Afonso Arinos de Melo Franco fazia distinção entre "leis complementares por destino"(as que dizem respeito aos órgãos do Estado) e "leis complementares por origem"(as que dizem respeito aos súditos do Estado), admitindo as "chamadaas leis orgânicas, que se destinam a estabelecer o mecanismo administrativo do Estado"(As Leis complementares na Constituição, pág. 9), e integram as leis complementares".
João Mangueira, não obstante, distinguia as leis complementares das orgânicas, embora reconhecesse que estas eram modalidades daquela. Definia as primeiras, as leis complementares, como as que "compõem, complementam, aperfeiçoam e aumentam a lei que a Constituição determina seja feita" e as segundas, as leis orgânicas, as que se referem a órgãos ou serviços do Estado(Parecer como relator geral da Comissão Mista de Leis Complementares, in Jornal do Comércio, RIo, 23.9.1947).
A Constituição de 1967 fazia distinção formal entre leis complementares e orgânicas, porque submetia aquelas a quorum especial de "maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional", isto é, metade da totalidade dos deputados e senatores mais um, para aprovação do projeto, enquanto estas, as leis orgânicas, continuavam com o quorum de "maioria relativa", o que vale dizer, metade da "maioria absoluta" mais um, para aceitação do projeto(artigo 53).
Ensinou Paulino Ignacio Jacques(Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, pág. 226) que, não obstante, a doutrina antes exposta, com base no direito constitucional anterior, subsiste integralmente porque se apoia nos bons principios.
No passado, dizia-se que a lei tributária é a lei das leis tributárias.
O artigo 59 da Constituição Federal prescreve:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
A matéria das leis complementares é fornecida pela própria Constituição:
- Emitir normas gerais de direito tributário;
- Dirimir conflitos de competência;
- Regular limitações ao poder de tributar;
- Fazer atuar certos ditames constitucionais.
O emissor da Lei Complementar é o Congresso Nacional, que ainda edita as leis ordinárias federais. A lei Complementar é votada pela maioria absoluta (metade mais um dos membros do Congresso Nacional), critério formal.
A Lei Complementar vige em todo o território nacional, mas não quer dizer que seja superior às leis federais ordinárias. O seu caráter de lei geral em matéria tributária e seu quórum especial são o que destacam a Lei Complementar no ordenamento jurídico. Acima dessas leis, como lei maior, está a Constituição.
A Lei Complementar é utilizada em matéria tributária para fins de complementação e atuação constitucional. A Lei Complementar serve para complementar dispositivos constitucionais tributários não autoaplicáveis, dispositivos de eficácia limitada.
Mas entenda-se que seu âmbito de validade está sempre ligado ao desenvolvimento e a integração do texto constitucional. Isso porque a Lei Complementar está a serviço da Constituição, como todas as leis, todas as normas do ordenamento jurídico.
É a Constituição que diz se a Lei Complementar vale em si e diante de outras normas.
De extrema importância a lei complementar quanto às limitações ao poder de tributar.
Veja-se o papel da Lei Complementar ao apresentar hipóteses de imunidade tributária quanto aos artigos 150, VI, “d”; 150, VI, “c”; 155, X, “a”, 150, inciso I, envolvendo: vedação de instituição de impostos sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão; a vedação da instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive as suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; o artigo 155, X, a, que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semielaborados, definidos em lei complementar; a exigência de aumentar tributos sem que a lei estabeleça, salvo nas hipóteses que a Constituição permita.
Cabe à Lei Complementar estabelecer normas gerais de direito tributário. Veja-se o artigo 146 da Constituição Federal.
Além dos 3 (três) objetos genéricos já ditos sob reserva da lei complementar do Congresso Nacional, outros, entre muitos, existem abordados na Constituição Federal, como se lê: artigo 148, I, II, parágrafo único; 150, VI, C e parágrafo quinto; 154; 155, II, a, b e parágrafo segundo, X e XII, a a g; 156, IV, e parágrafo quarto, I e II, e 161, I a III.
Raul Machado Horta, in Revista de Estudos Políticos, Belo Horizonte, ainda sob o enfoque da Emenda Constitucional n. 1:
“Continua insuficientemente explorado o campo da repartição vertical de competência, quer permite o exercício da legislação federal de normas gerais, diretrizes e bases; e da legislação estadual supletiva, sendo aquela primária e fundamental, enquanto a última é secundária e derivada. A competência comum, que se forma com a matéria deslocada do domínio exclusivo da União, para ser objeto de dupla atividade legislativa, corresponde a uma modernização formal da técnica federal de repartir competências e permite, ao mesmo tempo, que se ofereça ao Estado-membro outra perspectiva legislativa, atenuando a perda de substância verificada na área dos poderes reservados em virtude de crescimento dos poderes federais. Perdura na evolução federativa brasileira o retraimento da competência comum, sem explorar as possibilidades do condomínio legislativo, para aperfeiçoar a legislação federal, de estrutura ampla e genérica, às peculiaridades locais. A evolução do comportamento da federação brasileira não conduz à diagnóstico necessariamente pessimista, preconizando o seu fim. A evolução demonstra que a federação experimentou um processo de mudança. A concepção clássica e dualista e centrífuga acabou sendo substituída pela federação moderna, fundada na cooperação e na intensidade das relações intergovernamentais. A relação entre federalismo e cooperação já se encontra na etimologia da palavra federal, que derica de foedis; pacto, ajuste, convenção, tratado, e uma raiz que entra na composição de laços de emissão de amizade...”
