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LOGÍSTICA REVERSA NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (LEI FEDERAL Nº. 12.305/2010)

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Ao disciplinar a destinação e a disposição final de produtos descartados pelos consumidores, atribuindo o seu retorno aos respectivos fabricantes, a lei deu atenção à problemática verificada no ocaso do ciclo produtivo e à responsabilidade compartilhada.

1. INTRODUÇÃO.

 

A formulação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), assim compreendida com a superveniência da Lei Federal nº 12.305/2010, representou um marco da consciência e preservação ambiental, na medida em que disciplina a destinação e a disposição de produtos descartados pelos consumidores, e atribui o cuidado com seu retorno aos próprios fabricantes, ampliando e deslocando a atenção legal também para o desfecho do ciclo produtivo.

 

Através da Lei Federal nº 12.305/2010, os gestores públicos, empresas e população consumidora passaram a ser considerados corresponsáveis pela efetividade da observância das estratégias e ações estabelecidas para a destinação e disposição ambientalmente adequada de resíduos e rejeitos sólidos.

 

Segundo essa responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, serão responsabilizadas pela geração, direta ou indireta, de resíduos sólidos nas etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a destinação ou disposição final.

 

Entre os novos parâmetros e conceitos trazidos pela norma estão o instituto da logística reversa, enquanto instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial produtivo, para reaproveitamento, em seu próprio ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou ainda dar-lhe outra destinação final ambientalmente adequada.

 

Através dessa nova cadeia de compartilhamento de responsabilidade, passou-se à orientação sobre ações ambientalmente corretas com relação aos procedimentos para efetuar o retorno dos produtos ao ciclo produtivo e permitir o reuso, reaproveitamento e reciclagem, para que os elos da logística reversa se efetivem.

 

Antes disso, a Lei Estadual nº 12.300/2006, de São Paulo, que também trouxe inúmeros conceitos e inovações para o seu tempo, que foram ampliados pela sucessora Lei Nacional, tratou de uma Política Estadual de Resíduos Sólidos, definindo princípios e diretrizes, objetivos, instrumentos para a gestão integrada e compartilhada de resíduos sólidos, com vistas à prevenção e ao controle da poluição, à proteção e à recuperação da qualidade do meio ambiente, e à promoção da saúde pública, procurando assegurar o uso adequado dos recursos ambientais do Estado.

 

Mas a inovação legislativa federal é, ainda assim, merecedora de aplausos, na medida em que promoveu uma verdadeira mudança no paradigma da responsabilidade pelos danos, em potencial, provocados por itens descartados.

 

Tratando-se do principal marco regulatório brasileiro em vigor, verificamos que, por esta Política, o legislador preocupou-se não só em definir instrumentos e metas para a gestão de resíduos, mas também, em mostrar que a mesma nasce marcada pela premissa do desenvolvimento sustentável, uma vez que a norma estabelece proposições bastante entusiasmadas, tais como a extinção dos lixões, o recebimento exclusivo de rejeitos pelos aterros, a garantia da universalização dos serviços, a inserção de catadores de materiais recicláveis nos processos de coleta seletiva e a logística reversa, além do estabelecimento de prioridades na gestão dos resíduos sólidos.[3]

 

Além disso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos reuniu um conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações a serem adotados pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Isso com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos, de modo a integrar a Política Nacional do Meio Ambiente e articular-se com a Política Nacional de Educação Ambiental – regulada pela Lei nº 9.795/1999 –, com a Política Federal de Saneamento Básico.

 

Dentre os meios para a efetivação dessa política pública, a Lei nº 12.305/2010 apresentou a logística reversa, considerando-a como um instrumento de desenvolvimento econômico e social e destinado a sistematizar condições viabilizadoras da coleta e da restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.

 

Visivelmente, pois, a política de resíduos sólidos se mostra vocacionada à realização de relevantes interesses sociais, enquadrando-se como política pública, conforme conceito bem delineado por MARIA PAULA DALLARI BUCCI, por representar um programa de ação governamental, visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas na realização de seus objetivos[4].

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A qualidade ambiental está diretamente ligada à vida das pessoas, que a almejam sempre, enquanto condição sadia de vida, havendo que se encontrar um equilíbrio em meio a ciclos renováveis que possam tornar possível a manutenção da vida digna, especialmente a humana. A poluição, entretanto, é contumaz problema para que uma sadia qualidade ambiental e, pois, de vida, se estabeleça.

