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A súmula 584 do STF

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Agenda 24/07/2017 às 12:23

Discutem-se os reflexos da súmula 584 do Supremo e os princípios da anterioridade e da não-retroatividade.

I – A SÚMULA 584 E A DOUTRINA PÁTRIA

Tem-se a Súmula 584:

“Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”

O lançamento do imposto corresponde ao ano da apresentação da declaração. O ano-base é critério para cálculo do tributo. Distinguem-se, portanto, ano-base e exercício financeiro. Sabe-se que o ministro Aliomar Baleeiro comentou essa orientação com crítica (Direito tributário brasileiro, 4ª edição, pág. 180) porque a Súmula, passando a lei vigente para a lei do exercício da apresentação da declaração, afasta a lei vigente à data da ocorrência do fato gerador e choca-se com o artigo 144 do Código Tributário Nacional.

O momento da ocorrência do fato gerador do imposto de renda é o último instante do ano de apuração, e não a época da realização de cada operação. Como ensina o mestre Aliomar Baleeiro, ‘... há fato gerador instantâneo, ou único e imediato, e também fato gerador continuado ou complexo, porque composto de vários fatos conjuntos ou sucessivos. Neste último caso, a ocorrência do fato gerador só se consuma pela realização de todos esses elementos integrativos.’ (in Direito Tributário Brasileiro, 4ª Ed.: Forense, 1972, p. 406). Neste ponto, pertinente a observação do Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Frauzino Pereira, em parecer lavrado ainda quando Procurador da República, no RE nº 104.259/RJ, in RTJ 115/1336, in verbis:

‘O fato gerador do imposto de renda é complexivo ou periódico, porque abrange a disponibilidade econômica ou jurídica adquirida em determinado ciclo. No caso das pessoas físicas, esse ciclo termina no último dia do ano civil, considerando-se nascida a obrigação tributária no dia imediatamente seguinte, 1º de janeiro. Para as pessoas jurídicas, o ciclo se completaria com o encerramento de seu balanço e a apuração do resultado: todavia, como lhes é facultado estabelecer seu exercício social com duração e termo final diversos do ano civil e do ano financeiro, a legislação do imposto de renda considera ocorrido o fato gerador no primeiro dia do exercício financeiro e civil seguinte, como permite a ressalva do art. 116 do Código Tributário Nacional.’ (trecho aqui negritado).

Desse mesmo julgado transcreve-se o seguinte fragmento do voto do relator, Exmo. Sr. Min. Cordeiro Guerra, verbis:

‘Em conseqüência, não há direito adquirido à imposição futura do imposto de renda, com base em critérios legais revogados pela lei nova - não há direito adquirido a sistema legal revogado.

De outro modo, poderiam os balanços sociais, eximir do imposto as pessoas jurídicas, furtando-as à incidência da norma genérica.

Por esses motivos, e porque tenho por incensurável a Súmula 584, mantenho o meu voto pelo não conhecimento do recurso, reportando-me às contra-razões da ilustre procuradora Lêda Maria Soares Janot, que me permito reproduzir:

‘(...)

8. Verifica-se que no imposto de renda o fato gerador é Complexivo donde os ensinamentos do mestre Amilcar de Araújo Falcão (in Fato Gerador de Obrigação Tributária  - Ed. Rev. dos Tribunais-SP-77-pág. 127/8):

‘Dentro dessa ordem de idéias é que será possível decidir, em direito intertemporal, se se está em presença ou não de um caso de aplicação retroativa da lei tributária.

É que, tratando-se de fatos instantâneos, a alíquota a aplicar será aquela legalmente prevista à data da realização de cada fato gerador. Se, inversamente, se estiver em presença de um fato gerador complexivo, ocorrendo majoração da alíquota durante o curso da formação do fato gerador, a alíquota a aplicar é a legalmente prevista na data em que se complete o respectivo ciclo de formação ou perfeição do fato (Chamada hipótese de Pseudo-Retroatividade).’

9. O professor Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, (in Manual de D. Financeiro e D. Tributário - Freitas Bastos - 1978 - pág. 237) esclarece:

‘Fato Gerador Complexivo  - periódico ou de formação sucessiva, é para o imposto de renda, no regime de declaração, a renda, correspondente a um ‘fluxo de riqueza que vem ter às mãos do seu destinatário e que importa num aumento do seu patrimônio, durante um período de tempo determinado.

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Como disse Henry Tilbery(Imposto de renda – pessoas jurídicas, 1985, pág. 111) o fato gerador do imposto, conforme o artigo 43 do Código Tributário Nacional, é a aquisição da disponibilidade econômica e jurídica.

