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Os direitos fundamentais das minorias sexuais e de gênero.

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Agenda 08/08/2017 às 15:19

4. A CONSTITUIÇÃO DO NEPAL DE 2015 E O CASO SUNIL BABU PANT

A vigente Constituição da República Federal Democrática do Nepal de 2015 aproxima-se da orientação jurisprudencial fixada pela Suprema Corte nepalesa, cujo acórdão paradigmático a respeito dessa temática adotou em 2007 enfoque mais dilatado, em contraste com as Supremas Cortes da Índia, em National Legal Services Authority v. Union of India and Others, e do Paquistão, em Dr. Muhammad Aslam Khaki & Another v. Senior Superintendant of Police (Operation), Rawalpindi & Others, já que o órgão de cúpula do Poder Judiciário nepalês, apesar da sua ênfase na proteção das pessoas de terceiro gênero, firmou juízo de valor conclusivo, em sua ratio decidendi, em prol, de maneira explícita, do resguardo de todos os grupos LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais[32]), e não apenas da parcela das comunidades transgêneras que desfruta de histórica presença no cenário cultural e religioso do subcontinente indiano (ÍNDIA, 2016d; NEPAL, 2016a, p. 262-286; NEPAL, 2016b; PAQUISTÃO, 2016a; PAQUISTÃO, 2016b; REINO UNIDO, 2016, p. 13-14).

Na esteira desse entendimento pretoriano, a nova Constituição nepalesa, ao situar as minorias sexuais e de gênero no elenco de grupos marginalizados, confere-lhes, em seu art. 42, o direito de participarem de órgãos estatais, à luz do princípio da inclusão, a título de desdobramento do direito à justiça social, e, como corolário do direito à igualdade, veda, em seu art. 18(3), qualquer tentativa de obstar a edição de disposições legais específicas, direcionadas à proteção, ao fortalecimento (“empowerment”) ou ao desenvolvimento daquelas (NEPAL, 2016b).

Em seu art. 12, franqueia àqueles que adquiriram a nacionalidade nepalesa, em razão da ascendência biológica (jus sanguinis), o direito à expedição de certificado de nacionalidade em que conste a identidade de gênero (NEPAL, 2016b).

A gênese dos arts. 12, 18(3) e 42 da Constituição nepalesa de 2015 foi antecedida pelo julgamento, em 21 de dezembro de 2007, pela Suprema Corte do Nepal, do caso Sunil Babu Pant and Others v. Nepal Government and Others, quando, por meio de voto condutor do Justice Balram K. C., a que anuiu o pronunciamento do Justice Pawan Kumar Ojha, estendeu os direitos fundamentais da ordem constitucional à época vigente (então catalogados na Parte III, arts. 12 a 32, da Constituição Interina de 2007) às “pessoas com terceira espécie de identidade de gênero, outra que não masculina ou feminina, e diferente orientação sexual”[33] (grifo nosso), e aos demais componentes do segmento LGBTI, ao acentuar que, sendo todos cidadãos do Nepal e pessoas naturais, devem usufruir, sem prejuízo da própria identidade de gênero, dos direitos estatuídos “pelas leis nacionais, pela Constituição e por instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos[34] (NEPAL, 2016a, p. 262-286, NEPAL, 2016b; NEPAL, 2016c).

Em tal julgado, a Suprema Corte nepalesa concitou a Assembleia Nacional Constituinte a esculpir no elenco explícito de direitos fundamentais da nova Constituição a proibição não só da discriminação sexual, prevista no art. 13(2)(3), 20(1), 34(4) e 142(4) e dos itens 7.1.1 e 7.6.1 do Anexo 4 da Constituição Interina, como também das discriminações quanto à identidade de gênero e à orientação sexual (NEPAL, 2016a, p. 262-286; NEPAL, 2016c).

