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A tutela provisória e seus traços marcantes

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Agenda 01/02/2018 às 13:00

Aborda-se o conceito de tutela provisória, investigadas cada uma de suas espécies, bem como analisados os requisitos para sua concessão.

Resumo: O presente trabalho tem por tema o tratamento dado pelo Código de Processo Civil às tutelas provisórias. A atual disciplina legislativa da matéria será comparada com a anterior. O estatuto revogado dividia a matéria entre a antecipação de tutela e as tutelas cautelares. O codex atual regulamenta ambas as tutelas urgentes sob o nome iuris de tutelas provisórias. Será abordado o conceito de tutela provisória, investigadas cada uma de suas espécies bem como analisados os requisitos para sua concessão. Ao final, as questões atinentes às semelhanças e diferenças, entre as tutelas provisórias atuais e as revogadas, antecipação de tutela e tutelas cautelares, serão postas à mesa, concluindo-se, assim, se houve real, verdadeira e profunda inovação legislativa, ou se apenas existiu reorganização de matéria já disciplinada anteriormente. A metodologia de pesquisa consistirá na leitura e análise de textos legais, tanto vigentes quanto já revogados, bem como de obras doutrinárias. A doutrina objeto de pesquisa será referente, da mesma forma, tanto à legislação atualmente vigente quando àquela já superada, a fim de que se possa ter uma visão panorâmica do assunto.

Palavras-chave: Tutelas provisórias; evolução legislativa; conceito; espécies; requisitos.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1.CONCEITO DETUTELAS PROVISÓRIAS . 2. CARACTERÍSTICAS COMUNS ÀS TUTELAS PROVISÓRIAS. 2.1. A Disciplina Conjunta e suas Linhas Gerais . 2.2. A Divisão do Tempo. 2.3. Cognição Sumária. 2.4. Provisoriedade . 2.5. Concessão a Qualquer Tempo. 2.6. A Questão do Contraditório. 2.7. Recorribilidade . 2.8. Efetivação das Tutelas Provisórias. 2.9. Responsabilização. 2.10. O Código Revogado. 3. TUTELA ANTECIPADA. 3.1. Tutela Antecipada de Urgência. 3.1.1. Questões Procedimentais. 3.1.2. A Questão da Emenda. 3.1.3. Estabilização da Tutela Antecipada de Urgência Antecedente . 3.2. Tutela Antecipada de Evidência. 4. TUTELA CAUTELAR. 4.1. Espécies de Tutela Cautelar. 4.1.1. Tutela Cautelar Antecedente. 5. FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS PROVISÓRIAS. CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Com a vigência do novo Código de Processo Civil muitas discussões se acenderam. Sem deixar de lado a importância de cada uma delas, o presente trabalho ressalta a importância das tutelas provisórias.

Já há mais de 20 anos o tema das tutelas antecipatórias está presente na legislação nacional. O passar dos anos, porém, não fez sua importância diminuir. Do contrário.

A dinâmica das relações sociais atuais já não permite, via de regra, que o litigante aguarde o tempo necessário para o amadurecimento do processo, para prestação da tutela jurisdicional.

O processo, em si, sendo um conjunto de atos voltados à decisão judicial que pacifica o conflito, demanda, naturalmente, tempo para o atingimento de seu objetivo.

Soma-se, a isso, o fato de que o Poder Judiciário, em regra e por motivos vários, é bastante moroso em sua tarefa de dizer o direito.

Não raras vezes, ou o direito da parte é salvaguardado e satisfeito por uma decisão provisória, ou o direito perece enquanto o processo caminha rumo à decisão definitiva. Vale dizer, apenas uma decisão que conceda tutela provisória será apta à tutela do direito, que, de outra forma, perecerá enquanto o processo trilha seu caminho.

Fica evidente, portanto, a importância do estudo aprofundado das tutelas provisórias.