O objeto da tributação é o rendimento do exercício financeiro: o lucro do ano anterior é apenas base de cálculo.

Nesse entendimento, segundo Henry Tilbery, o sistema brasileiro corresponde ao sistema da Praenumerandobesteuerung, de acordo com a terminologia suíça. Mas, entenda-se, que este entendimento não é pacífico.

O mesmo principio que vigora no direito tributário britânico, foi formulado por C.N.Beatle(Per Rowlatt J. in Fry v. Burma Corporation, 1929, I 5 T.C, 113),  da seguinte forma:

“Tal rendimento do ano anterior não traz nada mais do que a medida para o lançamento do imposto para o ano seguinte, não para o ano anterior. É muito importante para entender esta conceituação que o objeto da tributação seja a renda do ano de lançamento(exercício anterior, conceituação esta que tem efeito de grande alcance na legislação do imposto de renda).

O objeto da tributação não são os exercícios que servem como medida. O imposto incide sobre o ano em que o tributo é lançado e os anos de referência apenas servem como medida”.

Como já se registrou, Amílcar de Araújo Falcão(Fato gerador da obrigação tributária, 1971, pág. 125 a 127), cunhou a expressão fato gerador complexivo ou periódico para o fato gerador do imposto de renda.

Trago a lição de Antônio Roberto Sampaio Dória(Da lei tributária no tempo, 1968, pág. 158):

“Tratando-se de fato gerador complexivo, a diretriz de direito intertemporal indica a lei aplicável a reger a obrigação correspondente, é idêntica à que preside a tributação das pessoas físicas, vale dizer, aplicável é a lei vigente no momento em que o fato gerador ocorre, instaurando-se o respectivo debitum fiscal(1º de janeiro de cada exercício financeiro), sendo inoponíveis aquela ou aquelas vigentes durante as etapas de sua gestação ou formação(1º de janeiro a 31 de dezembro imediatamente anteriores).”

Ruy Barbosa Nogueira(Direito tributário comparado, 1971, pág.19) ensinou que, no caso do imposto de renda, a base de cálculo e o fato gerador se confundem. Levando em consideração a realidade econômica que o suporte fático do imposto de renda se forma ao longo do ano anterior por um número de atos e fatos sucessivos, opinou que a completação jurídico-formal da incidência, que realmente ocorre em um só instante, não descaracteriza a natureza de fato composto.

O entendimento apresentado pela Súmula 584 tem como realidade admitir efeito retroativo das inovações, principalmente em relação a balanços encerrados no ano-base em data anterior a norma.

Realmente afronta a segurança jurídica, pilar básico nas relações tributárias entre a Fazenda e o contribuinte.  Os empresário procedem, nos seus negócios, com perfeita obediência à legislação vigente, durante o ano-base, podendo ser surpreendidos por modificações legislativas que entrarem em vigor, no dia 1º de janeiro do ano seguinte, alterando, sem dúvida, as implicações tributárias de transações que haviam sido efetuadas em confiança nas normas então vigentes.

Fábio Fanucchi(O instante do fato gerador do imposto de renda, Resenha tributária, série I, ano 1971, cad. 11-3, 115-50) assim disse:

“Alerte-se, outrossim, antes de ingressar no cerne da questão, que o assunto não é destituído de resultados práticos. Não é nada acadêmico a discussão que se possa desenvolver em torno dele. Não são poucos os litígios que se desenvolvem e que se desenvolverão, ainda calcados exclusivamente nesse nebuloso aspecto de nossa legislação do imposto de renda. Só mesmo elucidado o assunto haverá possibilidade de se solucionarem com facilidade casos pendentes  e futuros, nos quais se debata a aplicação dessa legislação no tempo”

.........

“È bem verdade que há uma tendência predominante no sentido de considerar o primeiro dia do exercício financeiro, em que se exercita a cobrança do tributo, como data da ocorrência do fato gerador de obrigação que se afirma através do lançamento por período certo de tempo. Todavia, não menos verdadeiro é que tal opinião não chega a convencer plenamente, embora acarrete soluções práticas satisfatórias”.

Veja-se a redação que foi dada ao Decreto-lei 1.967/82, em seu artigo segundo:

“A base de cálculo do imposto, determinada segundo a legislação aplicável no início do exercício financeiro”

 A favor da tese da ocorrência do fato gerador ao término do ano-base se diverso do fim do ano calendários, elenco os seguintes tributaristas: Ives Gandra da Silva Martins, Hamilton Dias de  Souza.