A despeito da Constituição nepalesa de 2015 estar aquém do proposto pela Suprema Corte do Nepal, por não encerrar cláusula expressa a interditar a discriminação relacionada à orientação sexual, alberga normas (1) que proscrevem, com clareza solar, a discriminação relativamente à identidade de gênero e, por outro lado, (2) que promovem, de forma manifesta, a igualdade de gênero (ainda que o foco seja os direitos das mulheres, e não das minorias sexuais e de gênero em geral, cuida-se de evolução, comparada com a predecessora Constituição Interina de 2007).

De fato, além dos indicados arts. 12, 18(3) e 42, cabe citar, nessa matéria, o preâmbulo, o art. 18(4)(5), o art. 19(1), o art. 38(1), o art. 50(1) e o art. 252(6)(a) da atual Carga Magna nepalesa (NEPAL, 2016b): 

1. O § 5.º do preâmbulo, ao preconizar a proteção e a promoção da solidariedade de cunho social e cultural, da tolerância e da harmonia e da unidade na diversidade, por meio do reconhecimento das características multiétnicas, multireligiosas, multiculturais e da diversidade regional, estabelece o propósito de se construir uma sociedade igualitária, ancorada nos princípios da inclusão proporcional e da participação, com o fim de propiciar igualdade econômica, prosperidade e justiça social, mediante a eliminação da discriminação estribada em classes, castas, regiões, idioma, religião, gênero e nas formas de intocabilidade derivadas do sistema de castas.

2. O art. 18(4) veda a discriminação de gênero no que concerne à remuneração e aos benefícios da seguridade social atinentes àqueles que exercem a mesma atividade laboral, ao passo que o art. 18(5) preceitua a igualdade de gênero dos descendentes, quanto ao direito de propriedade dos bens herdados dos seus ancestrais.

3. O art. 19(1), entre outras vedações, proíbe que os meios de comunicação façam apologia da discriminação de gênero.

4. O art. 38(1) garante às mulheres a isonomia de gênero no tocante ao direito de linhagem.

5. O art. 50(1) encastoa, entre os princípios reitores do Estado, o fomento à igualdade de gênero.

6. O art. 252(6)(a) enumera, entre as qualificações do cargo de Presidente ou membro da Comissão Nacional das Mulheres, haver dado contribuição de destaque, nos dez anos anteriores, aos direitos ou interesses das mulheres, à justiça de gênero, ao desenvolvimento das mulheres ou aos direitos humanos e ao Direito.

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5. CONCLUSÃO

Conquanto o alcance formal das decisões judiciais adotadas pela Suprema Corte da Índia, em National Legal Services Authority v. Union of India and Others, e pela Suprema Corte do Paquistão, em Dr. Muhammad Aslam Khaki & Another v. Senior Superintendant of Police (Operation), Rawalpindi & Others, haja se circunscrito a comunidades transgêneras tradicionais ou históricas do subcontinente indiano, os fundamentos jurídicos de tais provimentos jurisdicionais, sob a perspectiva dos direitos fundamentais, aplicam-se, de forma plena, a todos os grupos cuja vulnerabilidade decorra da sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, raciocínio inspirado no enfoque ampliativo esposado pela Suprema Corte do Nepal em Sunil Babu Pant and Others v. Nepal Government and Others (a contemplar as minorias sexuais em geral) e, de modo menos explícito, ainda assim, significativo, pela Constituição nepalesa de 2015.

Do exame conjunto das orientações jurisprudenciais sedimentadas nas referidas decisões judiciais, pelas Supremas Cortes da Índia, do Paquistão e do Nepal, conjugado, igualmente, com a análise da Constituição do Nepal de 2015 a respeito da matéria, depreendem-se estas conclusões (aplicáveis à contextura brasileira):

(a) A proibição constitucional à discriminação sexual (prevista no art. 3.º, inciso IV, da Constituição brasileira de 1988) importa a interdição não só à discriminação quanto ao sexo biológico, mas também, e, sobretudo, no tocante à identidade de gênero e à orientação sexual.