Assim, nas páginas que seguem, uma vez conceituada a tutela provisória, será traçada linha evolutiva do instituto, desde o Código de 1973 até o Diploma legal atual.

Verificar-se-á se houve, de fato, verdadeira e profunda modificação do instituto processual, ou apenas mera reorganização legislativa do que já existia.

Após, será feita breve análise de cada uma das modalidades de tutela provisória, com a indicação, também, dos requisitos para concessão de cada uma delas.


1. CONCEITO DE TUTELAS PROVISÓRIAS

O novo Código de Processo Civil, diferentemente do que ocorria anteriormente, aglutina sob o nomem iuris tutelas provisórias o que anteriormente se dividia entre tutelas antecipadas e tutelas cautelares.

Interessante iniciar a discussão da matéria pela busca do conceito de tutela provisória, que, certamente, não vem explícito no novo Código de Processo Civil.

Colhe-se, do Manual de Direito Processual Civil, de Cássio Scarpinella Bueno que:

É correto entender a tutela provisória, tal qual disciplinada pelo CPC de 2015, como o conjunto de técnicas que permite ao magistrado, na presença de determinados pressupostos, que gravitam em torno da presença da “urgência” ou da “evidência”, prestar tutela jurisdicional, antecedente ou incidentalmente, com base em decisão instável (por isso, provisória) apta a assegurar e/ou satisfazer, desde logo, a pretensão do autor. (2016, p. 247).

Ainda que, da leitura rápida do conceito dado à tutela provisória por Cássio Scapinella Bueno, saltem aos olhos expressões como “urgência”, “evidência”, “instável”, “assegurar” e “satisfazer”, o presente trabalho buscará o conceito de tutela provisória com outro foco e a partir de outro ponto de vista, que também não passou desapercebido pelo citado doutrinador.

Nota-se que, que segundo Cássio Scapinella Bueno, a tutela provisória consiste de um conjunto de técnicas que visam a prestação da tutela jurisdicional “desde logo”.

A ideia a que se chega consiste em que a tutela provisória é técnica destinada à distribuição do ônus representado pelo tempo necessário para prestação da tutela jurisdicional.

Explica-se. O processo demanda tempo, naturalmente. Conforme escreve Marcelo Abelha, em seu Manual de Direito Processual Civil: “É cediço que toda tutela, para ser entregue, demanda tempo. Necessariamente, consome-se tempo para debelar crises jurídicas e obter a tutela esperada”. (2016, p. 381).

A este tempo natural de que o processo necessita para completar seu ciclo, que se inicia com a petição inicial e termina com a decisão definitiva, soma-se o tempo antinatural, pelo qual são responsáveis a morosidade da máquina judicial, as artimanhas da parte adversa, e tantos outros fatores.

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O tempo necessário ao processo vem retratado na doutrina de Marcelo Abelha, que escreve:

Frise-se que por ser o processo um método de trabalho democrático, em constante contraditório e cooperação daqueles que dele participam, leva tempo para ser concluído. E, esse tempo é necessário para que ele, o processo, possa ser um instrumento, justo (devido processo legal). Logo, não há processo jurisdicional instantâneo. Entre o seu início e o seu fim há um trilho a ser percorrido. (2016, p. 384).

Enquanto o processo tramita uma das partes litigantes ficará privada do bem da vida por ela postulado. Muitas vezes, a passagem do tempo é a maior aliada daquele que não tem razão, mas esconde-se por trás do processo e desfruta de um bem jurídico a que não tem direito, enquanto o outro padece do mal do tempo.

Segundo a lição de Marcelo Abelha:

É que a vida das pessoas não é paralisada quando elas levam uma crise jurídica para ser pacificada pelo Poder Judiciário. E é justamente porque a atividade jurisdicional se exerce e se desenvolve durante um dado lapso temporal que, a cada minuto, a cada hora, a cada dia, a cada mês e a cada ano que passam, mais longe e fora da realidade original fica a tutela jurisdicional. (2016, p. 381)

Assim é que surge a tutela provisória como técnica processual que permite, desde logo, vale dizer, antes que o processo atinja seu fim, a atribuição do bem da vida, ou sua garantia futura, àquele que, estando em Juízo, aparentemente tem razão.