O artigo 146, III, a, b e c, estabelece o cabimento da Lei Complementar.
Veja-se o que diz a Constituição:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Temos, então, em síntese, a capitulação das hipóteses de Lei Complementar Tributária segundo a Constituição Federal, nosso texto jurídico maior, em resumo trazido pela Professora Mizabel de Abreu Derzi:
- Normas fundamentais de direito financeiro e de direito tributário na Constituição Federal (artigos 24, 30, 31, 34, 35, 48, 49, 51, 52, 70 a 75, 145 163, 165 parágrafo novo e 169);
- Autorização de operações externas financeiras da União, Estados, DF, Territórios e Municípios e ainda fixação dos limites da dívida consolidada da União, Estados, DF e Municípios; limites globais e condições de operações de crédito externo interno; limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, DF e Municípios: Resoluções do Senado Federal(artigo 52, V, VI, VII, VIII e IX);
- Conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, DF e Municípios; regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar; definição de tributos e de suas espécies; obrigação; lançamento; crédito, prescrição e decadência; tratamento tributário das sociedades cooperativas: Lei Complementar da União, artigo 146;
- Regulação da competência estadual no imposto de transmissão causa mortis e doações, em caso de bens, residência ou domicílio no exterior do doador ou do de cujus: Lei Complementar da União, artigo 155, III, a e b;
- Regulação do ICMS: regime de compensação do imposto, substituição tributária, convênios interestaduais concessivos de isenção, incentivos etc; definição de serviços tributáveis pelos Municípios, havendo possiblidade de conflito; fixação das alíquotas máximas do IVC municipal e do ISS: Lei Complementar da União, artigo 155, XII; Lei Complementar da União, artigo 156, IV: Lei Complementar da União, artigo 156, parágrafo quarto, II;
- Fixação de alíquotas máximas do Imposto sobre a Transmissão causa mortis e doações; fixação das alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação do ICMS; alíquotas máximas nas operações internas do ICMS: Resolução do Senado Federal, artigo 155, IV; Resolução do Senado(artigo 155, parágrafo segundo, IV; Resolução do Senado Federal(artigo 155, parágrafo segundo, V).
Quanto aos impostos residuais e restituíveis (empréstimos compulsórios) e sobre as grandes fortunas devem ser instituídas por Lei Complementar.
Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, pág. 144), a lei complementar é veículo legislativo e norma geral de conteúdo normativo (forma) e ainda norma geral (conteúdo).
Em síntese na matéria, José Souto Maior Borges(Lei Complementar Tributária, 1975, pág. 72) ainda estudando a matéria sob o pálio da norma constitucional anterior, disse: "Sem que sejam conjugados dois requisitos constitucionais - quorum especial e qualificado - mais o âmbito material de competência legislativa próprio - não há lei complementar no direito constitucional brasileiro. Haverá quanto muito, lei ordinária da União(observância de quorum e inobservância do âmbito material de validade da lei complementar, contido não obstante o ato legislativo dentro do campo da lei ordinária da União) ou lei complementar material viciada por inconstitucionalidade forma ou extrínseca(inobservância do quorum e observância do âmbito material de cabimento da lei complementar). Donde se conclui que, extrapolando o seu campo material próprio - se observado no entanto o campo de atribuições legislativas da União - a lei não será formalmente complementar, mas ordinária. Inobservado, ao contrário, o quorum especial e qualificado, mesmo se respeitada a competência material da União, a lei complementar será inconstitucional".
Assim a lei complementar disciplinada pela Constituição é a lei complementar no aspecto formal e material.
É o critério formal e material adotado pela Constituição que dá a unidade de regime à lei complementar, sem o que não se legitimaria o seu estudo como uma categoria científica autõnoma.
O regime jurídico material da lei complementar é revelado pela análise das diversas hipóteses específicas de cabimento da lei complementar contempladas pelo direito positivo brasileiro e o quorum previsto na Constituição fornecem os atributos específicos que a distinguem dos demais atos legislativos.
A Lei Complementar é o ato legislativo para cuja elaboração a Constituição Federal exige o quorum especial previsto à luz do regime juridico formal estabelecido pela Constituição no disciplinamento dessas competências legislativas e apenas sob esse ângulo, o quorum exigido na Constituição - requisitos de existência e validade - fornece a diferença especifica da lei complementar em contraste não só com a lei ordinária, mas ainda com as outras categorias legislativas. É esse quorum atributivo que, ao somar-se ao gênero "atos normativos" forma a espécie que distingue a lei complementar das outras esécies daquele mesmo gênero. Mas isso não basta, porque a Constituição o associa, como disse Souto Maior Borges(obra citada), à inclinável exigência de inserção do ato legislativo num ãmbito material de validade próprio.
Anote-se que a superveniência da lei complementar sobre normas gerais de direito tributário paralisa ou suspende a eficácia da lei tributária estadual e municipal.
Daí, ao final, repete-se a sustenção´que foi feita por Geraldo Ataliba(notas taquigráficas do II Curso de Especialização em Direito Tributário, promovido pela Universidade Católica de São Paulo(1971), no sentido de que os Estados não podem incorporar à sua legislação as normas gerais de lei complementar mediante decreto, pois isso fere o principio da legalidade, sendo, para tanto, necessária uma lei ordinária estadual.