(b) Como ressonância dos direitos fundamentais à identidade de gênero e à orientação sexual, assiste aos integrantes das minorias sexuais e de gênero (grupos minoritários, sob o ângulo da orientação sexual e da identidade de gênero) a faculdade de se identificarem como homens, mulheres, pessoas do terceiro gênero ou pessoas sem gênero determinado, independente quer de intervenção cirúrgica, quer de congruência do seu psiquismo com os caracteres biológicos de nascimento (genótipo e fenótipo), em atos de cunho público e privado, inclusive em documentos de identificação pessoal, registros, formulários, bancos de dados e cadastros (exempli gratia, passaportes, registros civis de nascimento de pessoas naturais, prontuários médicos e assentamentos funcionais).

(c) À vista da interface entre os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia (em que se agasalham a igualdade jurídica de todos os seres humanos, em direitos e deveres, e a promoção da igualdade de oportunidades), da justiça social, da fraternidade e da solidariedade, a acessibilidade a espaços (estatais e não estatais) abertos ao público deve ser adaptada ao acolhimento de minorias sexuais e de gênero (verbi gratia, usuários de serviços públicos, agentes públicos, trabalhadores em geral, consumidores e fornecedores de serviços e produtos), mormente das pessoas naturais que não se reconhecem como homens tampouco como mulheres ou, por outros motivos, não se enquadram em tais modelos comportamentais binários, conjuntura ilustrada pela necessidade de banheiros privativos para indivíduos transgêneros. 

(d) Com fulcro em tais normas principiológicas, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem distender as políticas públicas de cotas que já adotam (e que venham a adotar) à parcela das minorias que se encontra, em consequência da sua identidade de gênero e/ou orientação sexual, em estado de vulnerabilidade socioeconômica, a qual faz jus a ações do Poder Público de inclusão social nos campos da saúde, da assistência social e da educação, bem como no que se refere ao acesso a oportunidades de trabalho nos setores público e privado, além de atividades estatais preventivas e repressivas de condutas de assédio moral e sexual e de violência de gênero em ambiências públicas e privadas, incluindo-se a intimidade familiar, a seara laboral, as instituições educacionais, as unidades de saúde e a Administração Pública (a exemplo do Sistema Único de Saúde, do Sistema de Segurança Pública, da Administração Penitenciária e das Forças Armadas). A ampliação da igualdade de gênero no Poder Legislativo e em órgãos colegiados de formulação de políticas públicas do Poder Executivo implica a destinação de cotas a representantes não só de mulheres em geral, como também dos grupos de minorias sexuais e de gênero (tais quais, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais).


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Sobre o autor
Hidemberg Alves da Frota

Especialista em Psicanálise e Análise do Contemporâneo (PUCRS).Especialista em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa (UFRGS). Especialista em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana (Instituto NUCAFE/UNIFATECPR). Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário (PUCRS). Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos (Curso CEI/Faculdade CERS). Especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos (PUC Minas). Especialista em Direito Público (Escola Paulista de Direito - EDP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos e Questão Social (PUCPR). Especialista em Psicologia Positiva: Ciência do Bem-Estar e Autorrealização (PUCRS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Especialista em Direito Tributário (PUC Minas). Agente Técnico-Jurídico (carreira jurídica de nível superior do Ministério Público do Estado do Amazonas - MP/AM). Autor da obra “O Princípio Tridimensional da Proporcionalidade no Direito Administrativo” (Rio de Janeiro: GZ, 2009). Participou das obras colegiadas “Derecho Municipal Comparado” (Caracas: Liber, 2009), “Doutrinas Essenciais: Direito Penal” (São Paulo: RT, 2010), “Direito Administrativo: Transformações e Tendências” (São Paulo: Almedina, 2014) e “Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador” (Novo Hamburgo: Proteção, 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Hidemberg Alves. Os direitos fundamentais das minorias sexuais e de gênero.: Análise de viradas paradigmáticas no panorama jurídico da Índia, Paquistão e Nepal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5151, 8 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59630. Acesso em: 22 dez. 2024.

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