 

A poluição por meio de resíduos sólidos é espécie do gênero poluição dos solos, denotando uma degradação da qualidade ambiental, implicada do lançamento de matérias ou energia no solo, em desacordo com os padrões estabelecidos, como bem ensina LUÍS PAULO SIRVINSKAS. [5]

 

Por sua vez, os resíduos sólidos podem ser conceituados como sendo material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.

 


2. PNRS E O DIREITO AMBIENTAL REVIGORADO.

 

O Direito Ambiental busca este equilíbrio, ou justa medida, do meio ambiente, compondo regras proibitivas, permissivas e impositivas de condutas, claramente antropocêntricas. Hoje, ele impõe um efeito modificativo da realidade e dos conceitos da organização sociedade. Não é a toa que, para CRISTIANE DERANI o direito ambiental é elemento de modificação da organização da sociedade atual.[6]

 

Na mesma perspectiva, ensina NORMA SUELI PADILHA que o Direito Ambiental revigorado ou revitalizado deve atuar na reformulação e readaptação de conceitos, institutos e princípios – e, diga-se de passagem, porque não na expansão de seus domínios para tornar ainda mais eficaz a norma, com a ampliação da programática protetiva das políticas públicas ambientais[7].

 

Sob esse matiz, os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos são muito fulgentes, abrangendo desde a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, até a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, com estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços, pela adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas, como forma de minimizar impactos ambientais.

 

Os objetivos da PNRS, por vezes, tomam frentes com naturezas diversas; ora repressivos, como a não geração de resíduos sólidos, ora de fomento ou estimulantes, através de permissivos ao estímulo de padrões sustentáveis, à indústria de reciclagem, na capacitação continuada e na priorização de aquisições e contratações governamentais, dentre outros.

 

Por sua vez, a articulação das diferentes esferas dos poderes públicos entre si e com os setores empresariais para a cooperação técnica e financeira, a capacitação continuada na área de resíduos sólidos, a prioridade nas aquisições e contratações governamentais para produtos reciclados e recicláveis, bens, serviços e obras que considerem critérios e padrões ambientais e sociais sustentáveis também são objetivos importantes e permitem a capilarização das ações e a ampliação do universo de atores envolvidos no processo de implementação da Política Pública.

Enfim, a integração dos trabalhadores com materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações de responsabilidade compartilhada, o estímulo à avaliação dos ciclos de vida dos produtos e da rotulagem ambiental, consumo sustentável e desenvolvimento de sistemas de gestão empresarial que melhorem os processos produtivos e o reaproveitamento, inclusive energético, dos resíduos sólidos são, de fato, objetivos indispensáveis à afirmação da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

 


3. INTEGRAÇÃO NA LIMPEZA PÚBLICA.

 

Convém notar que, se disposição de resíduos sólidos está diretamente relacionada à limpeza pública, sua destinação se apresenta como uma questão de saúde pública, induzindo a competências afetas a governos distintos. Isso porque, conquanto compita à União, Estados e Distrito Federal compete legislar sobre normas de saúde pública, nos termos do inciso XII, do artigo 24, da Carta Política; a limpeza pública cabe aos Municípios, conforme inciso I, do artigo 30, da Constituição, de modo que os entes estatais, em suas diferentes esferas, acabam por necessariamente interagir no processo de gestão de resíduos sólidos, complementando-se mutuamente em suas participações, respeitadas, claro, as respectivas atribuições.

 

Não é à toa que a PNRS fortalece os princípios da gestão integrada e sustentável de resíduos, propondo medidas de incentivo à formação de consórcios públicos para a gestão regionalizada com vistas a ampliar a capacidade de gestão das administrações, por meio de ganhos de escala e redução de custos no caso de compartilhamento de sistemas de coleta, tratamento e destinação de resíduos sólidos. Imaginemos, por exemplo, unidades receptoras regionalizadas, como aterros, ou ainda usinas de tratamento de resíduos cogeridas, o que poderia reduzir significativamente custos e proporcionar uma cobertura por vezes inatingível para pequenas comunidades.

 

Já no aspecto de sustentabilidade socioambiental urbana, a norma engendrou mecanismos de inserção de organizações de catadores nos sistemas municipais de coleta seletiva e possibilitou o fortalecimento das redes de organizações de catadores e a criação de centrais de estocagem e comercialização regionais, o que poderia ser muito bem assistido, verbi gratia, pela sociedade civil organizada, através das entidades que compõe o chamado “Terceiro Setor”, e que podem, inclusive, obrar em rede, nos termos da Lei Federal nº 13.019/2014.