Neste ponto, não há novidade. A necessidade da distribuição do ônus do tempo do processo já foi sentida há muito. Já o Código de Processo Civil de 1973 trazia, mesmo em seu texto original, ferramentas aptas a combater os malefícios do tempo, consistentes nas medidas cautelares.

Bem verdade que as medidas cautelares não foram concebidas para atribuir, desde logo, o bem da vida a quem de direito, mas tão somente para salvaguardá-lo. Trabalhando com as ferramentas que tinham, contudo, doutrina e jurisprudência, fazendo uso do que se convencionou chamar de cautelares impróprias, não raras vezes chegaram ao adiantamento dos efeitos do resultado final da demanda.

Segundo escreve Ester Camila Gomes Norato Rezende, em texto intitulado Tutela Provisória, publicado na obra Primeiras Lições Sobre o Novo Direito Processual Civil Brasileiro, de coordenação de Humberto Theodoro Júnior, Fernanda Alvim Ribeiro de Oliveira e da própria Ester Camila Gomes Norato Rezende:

As exigências reveladas pelas situações fáticas e jurídicas conflituosas impuseram a necessidade de provimentos jurisdicionais provisórios de cunho satisfativo, isto é, que induvidosamente permitissem a satisfação imediata, total ou parcial, do direito em debate. A prática forense, então, impelida por tais necessidades, em situações de procedimento ordinário passou a lançar mão do processo cautelar para obter provimentos jurisdicionais provisórios satisfativos, dando azo à chamada medida cautelar satisfativa, visto que na redação original do CPC/1973 se tratava da única via processual hábil a gerar uma tutela jurisdicional provisória em procedimento ordinário. Destarte, na redação original do CPC/1973, os provimentos provisórios satisfativos tinham sede apenas em procedimentos especiais, regulados pelo código e notadamente por leis esparsas, como as liminares de ações possessórias, as liminares de ações locatícias, etc. (2015, p. 181).

Foi com a reforma legislativa de 1994, porém, que inseriu no texto do Código a antecipação de tutela, que verdadeiramente passou a existir ferramenta adequada e concebida para adiantar o resultado final do processo, a fim de que aquele que aparentemente tivesse razão pudesse usufruir do bem da vida, enquanto aguardava o trâmite processual.

Essa evolução legislativa foi retratada por Arruda Alvim, em obra intitulada Novo Contencioso Cível no CPC/2015:

É bastante fácil notar, nos últimos 20 anos no Brasil, uma tendência acentuada de, por intermédio da lei, criarem-se institutos com a finalidade de precipitar no tempo a satisfação das pretensões. Com efeito, o abarrotamento do Judiciário e o próprio tempo do processo podem representar uma espera infindável, pelas partes, de uma solução ao seu caso. A demora dos processos é um mal universal. Essa tendência continuada dos legisladores, de tentar agilizar o alcance à prestação jurisdicional, tem sido a resposta correspondente ao grande aumento do acesso à Justiça, que o aparato estatal tradicional, tendo em vista o seu tamanho, não tem logrado atender com a rapidez e a eficiência necessárias. Ao lado da desejável aspiração geral à celeridade da Justiça, tornou-se muito mais aguda a necessidade de tutelas de urgência, em nossa civilização (com autêntica multiplicação de situações de emergência), pelos multiformes danos que podem ocorrer. A partir da constatação de que a prestação jurisdicional, quando é entregue tardiamente, equivale à frustração, ao menos parcial, do direito da parte, passou-se a reformar o Código de Processo Civil de 1973 em busca de um sistema de Justiça mais célere e eficaz. (2016, p. 169).

