VIII. A TEORIA DE HABERMAS PARA A AVALIAÇÃO DO CASO
Habermas trata mais objetivamente do caso jurídico e como este deve ser avaliado.
Observa, em sua teoria, uma tensão entre faticidade e validade. A faticidade é a lei e os fatos concretos. Porém, para ter validade é necessário observar fatores externos ao caso, analisando pelo âmbito da sociologia, da antropologia etc.
O autor não concorda com a teoria de Dworkin do juiz Hércules (capaz de observar todas as possibilidades e escolher o melhor para o grupo). Para ele, é necessário o confronto de argumentos e que algum deles se sobressaia, sendo dessa forma, o melhor. Estes argumentos seriam sugeridos por um grupo de pessoas que analisariam os casos, não apenas um juiz.
No caso exposto, fez-se uso da faticidade e também de elementos externos. A faticidade está no que consta no artigo 59 do Código Penal, utilizado para determinar a pena e, também, na observação dos policiais civis que observaram o local por algum tempo. Informações estas, contidas no inquérito policial. Já os elementos externos ficam por parte da avaliação das partes envolvidas.
O juiz decidiu sozinho, valeu-se o seu argumento que estava de acordo com a lei. Diferentemente da proposta de Habermas, onde um grupo de pessoas avaliaria o caso e o melhor argumento seria o válido.
IX. A SOCIEDADE DE RISCO PARA BECK E SEUS REFLEXOS NO ESTUDO DO CASO
Para Beck, a sociedade é de riscos, estando os indivíduos nela contidos sujeitos a vários efeitos que, ás vezes, nem caberiam a eles, por partirem de outras pessoas.
Existem dois estágios de sociedade de risco: no primeiro o sujeito age e não tem a noção dos efeitos que sua ação pode causar. Um exemplo seria uma fábrica no contexto da Revolução Industrial que poluiu algo. Já no segundo estágio de sociedade de riscos os efeitos das ações são conhecidos. Utilizando o exemplo anterior, a fábrica conheceria as leis de proteção ao meio ambiente, legislação ambiental, dentre outros.
Para o autor, o Direito produz uma certeza que está em constante risco de mudança, já que toda teoria é falível e temporária. Assim, o que hoje é certeza para o Direito, em um momento no futuro pode não mais ser. Para comprovar seu pensamento, afirma que até mesmo sua teoria é falível e temporária.
Se, no caso sugerido, fosse feita uma avaliação para determinar em qual estágio de risco estaria inserido, a conclusão seria que se inclui no segundo estágio. Já que a acusada tinha plena consciência de estar praticando atos ilícitos sujeitos á punição, devido à ampla divulgação da lei neste sentido.
Para Beck, essa decisão do juiz Carlos Cunha, é temporária e falível, já que os seus argumentos assim o são. Talvez futuramente, a prática de agenciamento de prostituição não seja mais considerada crime.
X. A “DISCIPLINA” E O “CONTROLE” DE FOUCAULT NA EXPLORAÇÃO SEXUAL
Para Foucault, os indivíduos estão sempre sendo confinados, para facilitar um controle sobre cada um. O controle é diferente da disciplina.
A disciplina para o autor:
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mias útil é. Forma-se então, uma política de coerções que consiste num trabalho sobre o corpo, numa manipulação calculada dos seus elementos, dos seus gestos, dos seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, os chamados “corpos dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças. Ela dissocia o poder do corpo, faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (Foucault, 1997, p.119)
Foucault insere o conceito de horário como forma de controle. “Tática, ordenamento espacial dos homens, taxonomia, espaço disciplinar dos seres naturais; quadro econômico, movimento regulado das riquezas.” (Foucault, 1995, p.136). As mais diversas táticas de controle são aplicadas o que faz com que o corpo se torne impensável.