 

Além disso, para ampliar as metas de reciclagem e gerar postos de trabalho na cadeia produtiva da reciclagem e na coleta seletiva para catadores, são possíveis acordos setoriais a serem firmados entre o poder público e o setor empresarial, tendo por finalidade viabilizar a logística reversa e a implantação e universalização da coleta seletiva nos municípios brasileiros. Através de regulamento específico, igualmente poderão ser implantados programas visando à melhoria das condições de trabalho e às oportunidades de inclusão social e econômica dos catadores de materiais recicláveis.

 

Um dos pilares da PNRS é a instituição de um regime de responsabilidade calcado no princípio do poluidor-pagador, a abranger uma gama de obrigações, de conteúdo variável, a diferentes agentes econômicos que participam em maior ou menor medida dos processos de produção e consumo, isto é, a todos os que guardam alguma relação, direta ou indireta, com a geração de resíduos ou participam das operações de gerenciamento ambientalmente adequada deles.

 

Estruturalmente, a PNRS assemelha-se às outras políticas ambientais setoriais carreadas por normas federais, vez que enuncia os objetivos a serem perseguidos, define seu campo de aplicação, e, acima de tudo, fornece os instrumentos disponíveis.

 

No que se refere ao conteúdo, os principais eixos temáticos da PNRS são planejamento público dos resíduos em geral, resíduos da produção e planejamento privado deles, resíduos de consumo a cargo do Poder Público, resíduos de gestão integrada e resíduos perigosos.

 

Em todos eles entram em jogo aspectos relacionados tanto à própria geração de resíduos quanto às atividades de gerenciamento deles. O capítulo II do Título III (artigos 14 a 24) da PNRS trata dos planos de resíduos, públicos e privados. Os primeiros correspondem àqueles cuja elaboração é de incumbência do Poder Público em todas as esferas federativas, sem prejuízo da possibilidade de planos microrregionais, de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e intermunicipais. Esses planos, em apertada síntese, devem conter um diagnóstico da situação dos resíduos em seus respectivos âmbitos e fornecer o instrumentário necessário (metas, medidas, ações, programas etc.) a carrear a gestão integrada deles.

 

O mesmo se dá em relação aos planos privados, embora atinentes aos resíduos gerados no âmbito das atividades produtivas, que são os elencados nas alíneas “d” a “k”, do inciso I, do artigo 13, da Lei, e elaborados pelos responsáveis por tais atividades.

 

Precisamente por se tratar de resíduos da produção, a PNRS determina a integração do planejamento e da gestão desses resíduos ao processo de licenciamento ambiental, conforme teor do artigo 24 da norma federal.

 

No que diz respeito aos resíduos de consumo, segundo artigo 13, inciso I, alíneas “a” a “c”, da PNRS, e aos resíduos de serviços eventualmente equiparados aos domiciliares pelo Poder Público, consoante artigos 13, parágrafo único, e 26, da PNRS, c/c o artigo 7º, da Lei Federal nº 11.445/2007, o gerenciamento ambientalmente adequado é incumbência do Poder Público local, executado a título de serviço público e, portanto, financiado pela arrecadação tributária.

 

A PNRS, ainda, impõe deveres de gestão integrada de resíduos a fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes (setor privado ou geradores indiretos dos resíduos) e aos consumidores (geradores diretos dos resíduos) de determinadas categorias de produtos e embalagens, possibilitando a participação do Poder Público (titulares dos serviços públicos de manejo de resíduos) no cumprimento dessa responsabilidade.

 

Os deveres de gestão integrada compreendem obrigações tanto da cadeia econômica – a exemplo dos deveres de ecodesign, nos termos dos artigos 31, inciso I, e 32, da PNRS e de informação, conforme artigo 31, inciso II, da mesma, atinentes a todos os produtos e embalagens colocados no mercado – quanto ao viés do ciclo produtivo – a exemplo dos deveres de retorno e de destinação final ambientalmente adequada, nos termos dos artigos 31, inciso I, e 33, da PNRS, que é a chamada logística reversa, concernentes aos produtos elencados nos incisos I a VI, e nos dois primeiros parágrafos do artigo 33, da PNRS.

 

Ademais, nos artigos 37 a 41 está disciplinado o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos perigosos, categoria bastante específica e altamente controlada segundo os ditames da PNRS em razão dos riscos que oferecem ao homem e ao ambiente.

 

Sobre os autores
Alexandre Massarana da Costa

Advogado, pós-graduado em direito constitucional e político, com atuação na área do direito público.

Alexandre Dias Maciel

Advogado, mestrando em direitos difusos e coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Agradecimentos especiais ao Mestre Dr. Alexandre Maciel pela diferenciada percepção do direito ambiental.

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