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A absolvição sumária na primeira fase do júri

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Agenda 17/08/2017 às 17:23

O presente artigo se propõe a analisar se as alterações feitas pela Lei 11689/2008, que incluiu entre as hipóteses de absolvição sumária a competência para julgar matéria de fato, constituem em inconstitucionalidade.

Resumo: O presente artigo se propõe a analisar se as alterações feitas pela Lei 11689/2008, que incluiu entre as hipóteses de absolvição sumária a competência para julgar matéria de fato, constituem em inconstitucionalidade, haja vista que a Constituição Federal atribuiu tal competência ao Tribunal do Júri. Tal situação acarreta muitas reflexões acerca de eventual afronta à norma constitucional, uma vez que existe a possibilidade do juiz togado analisar questão de mérito - inexistência do fato e negativa de autoria - na primeira fase do procedimento do Júri (iudicim accusationis) em afronta à Constituição, que determina ao Conselho de Sentença a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.

Palavras-chave: Absolvição Sumária. Tribunal do Júri. Constitucionalidade.

Sumário: 1.Introdução. 2. A origem da instituição do Tribunal do Júri. 3. A Constituição de 1988 e o Tribunal do Júri. 4. As fases do Júri. 5. As decisões da primeira fase do Júri. 6. A absolvição sumária. 7. Conclusão. 8. Referências.


1. Introdução

A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVIII, ‘d’, diz que “(...) é reconhecida a instituição do júri”, assegurada a “(...) competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Por sua vez, a Lei 11.689/2008 alterou diversos dispositivos acerca do Tribunal do Júri, ampliando sobremaneira a competência do juiz togado na primeira fase do procedimento (iudicium accusationis).

O presente trabalho possui a finalidade de analisar o instituto do Tribunal do Júri, previsto na Constituição Federal de 1988 e inserido no rol das cláusulas consideradas imutáveis, as chamadas cláusulas pétreas. Possui enfoque principal nos casos de absolvição sumária previstos no art. 415 do Código de Processo Penal, levantando-se a hipótese de uma possível inconstitucionalidade dos dispositivos, diante da incompetência do juiz singular de analisar o mérito dos crimes dolosos contra a vida.

Assim, o que se pretende discutir é se a decisão proferida pelo juiz sumariante é contrária ou não à competência estabelecida na Carta Magna, uma vez que, a partir das alterações trazidas pela Lei 11.689/2008, ele analisa também matéria de fato, o que acabaria por usurpar a competência do Conselho de Sentença.

Para tanto, será apresentado um posicionamento histórico acerca da origem do Tribunal do Júri e como ele foi inserido na Constituição de 1988, com enfoque nos seus princípios e na sua regulamentação no ordenamento jurídico.

Em um segundo momento, discorrer-se-á acerca das fases do procedimento especial do Tribunal do Júri e sobre as decisões proferidas pelo juiz togado na etapa do sumário de culpa: pronúncia, impronúncia, desclassificação da infração penal e absolvição sumária.

Por fim, será feita uma abordagem específica acerca das hipóteses de absolvição sumária, decisão de mérito que coloca fim ao processo julgando improcedente a pretensão punitiva estatal à luz da Constituição Federal de 1988.


2. A origem da instituição do Tribunal do Júri

Não é possível afirmar de modo concreto onde tenha surgido o Júri, mas há fortes indícios que ele tenha surgido no direito inglês.

Ao final do século XIV, na Inglaterra, cujo reinado era de Henrique II, as testemunhas acusadoras foram transformadas em verdadeiros juízes. Era o júri de julgamento, no qual, de acordo com a prova coletada, dizia se o acusado era culpado ou inocente.

Já em meados do século XV, foi instituído o júri especial (special jury), porém, somente tornou-se lei no século XVII. Era composto de jurados que deveriam saber e ter conhecimentos sobre assuntos de alta indagação.

Depois, veio a surgir o Coroner, sendo este o representante da Coroa, cuja competência era reunir as pessoas onde ocorrera o crime, tomando-lhes o juramento de bem servir e com elas proceder a exame super visum corporis. Estas pessoas, em conjunto com os jurados, pronunciavam sobre os óbitos ocorridos atestando a morte dos executados. De acordo com os costumes locais os jurados eram em número de doze.