A mesma ideia pode ser colhida do texto de Guilherme Lunelli, intitulado Aspectos procedimentais das tutelas de urgência no novo Código de Processo Civil: Tutela antecipada concedida em caráter antecedente e publicado na obra O Novo Código de Processo Civil Brasileiro – Estudos dirigidos: sistematização e procedimentos, de coordenação de Thereza Alvim, Luiz Henrique Volpe Camargo; Leonard Ziesemer Schmitz e Nathália Gonçalves de Macedo Carvalho:

A possibilidade de, diante das peculiaridades do caso concreto, promover-se o reequilíbrio dos ônus temporais dentro de uma demanda judicial não é novidade no âmbito da legislação processual brasileira. O Código de Processo Civil de 1973, em sua redação original, já se preocupava com a questão, buscando, por intermédio dos intitulados processos cautelares, evitar que o transcurso de tempo pudesse prejudicar o resultado útil da prestação jurisdicional. Da mesma sorte, modificação legislativa operada no CPC em 1994 (é dizer: há mais de 20 anos) passou a também permitir que, existente prova inequívoca a demonstrar a verossimilhança das alegações do autor, pudesse o juiz adiantar temporalmente os efeitos do provimento final. (2015, p. 121/122).

Assim é que, na esteira do que escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero em seu Novo Curso de Processo Civil, é possível afirmar que:

Como o tempo é concomitantemente inerente à fisiologia do processo e fonte de dano ao autor que tem razão no seu pleito, é necessário distribuí-lo de acordo com determinados critérios ao longo do seu desenvolvimento. Do contrário, corre-se o risco de o autor ter que invariavelmente pagar pelo tempo do processo – independentemente da urgência na realização da tutela do direito ou da evidência da posição jurídica que defende em juízo -,com evidente violação do princípio da igualdade (arts. 5º, I, da CF/1988, e 7º do CPC). (2015a, p. 198).

As tutelas provisórias também foram retratadas por Marcelo Abelha como ferramentas destinadas ao combate dos efeitos deletérios da passagem do tempo sobre o processo:

De fato, o sistema jurídico não ficou infenso a tal situação, e para isso criou a tutela jurisdicional diferenciada contra os efeitos deletérios do tempo no processo, ou, em palavras mais adequadas, as técnicas processuais que permitem obter a tutela jurisdicional de forma mais célere, cuja função básica é corrigir ou prevenir determinadas situações em que o próprio processo ou o direito por ele tutelado estejam ameaçados de serem engolidos pela ferrugem temporal. (2016, p. 382).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, escreve, Ester Camila Gomes Norato Rezende, que:

O Livro V, da Parte Geral do novo Código de Processo Civil, regula o que denominou de “Tutela Provisória”. A análise dos dispositivos legais revela que a chamada tutela provisória versa sobre os provimentos jurisdicionais destinados a salvaguardar provisoriamente o direito ou o próprio processo em vista de uma situação de urgência ou mesmo dos males do transcurso natural do tempo necessário ao trâmite processual, dependendo, em regra, de provimento jurisdicional definitivo (sentença com trânsito em julgado) para por fim à demanda judicial. (2015, p. 179/180).

Pode-se dizer, em síntese, seguindo as palavras de Arruda Alvim, que:

O deferimento de uma tutela provisória significa antecipar no tempo os efeitos do julgamento final, e com isso definir quem deverá suportar o ônus do tempo transcorrido até este julgamento final. (2016, p. 173).

É bem verdade que o nomen iuris adotado pelo novo Código de Processo Civil não passou imune de críticas. Segundo Luiz GuilhermeMarinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, in O Novo Processo Civil:

Essa conjugação foi feita em um determinado momento da história pelo instituto da antecipação da tutela – que agora encontra uma pálida e pobre tradução na designação “tutela provisória” empregada pelo legislador (arts. 294. a 311). Ao preferi-la, o legislador deu vários passos atrás e optou ver o processo por uma perspectiva interna de análise em detrimento de uma preocupação com uma efetiva tutela dos direitos. (2015b, p. 231).