II – O ARTIGO 116 DO CTN

Mas leia-se o artigo 116 do CTN:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lei   nº 104, de 10.1.2001)

Observo a opinião de Bernardo Ribeiro de Moraes(Compendio de direito tributário, 1984, pág. 460).

“a nova norma tributária jamais pode alcançar as relações anteriormente e totalmente consumadas, isté, quando se trata de fato jurídico perfeito(o já consumado segundo a lei vigente em que se efetuou.”

Recolhe-se o imposto de renda segundo o imposto lançado ou ainda pela retenção da fonte. A retenção na fonte é uma forma de arrecadação. Por sua vez, a tributação em bases correntes diz respeito não  ao recolhimento do imposto, mas à base de cálculo.

Em matéria de imposto de renda de pessoas jurídicas, a base de cálculo do lucro real a  mais comum no caso das empresas é o resultado do último exercício social anterior encerrado, devido à dificuldade de apurar o resultado em curso, ainda em formação.

No direito comparado tem-se:

  1. Imposition d’après le revenu présumé, que legalmente tem como objeto a renda auferida no exercício financeiro, tomado o resultado do ano-base anterior apenas como padrão de estimativa, por ficção suposta igual ao exercício em que tiver de ser feito o lançamento, como se teve nos Regulamentos de 1924 e 1928 do Imposto de Renda:
  2. Imposition d’ après le revenu acquis, que legalmente incide sobre o resultado do ano-base anterior, identificando-se com o objeto da tributação efetuada no exercício financeiro, ou seja, dentro do calendário seguinte.

Há ainda técnicas de antecipação na arrecadação, isto é, antes de lançado e independentemente de situações que impõem desconto na fonte. São técnicas que visam reduzir a desvantagem entre o momento da criação da riqueza e o momento do recolhimento do imposto de renda aos cofres públicos.

Assim, nota-se os seguintes diplomas legais: Decreto-lei 62/66(modificado pelo Decreto-lei 352/68: Decreto-lei 1.704/79; Decreto-lei 1.967/82; Decreto-lei 2.031/83; Decreto-lei 2.124/84.

A Suprema Corte veio a confirmar a validade da Súmula 584/STF, no julgamento do RE nº 194.612-1/SC, Relator Exmo. Sr. Min. Sydney Sanches, in DJ de 08/05/98, cuja ementa é a seguinte, in verbis:

‘EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA SOBRE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS, CORRESPONDENTE AO ANO-BASE DE 1989. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA PARA 18%, ESTABELECIDA PELO INC. I DO ART. 1º DA LEI Nº 7.968/89. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 150, I, ‘A’, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

1. O Recurso Extraordinário, enquanto interposto com base na alínea ‘b’, do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, não pode se conhecido, pois o acórdão não declarou a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

2. Pela letra ‘a’, porém, é de ser conhecido e provido.

3. Com efeito, a pretensão da ora recorrida, mediante Mandado de Segurança, é a de se abster de pagar o Imposto de Renda  correspondente ao ano-base de 1989, pela alíquota de 18%, estabelecida no inc. I do art. 1º da Lei nº 7.968, de 28.12.1989, com a alegação de que a majoração, por ela representada, não poderia ser exigida com relação ao próprio exercício em que instituída, sob pena de violação ao art. 150, I, ‘a’, da Constituição Federal de 1988.

4. O acórdão recorrido  manteve o deferimento do Mandado de Segurança.

Mas está em desacordo com o entendimento desta Corte, firmado em vários julgados e consolidado na Súmula 584, que diz:

‘Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.’

Reiterou-se essa orientação no julgamento do R.E. nº 104.259-RJ (RTJ 115/1336).

5. Tratava-se, nesse precedente, como nos da Súmula, de Lei editada no final do ano-base, que atingiu a renda apurada durante todo o ano, já que o fato gerador somente se completa e se caracteriza, ao final do respectivo período, ou seja, a 31 de dezembro.

Estava, por conseguinte, em vigor, antes do exercício financeiro, que se inicia a 1º de janeiro do ano subseqüente, o da declaração.

6. Em questão assemelhada, assim também decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do R.E. nº 197.790-6-MG, em data de 19 de fevereiro de 1997.

7. R.E. conhecido e provido, para o indeferimento do Mandado de Segurança.

8. Custas ‘ex lege’.’ (trecho aqui negritado).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A súmula 584 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5136, 24 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59206. Acesso em: 23 dez. 2024.

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