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Dor e dano: dois “D” diferentes.

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Agenda 02/07/2017 às 09:29

6. CONCLUSÃO

Nessa incessante busca entre o efetivo comportamento hábil a resultar na indenização pode danos morais, os estudos sobre o tema ainda carecem de grande desenvolvimento teórico. O primeiro grande passo a ser dado deve ser no sentido de retirar das canetas dos julgadores a necessidade de identificação da dor ou do sofrimento negativo para justificar a indenização pleiteada em face de ofensa a direitos extrapatrimoniais. Como a própria denominação já deixa evidente, trata-se de “direitos extrapatrimoniais” e não de dor ou sofrimento, sendo, portanto, despicienda esta questão.

Seguindo este trilhar, merece destaque a conclusão trazida por Sérgio Cavalieri quando afirma que “assim como a febre é efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém”[17]. O aspecto subjetivo não poderá ser o fim em si mesmo no âmbito da proteção da responsabilidade civil. O seu lugar de destaque merece ser posto, apenas, no âmbito quantificação do dano, matéria esta que, certamente, renderá outro ensaio.

O temor expressado, ainda que de forma velada, na jurisprudência pátria com a limitação do valor determinado à título de indenização por danos morais – posicionamento este, incorreto, efetivamente – poderia ser reduzido, ou quem sabe, até mesmo eliminado, com a mudança de paradigmas no que se refere a identificação do dano moral.

É necessário retirar as embaçadas lentes do pensamento patrimonialismo que agregam consigo o pensamento da perda para justificar a indenização por danos. Quando se fala em ofensa extrapatrimonial não há perda – até mesmo porque, se houvesse, não seria extrapatrimonial – nem mesmo é necessário identificar qualquer tipo de sofrimento – razão esta que justifica a sua condição de ser in re ipsa.

O dano moral é, simplesmente, ofensa à direitos da personalidade que são inerentes ao ser humano pela simples condição de ser humano. Este é o caminho que deve ser perseguido. A manutenção destes contornos, certamente acabará por limitar as hipóteses de sua configuração resolvendo o grande temor da “industrialização do dano moral” e separando situações passíveis de indenização, como a da simpática idosa contada no início deste ensaio de outras como o término do relacionamento amoroso entre dois namorados, ou as intrigas entre ilustres juristas do processo civil de grande escol decidido dias atrás pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no qual o relator afirmou que: “A crítica acadêmica e doutrinária não se confunde com ofensa pessoal, por se tratar de livre exercício do debate de ideias, intrínseca à própria dinâmica do meio acadêmico e fundamental ao aprimoramento de teses e obras doutrinárias.”[18]

Diante dos inúmeros processos que ingressam diariamente no Poder Judiciário com a temática dos danos morais, das incontáveis decisões que abraçam o aspecto subjetivo do dano para sua identificação, e, por fim, do conflito existente dentro de um mesmo Tribunal quando se trata da configuração do dano moral, resta evidente que seu estudo ainda está longe de ser considerado como desenvolvido, pois merecedor de maiores aprofundamentos.

A sugestão para o primeiro passo é seguir a luz da proteção aos direitos da personalidade, tão valorizada com a Constituição Cidadã de 1988 por ser medida fundamental para o desenvolvimento de todo sistema jurídico moderno.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. rev. aum., atual. 2 tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

GONZÁLEZ, Matilde Zavala de. Tratato de daños a las personas: ressarcimiento del daño moral. Ciudad de Buenos Aires: Astrea, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte Geral e LINDB. Vol 1. 10 ed. Salvador: JusPodium, 2012.

MORAES, Maria Celina Bodin. Dano à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 157/158

PASSOS, J. J. Calmon de. O imoral nas indenizações por dano moral. In: Dano Moral e sua Quantificação. Caxias do Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4.

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RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade civil. Vol 4. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1981

SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.

SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Acessado em: www.stj.jus.br; disponível em: 27 de abril de 2013

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4 ed. atual. amp. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2001

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Acessado em: www.tjsp.jus.br; disponível em: 28 de abril de 2013


Notas

[1]    MORAES, Maria Celina Bodin. Dano à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 146.