A insatisfação dos ilustres doutrinadores, e o narrado retrocesso por eles anunciado, decorre do fato de que o Código de Processo Civil parecer dar mais ênfase a aspectos processuais do instituto das tutelas provisórias, deixando de lado a real e prática efetivação do direito material em questão.

Ao colocar em evidência a questão da provisoriedade do provimento poderia o Código ter renegado a segundo plano o ponto mais importante, qual seja, a realização ou salvaguarda, por ser urgente ou evidente, do direito material discutido em Juízo.

A tutela, que antes era antecipada (realizando de imediato o direito material), agora é provisória (instável, podendo ser revista a qualquer momento, de cognição sumária, ou seja, conceitos meramente processuais).

O fato, porém, é que as palavras usadas pelo legislador não devem impedir o estudo aprofundado da matéria, com a revelação de seu verdadeiro fundamento, conteúdo e finalidade.

Caberá à doutrina a sistematização teórica da tutela provisória, como já ocorreu com a tutela antecipada, que, da mesma forma, não foi estabelecida por um texto imune de críticas. Esta ideia também foi exposta pelos mesmos Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

A leitura dos arts. 294. a 311 na perspectiva da tutela dos direitos é imprescindível, na medida em que o legislador deixou de proporcionar uma adequada abertura ao plano do direito material no tratamento das “tutelas provisórias” – basta ver que, a pretexto de retratar os casos de urgência, o legislador fala em “perigo de dano” e em “risco ao resultado útil do processo” (art. 300), como se inexistissem tutelas contra o perigo de ilícito (como, no entanto, assegura expressamente o art. 497, parágrafo único) e como se a tutela cautelar não fosse também uma tutela do direito, isto é, uma tutela com incidência sobre o plano do direito material. Daí que apenas uma interpretação comprometida com o ideal de ver o processo como meio para tutela dos direitos – e, portanto, uma orientação que extravasa os domínios meramente processuais – é capaz de bem equacionar aquilo que o legislador preferiu embotar no cimento das construções forjadas no processualismo. É imprescindível, portanto, ler os arts. 294. a 311 na perspectiva da relação entre técnica processual e tutela dos direitos, deixando-se de lado os critérios puramente processuais para sua compreensão. Os critérios processuais – provisoriedade e cognição sumária, por exemplo – são inquestionavelmente importantes, mas são insuficientes para o adequado equacionamento das relações entre direito e processo no Estado Constitucional. (2015b, p. 232/233).

Em conclusão:

A visão conservadora do legislador, contudo, não pode impedir um adequado desenvolvimento teórico do tema. O assunto tratado nos arts. 294. a 311 é o da tutela sumária, que pode prestar tutela satisfativa ou tutela cautelar aos direitos mediante provimentos provisórios. (MARINONI, ARENHART E MITIDIERO, 2015b, p. 232)

Tendo o presente capítulo se iniciado com a citação de um conceito de tutela provisória, razoável que se complete o círculo de sua análise com a citação de um outro, complementar ao primeiro. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero assim conceituam a tutela provisória:

Trata-se, portanto, de uma importante técnica processual voltada à atípica concretização do princípio da igualdade e da paridade de armas entre os litigantes (arts. 5.º, I, CRFB, e 7.º do CPC) – destinada, portanto, a colocar em evidência o lado oculto do processo, aquele que não pode ser visto pelo processualista que olha apenas para o plano normativo: o fato de que a resistência indevida no processo não pode ser fonte de vantagens econômicas para quem por detrás dela se esconde, mormente quando o autor depende economicamente do bem da vida, hipótese em que o desprezo pelo tempo do processo e o conseguinte fortalecimento da posição do réu acentua a desigualdade entre as partes, transformando o princípio da igualdade em uma abstração irritante. (2015b, p. 235/236).

