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A invalidade do artigo 385 do Código de Processo Penal frente à Constituição da República de 1988

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4 CONCLUSÃO

Chegado o momento de concluir a exposição, torna-se evidente a necessidade de adaptação do processo penal à função a qual se destina: conter abusos durante a persecução penal.

O processo é servil à promoção dos Direitos Humanos, devendo assegurar que indivíduos tenham acesso a um provimento jurisdicional amparado por todas as garantias asseguradas pela Constituição da República. Entre essas garantias está o de submeter-se a sentença fundada em acusação prévia e indubitável, que contenha expresso pedido de condenação ao final da instrução probatória, sob pena de, não entendendo o Ministério Público pela força probatória dos elementos contidos nos autos, ser o réu declarado inocente. Sem uma perfeita acusação, não há sentença capaz de sustentar-se como válida.

A finalidade do processo é promover a paz jurídica, sendo instrumento da tutela do direito material. Contudo, em patamar acima da função instrumental está a função protetiva dos direitos fundamentais do acusado e da sociedade como um todo, que tem como interesse comum o freio a abusos por parte dos agentes estatais.

Um sistema processual tirânico é ineficiente por não atender à necessidade de respeito às garantias constitucionais e às liberdades civis.

Para que uma decisão esteja em consonância com o Estado Democrático de Direito deve atentar-se às circunstâncias do caso concreto, e, por isso, basear-se nos elementos trazidos pelas partes, em pleno respeito ao Princípio do Contraditório.

Se virtude das provas produzidas no debate, o Ministério Público modificar sua opinião acerca da autoria ou materialidade do delito, entendendo pela absolvição do acusado, seu pleito deve prevalecer. Isto porque o pronunciamento final do juízo deve ser fundado em uma contundência argumentativa exposta pelas partes, e não em um grado de superioridade que emane do julgador.

O artigo 385 do CPP caracteriza-se como resquício do Sistema Inquisitório que ainda permite que o juiz exerça o papel do Ministério Público quando sustenta, por si só, a pretensão condenatória, em nome de uma suposta “verdade” real, só a ele revelada.

Trata-se de exercício indevido e simultâneo de papeis que a Constituição reservou a órgãos distintos, como fator de garantia do devido processo legal. 

Efetiva construção de uma realidade democrática exige a diminuição do abismo existente entre os ditames constitucionais e o Código de Processo, que teima em manter consigo ranços de um contexto político ditatorial.

Quando a legislação estiver em desconformidade com a Constituição da República, não poderá ser aplicada. Situação análoga ocorre figurando o Código de Processo Penal como personagem principal, que, diante da violação a preceitos constitucionais, não deve prevalecer.

As disposições da Lei Maior não sucumbem às normas jurídicas que lhe sejam avessas; ao contrário, atuam como orientadoras para a interpretação destas, que devem ser lidas à luz do dos mandamentos emanados do legislador constituinte.

Em resumo, as leis devem ser interpretadas de acordo com a Carta Magna, sendo inaceitável delimitar a extensão das garantias nela contidas tomando por base a legislação infraconstitucional.

Sobre o caráter normativo dos princípios, assevera BADARÓ:

(...) os princípios processuais poderão impor uma releitura ou trazer novo conteúdo a um dispositivo da legislação infraconstitucional. É necessário ‘revisitar’ o nosso sistema processual penal. (BADARÓ, 2013. p. 140) [20]

Nos moldes do que foi apresentado, não é possível que seja conferida aplicabilidade ao artigo 385 do Código de Processo Penal, por ser claramente incompatível com o sistema acusatório.

O artigo 385 do CPP, portanto, não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por não sobreviver à filtragem que tem como parâmetro o Princípio Acusatório, caracterizado pela separação absoluta entre as funções de acusar e julgar.

Em nenhum caso, é tolerável a assunção da acusação pelo juiz, como ocorre na situação descrita no art. 385 do CPP. A radical separação entre juiz e acusação é o mais importante de todos os elementos do modelo acusatório.