[2]    MORAES, Maria Celina Bodin. Dano à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 148.

[3] SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 11.

[4] IbIdem.

[5] RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade civil. Vol 4. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1981.

[6] MORAES, Maria Celina Bodin. Dano à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 157/158

[7]. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURADA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE.

- Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.

- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz fixa o valor da reparação.

- É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes.

- Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes - É possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.

- A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes.

Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido.

(REsp  931556/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2008, DJe 05/08/2008)

[8] EMENTA: DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO.  PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.

II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.

III -  Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.

(REsp 399028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2002, DJ 15/04/2002, p. 232)

[9]    GONZÁLEZ, Matilde Zavala de. Tratato de daños a las personas: ressarcimiento del daño moral. Ciudad de Buenos Aires: Astrea, 2009, p. 5

[10]  Idem, p. 2

[11]. PASSOS, J. J. Calmon de. O imoral nas indenizações por dano moral. In: Dano Moral e sua Quantificação. Caxias do Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4.

[12] Sobre as expressões direitos humanos, direitos fundamentais e direitos da personalidade, Anderson Schreiber alude que: “a ampla variedade de termos não deve gerar confusões. Todas essas diferentes designações destinam-se a contemplar atributos da personalidade humana merecedores de proteção jurídica. O que muda é tão somente o plano em que a personalidade humana se manifesta. Assim, a expressão direitos humanos é utilizada no plano internacional, independentemente, portanto, de modo, como cada Estado nacional regula a matéria. Direitos fundamentais, por sua vez, é o termo normalmente empregado para designar “direitos positivados numa mesma constituição de um determinado Estado”. E, por isso mesmo, a terminologia que tem sido preferida para tratar da proteção à pessoa humana no campo do direito público, em face da atuação do poder estatal. Já a expressão direitos da personalidade é empregada na alusão aos atributos humanos que exigem especial proteção no campo das relações privadas, ou seja, na interação entre particulares, sem embargo de encontrarem também fundamento constitucional e proteção nos planos nacional e internacional” (SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011, p. 13.)

[13]SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011, p. 13.

[14] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte Geral e LINDB. Vol 1. 10 ed. Salvador: JusPodium, 2012, p. 173

[15] CAVALIERI FILHO, 2006, p. 148.

[16] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4 ed. atual. amp. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2001, p. 7

[17] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.105

[18] EMENTA: Responsabilidade civil. Indenização por danos morais decorrentes do emprego de nomenclatura ofensiva pelo réu, ao mencionar em obra literária de sua autoria que anteprojetos em que a autora participou com fim de atualizar e modernizar a prática processual civil seriam derivados de outro, precedente, de autoria do réu. Ilícito civil não configurado. Mera crítica literária. Ausência do ânimo de ofender. Improcedência. Sentença mantida. Apelação não provida (TJ/SP. ACÓRDÃO Nº 9113728-51.2009.8.26.0000. REL. DES. PEDRO DE ALCÂNTARA. 8ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. Julg. 10.04.2013)


ABSTRACT: The damage also is regarded as a novelty for the Brazilian legal system. Despite the evolution experienced in the present day, there is no denying that left remnants of thought patrimonialist regarding civil liability. For it was necessary imputation of duty to indemnify, it was required to identify some kind of financial losses. This thought was transferred directly to the moral damage, which eventually resulted in the identification requirement of any kind of loss to justify such compensation. Why not be economic, jurisprudence and doctrine somewhere eventually impute the loss of tranquility, the existence of negative sentiment, as the justification for moral damages. A shift in focus justifier of the damage, removing it from the subjective aspect of negative sentiment for the defense of the human being by their very humanness by mitigating the harm of personality rights.

KEYWORDS: MORAL DAMAGES. CONCEPT. FEELING NEGATIVE. PAIN. RIGHT OF PERSONALITY. HUMAN PERSON.

Sobre o autor
Salomão Resedá

Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia - Ufba. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito - Ufba. Professor da Unifacs (Universidade Salvador). Assessor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de Livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESEDÁ, Salomão. Dor e dano: dois “D” diferentes.: Um ensaio sobre os sentimentos negativos e o dano moral.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5114, 2 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58854. Acesso em: 23 dez. 2024.

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