Mas, uma coisa ainda não ficou explicada: como seria possível afirmar que uma pessoa que ainda se encontra no ventre materno poderia sentir dor? Aliás, numa pergunta mais profunda, como é que se consegue transparecer nos autos que a angústia daquele nascituro?

A doutrina argentina discute essa questão do casamento entre a dor e o dano moral. A jurista Matilde Zavala de González evidencia que:

El daño presupone “algo” susceptible de menoscabo; y no sólo un interés que, en abstracto, permanece intangile incluso com posteoridad a la afrenta . Por eso, los perjuicios versan sobre una específica realidad havia la que apunta el interés tutelable. En otros téminos: el desmedro resarcible atiente a una minoración del sujeto y no, in genere al interés que tiene en asegurar la propia integridad

Por eso, si se desea un nexo apropriado entre daño resarcible e interés, éste deve ser entendido preferentemente como el valor de un bien para alguien, con eje en el objeto que satisface una necesidad o aporta utilidad, y comprobando se el hecho ha privado o amenguado una u otra. Se averiguan “efectos” generados por la lesión al interés, en la situación puntual de la víctima[9]

Quantificar a dor apresenta a mesma dificuldade inerente a identificar a culpa no âmbito das relações conjugais. Durante muito tempo, para se romper uma relação entre marido e mulher era necessário deixar demonstrado quem era o efetivo culpado por aquela situação degradante do enlace matrimonial. A dificuldade estava exatamente neste ponto: quem seria o culpado: quem deu causa ou quem sofreu com a causa?

Esta pergunta somente era respondida quando derramado nos autos todas as provas da intimidade das pessoas para que um terceiro – o Juiz – pudesse averiguar dentre aqueles dois quem melhor atingiu a meta de imputar ao outro a responsabilidade pelo fim do relacionamento.

No dano moral, seguindo a necessidade de demonstração do aspecto subjetivo, também será necessário apresentar a efetiva dor. A jurisprudência tem tangenciado no sentido de que no dano moral não precisa ser demonstrada a ofensa, mas apenas a conduta ofensiva. Haveria, então, a presunção de sentimento negativo, o que asseguraria o caráter in re ipsa do dano moral. Ou seja, muito pior do que demonstrar a dor é presumir que ela existe.

A condição in re ipsa deve ser mantida no dano moral, mas, ao mesmo tempo, deverá ser alterada a forma como a jurisprudência pensa o dano moral como um todo. Desvincula-se do critério dor. É necessário que se abram as portas para outro parâmetro muito mais seguro e que chancela o significado do próprio dano moral que é a proteção além do mero patrimônio.

Não se resolve a dor com pagamento de indenizações, até mesmo porque este não é o objetivo do instituto em si. A indenização por ofensas extrapatrimoniais está vinculada à necessidade de assegurar proteção ao ser humano como um todo, não havendo que se falar em presunção de sentimentos negativos, mas sim, de ofensa a direitos da personalidade.

Somente com a inclusão desta forma de observar o dano moral propriamente dito é que será possível assegurar a função social do dano moral, refutando-se o temor anteriormente existente a incidência do punitive damage, por exemplo, na quantificação desta ofensa e mantendo-se firme a ideia de proteção à pessoa, mesmo que desvinculada da dor.

Uma guinada de pensamento é necessária para manter a credibilidade social da responsabilidade civil por danos morais. Em razão da deformidade no tratamento dado pela jurisprudência, e por alguns doutrinadores, que vinculam sobremaneira o aspecto subjetivo para a sua configuração seu tratamento acaba por resultar na diminuição da importância dada pela própria sociedade ao instituto que hoje, em alguns casos, é observado como um meio fácil de arrecadar dinheiro. Os Tribunais já começam a apresentar certa intolerância aos pleitos de indenização por danos morais e passam a defender o seu tabelamento, o que, sem sombra de dúvidas, seria trágico e que poderia ser resolvido com uma simples alteração na forma de abordar o instituto.

Sobre o autor
Salomão Resedá

Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia - Ufba. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito - Ufba. Professor da Unifacs (Universidade Salvador). Assessor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de Livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESEDÁ, Salomão. Dor e dano: dois “D” diferentes.: Um ensaio sobre os sentimentos negativos e o dano moral.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5114, 2 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58854. Acesso em: 22 dez. 2024.

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