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Logo, embora o referido artigo disponha de modo diverso, à luz da Constituição da República de 1988, não restam dúvidas de que o juiz não pode condenar sem tomar por base a acusação, sob pena de ser nula a sentença.

“Quem tiver um juiz por acusador, precisa de Deus como defensor.”[21]

O autoritarismo se mascara sob muitas faces. Para isso, utiliza-se da falsa crença de que é necessária a ampliação do poder punitivo estatal.

Enganosa é pretensão de fazer do direito penal um instrumento de transformação social à custa do enfraquecimento dos direitos fundamentais. Acaba por ser, em verdade, troca de uma estrutura democrática por uma opressora.

Mais perigosos que os delitos penais podem ser os excessos do poder punitivo.


FONTES

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REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[3] BRASIL, Decreto-Lei nᵒ 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, nᵒ238, 13 OUT. 1941. Seção I, p. 19.688.

[4] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 439.

[5]GONZAGA, J. Bernardino Apud PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994.

[6]FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., revista e ampliada, Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1986, p.950

[7] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Quartier Latin. Clássicos Quartier. 2005. Tradução: Alexis Couto de Brito

[8] BRASIL, Decreto-Lei nᵒ 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, nᵒ238, 13 OUT. 1941. Seção I, p. 19.688.

[9] Nesse caso, não há que se falar em inconstitucionalidade material superveniente. Como consequência da não recepção, conforme já decidido pelo STF (ADI de n. 3833), normas anteriores à Constituição de 1988 apenas podem ser tocadas pelo fenômeno da revogação, pois o advento de uma nova constituição não tem o condão de tornar inconstitucional uma norma que estava em consonância com o ordenamento jurídico anterior.

[10] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Legibus Solutio: a sensação dos que são contra a reforma global do CPP. Boletim IBCCRIM. n. 210, v. 18, 2010. P. 2

[11] LOPES JUNIOR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 9 ed. 2012. p. 214

[12] Em alguns casos, há exceção à titularidade do Ministério Público de buscar a condenação. Trata-se de situações em que o legislador conferiu à vítima (ou a seu representante legal) a faculdade de promover a ação penal por meio de queixa-crime. Cumpre mencionar que, embora o Estado confira ao particular o direito de perseguir a condenação (jus accusationis), continua a manter exclusivamente o direito de punir (jus puniendi).

[13] Trata-se de mutatio libelli, tema sobre o qual não cabem maiores exposições nesse trabalho.

[14] Trata-se do instituto denominado emendatio libelli, sobre o qual também não cabem maiores exposições.

[15] KARAM, Maria Lúcia. O direito à defesa e à paridade de armas. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo Rudge (coords.). Processo Penal e Democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pag. 405

[16] PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.42.

[17] PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo Penal e Democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

[18] BRASIL, Decreto-Lei nᵒ 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, nᵒ238, 13 OUT. 1941. Seção I, p. 19.688.

[19] FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Da impossibilidade do juiz condenar quando há o pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público. São Paulo: Boletim do IBCCrim, nº 152 – julho 2005, p. 19.

[20] BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação Entre Acusação e Sentença. 3 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 140

[21] Trata-se de brocardo do Direito Penal que jamais deve ser esquecido

Sobre as autoras
Karine Azevedo Egypto Rosa

Graduada em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, pós-graduada pela Universidade Candido Mendes em Direito Penal e Processual Penal e aprovada nos concursos para defensor público na Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso e Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Renata Moura Tupinambá

Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Candido Mendes e aprovada nos concursos para os cargos de analista do Ministério Público do Rio de Janeiro e defensor público substituto do estado da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Karine Azevedo Egypto; TUPINAMBÁ, Renata Moura. A invalidade do artigo 385 do Código de Processo Penal frente à Constituição da República de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5187, 13 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59121. Acesso em: 5 nov. 2024.

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