Como já aventado anteriormente, o conceito não é novo. Ainda que agora apresentada sob outro título, a ideia de uma ferramenta processual capaz de combater os males da passagem do tempo não é nova no direito processual civil brasileiro.

Luiz Guilherme Marinoni, em sua monografia intitulada Antecipação de Tutela, discorrendo acerca das tutelas antecipadas do Código de Processo Civil de 1973, já apresentava ideias e conceitos de todo similares ao que hoje se colhe da doutrina que comenta do Código vigente. Vejamos:

A técnica antecipatória, é bom que se diga, é uma técnica de distribuição do ônus do processo. (...) Um processo que perdura por longo tempo transforma-se também em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição. (2009, p. 23)

Neste mesmo sentido também já escrevia Cássio Scarpinella Bueno, em brilhante monografia intitulada Tutela Antecipada, também escrita sob a égide do Código anterior:

No que diz respeito à tutela antecipada e à tutela cautelar, o que o legislador quis resolver foi o problema relativo ao tempo necessário para que o Estado-juiz decida. Como a necessidade de tempo para decidir pode levar lesões a direitos ou situações de ameaça a direitos a deixar de serem apreciadas e resolvidas oportuna e tempestivamente perante o Judiciário, fez-se necessário conceber, para dar conteúdo o mais concreto possível ao art. 5º, XXXV, da CF, as tais tutelas “antecipada” e “cautelar”. (2007, p. 24).

Segue Luiz Guilherme Marinoni, ainda comentando dispositivos do CPC de 1973 e discorrendo acerca não apenas das tutelas de urgências, mas também das tutelas provisórias fundadas em evidência, que, ainda que não com este título, já haviam sido consagradas pela legislação pretérita:

A tutela antecipatória, expressamente prevista no Código de Processo Civil (art. 273), é fruto da visão da doutrina processual moderníssima, que foi capaz de enxergar o equívoco de um procedimento destituído de uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo. A tutela antecipatória constitui instrumento da mais alta importância para a efetividade do processo, não só porque abre oportunidade para a realização urgente dos direitos em casos de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I), mas também porque permite a antecipação da realização dos direitos nos casos de abuso de direito de defesa (art. 273, II) e de parcela incontroversa da demanda (art. 273, § 6º). (MARINONI, 2009, p. 29).

Já à época da instituição das tutelas antecipadas, há mais de 20 anos, a doutrina tinha ciência de que o tempo, ainda que naturalmente necessário ao amadurecimento processual, era capaz de fazer sucumbir qualquer direito. Também como relatou Luiz Guilherme Marinoni:

O mais importante, porém, é que aquele que deseja a tutela antecipatória necessita de algo imediato, e apenas a decisão interlocutória pode produzir efeitos imediatamente; não a sentença, que tem os seus efeitos obstaculizados até eventual decisão que receba o recurso de apelação apenas no efeito devolutivo. Ora, quem conhece a realidade da prática forense sabe muito bem que o tempo que intercorre entre a sentença e a decisão que recebe o recurso de apelação é suficiente para fazer ruir qualquer direito que se pretenda ver imediatamente tutelado. (2009, p. 161/162).

Ainda que apresentadas sob outro título e com outra roupagem, portanto, nada de novo há no conteúdo das tutelas provisórias, outrora cindidas em tutelas antecipadas e tutelas cautelares.

O Novo Código de Processo Civil pode inovar na forma, na nomenclatura, na disposição dos artigos, mas nada de novo trouxe quanto ao conteúdo.

Apresentado o conceito de tutela provisória, ainda que forma bastante rápida, passa-se à análise de suas características mais marcantes.

Sobre o autor
Rodrigo Emiliano Ferreira

Defensor Público do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Emiliano. A tutela provisória e seus traços marcantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5328, 1 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59534. Acesso em: 4 dez. 2024.

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