Um exemplo que facilita a essa diferenciação entre controle e disciplina é o da fábrica e da empresa. Nas fábricas, o operariado trabalhava o número acertado de horas e recebia um valor previamente acordado por isso. Isso é controle. Já nas empresas atuais são incentivadas as disputas entre os empregados. Assim, quem se sair melhor receberá uma importância em dinheiro maior que os outros, graças ao sistema de comissões.
No caso da exploração sexual, as prostitutas são controladas por certa forma de confinamento, pois estão na casa para serem prostituídas. Porém, também há disciplina. Uma forma clara de demonstrar isso é que a prostituta que mais receber clientes em uma noite, mais vai ganhar.
XI. A TEORIA DO CONTROLE DO ESTADO DE DELEUZE E SEU REFLEXO NO CASO
A palavra-chave na teoria de Deleuze é “controle”. Os indivíduos são monitorados todo o tempo pelo Estado, não como antigamente através do confinamento, mas através do que ele chama de coleira eletrônica. Esse termo faz menção ao que a pessoa usa no dia-a-dia e serve de forma de monitoramento para o Estado, como o CPF, o cartão de crédito, o celular. Portanto, é impossível fugir dessa vigilância.
Assim, a sociedade segmenta o indivíduo, observando-o apenas por um lado. A pessoa perde aos poucos sua continuidade e se torna várias pessoas em uma só. Isso vai ocasionando a incerteza no Direito, que analisa o indivíduo por um único aspecto, deixando os demais.
O caso da agenciadora de prostituição se enquadra na teoria de Deleuze. A partir do controle do Estado que as práticas ilícitas foram descobertas. E como consta no inquérito, a investigação levou algum tempo, o que confirma a constante vigilância do Estado sobre todos os indivíduos.
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso proposto foi visto de variadas formas por diversos autores da sociologia jurídica. Foram avaliados vários aspectos, como o texto da sentença em si, as partes, a decisão do juiz e seus argumentos, o Direito como um todo e como objeto para a decisão do caso específico.
Foi visto que um mesmo caso pode se desdobrar em muitas opiniões, críticas e estudos:
Em Rouland as prostitutas buscavam uma identidade e atestaram a diferença cultural entre indivíduos da mesma sociedade.
Observando Durkheim, foi considerada uma divisão do trabalho entre as prostitutas e a agenciada Nilde, ré no processo.
Considerando a teoria de Marx, as prostitutas foram comparadas ao proletariado e a agenciadora foi posta como a detentora dos meios de produção.
A partir de Weber foi estudada a dominação no caso e o formalismo na sentença judicial.
Em Luhmann, foi possível enquadrar a situação vivida pelas prostitutas e pela agenciadora como um sistema, repleto de relações. Foi feita ainda uma análise quanto a diferenciação do sistema, que foi concluída como funcional.
Os conceitos de faticidade e validade de Habermas, foram enquadrados no caso.
Observando o conceito de sociedade de risco de Beck chegou-se à conclusão de ue a situação no caso representava o segundo estágio de risco.
A partir de Foucault, foram estudados os conceitos de controle e disciplina e cada um foi enquadrado ao caso.
A teoria do controle do Estado de Deleuze foi atestada no caso estudado.
Esse estudo detalhado analisou criticamente o fato e abriu caminhos para uma avaliação diferenciada do caso da exploração sexual.
REFERÊNCIAS
BECK, Urlich. Sociedade do risco. 1986
BRASIL, Assis. Beira rio, beira vida. 1965
DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedade de controle. Conversações: 1972-1990. Rio de janeiro: ED.34. 1992
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 1893
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1997.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. 1999
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. 1972
MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem. 1926
MARX, Karl. O Capital. 1982
Os três tipos de dominação segundo Max Weber. Disponível em: <http://www.artigonal.com/noticias-e-sociedade-artigos/os-tres-tipos-de-dominacao-segundo-max-weber-1284076.html>. Acesso em: 25 nov. 2011.
ROULAND, Norbert. O direito dos povos autóctones. In: ROULAND, Norbert (org.). Direito das minorias e dos povos autóctones. Brasília: Universidade de Brasília, 2004.