A instituição do jury tomou todo o continente europeu, com exceção da Holanda e Dinamarca, com o advento da Revolução Francesa.

No sistema francês:

[...] ao ser promulgado o Código de Procedimento Criminal de 1957-1958, embora subsista nele, por conservadorismo ou por descuido, a denominação jury, esse colegiado converteu-se, em realidade, em escambinato, posto que seus membros, em lugar de deliberar à parte e unicamente sobre os fatos, o fazem desde então conjuntamente com os magistrados profissionais, mediante uma fórmula que incorre no erro de permitir também discutir com os juízes juristas dos pontos de direito, supera em muito a do jurado quimicamente puro do derrogado Code d’ instruction criminelle de 1808.(MOSSIN, 1999, p.181-182)

Surgiram assim, dois sistemas: o britânico, pelo qual os jurados decidem de fato e de direito, ante a formulação de um único quesito, se o réu é culpado ou inocente; e o francês, no qual os jurados decidem de fato, ficando a cargo do juiz togado, que o preside, a decisão de direito, conforme o veredicto dos jurados na quesitação a eles formuladas.


3. A Constituição de 1988 e o Tribunal do Júri

Somente as Constituições do Império e a do Estado Novo (1824 e 1934) situam o Tribunal do Júri na parte do “Poder Judiciário”; as outras, como é o caso da nossa atual Constituição de 1988, inserem-no na parte relativa aos direitos e garantias individuais.

A CF/88 elevou o Tribunal do Júri ao status de cláusula pétrea, conforme disposição do art. 60, §4º, limitando o poder derivado de reformar o instituto.

O Tribunal do Júri constitui um direito individual, conforme explica Guilherme de Souza Nucci (2008, p.49-55):

Se os direitos são meramente declaratórios e não dependem de aplicação, pois se concretizam sozinhos; se as garantias são fundamentalmente assecuratórias, tendo por finalidade proteger e afiançar a fruição dos direitos, então se pode concluir que o Tribunal do Júri é, primordialmente uma garantia e, secundariamente, um direito. Para tanto, justifica-se que ‘ se é uma garantia, há um direito que tem por fim assegurar’. Esse direito é, indiretamente, o da liberdade. Da mesma forma que somente se pode prender alguém em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária e que somente se pode impor uma pena privativa de liberdade respeitando-se o devido processo legal, o Estado só pode restringir a liberdade do indivíduo que cometa um crime doloso contra a vida, aplicando-lhe uma sanção restritiva de liberdade, se houve um julgamento pelo Tribunal do Júri. O Júri é o devido processo legal do agente de delito doloso contra a vida, não havendo outro modo de formar a sua culpa. E sem formação de culpa, ninguém será privado de sua liberdade.

Deve se ter em mente que júri é uma garantia individual, primeiramente, mas também e não menos importante, é um direito individual, que constitui cláusula pétrea na Constituição Federal (art. 60, § 4º, IV). Direito este que consiste na possibilidade que possui o cidadão de participar, mais diretamente, dos julgamentos do judiciário.

Assim, a Constituição Federal de 1988 atribui ao Tribunal do Júri os seguintes princípios: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A plenitude de defesa caracteriza-se pela possibilidade da defesa ser feita pelo próprio acusado, não apenas no âmbito jurídico (provas, contraditório, ampla defesa etc), sendo possível a utilização de argumentos de natureza sentimental, política, religiosa e, até mesmo, valer-se da garantia do silêncio, o que não dispensa, no entanto, o acompanhamento da defesa técnica.

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O sigilo das votações, previsto no art. 485 do Código de Processo Penal, tem a finalidade primordial de garantir a segurança do conselho de sentença.

A soberania dos veredictos é baseada pela prevalência absoluta do julgamento feito pelo conselho de sentença, de maneira que nenhum órgão jurisdicional poderá se sobrepor à decisão proferida pelos jurados. No entanto, essa garantia não exclui a possibilidade de interposição de recursos contra as decisões prolatadas pelos jurados.

A competência do Tribunal do Júri está contida no art. 5º, XXXVIII, alínea “d”, da CF/88, competindo-lhe julgar os crimes dolosos contra a vida, sejam tentados ou consumados, bem como, com extensão da competência dos crimes conexos a este, nos termos do art. 78, I, do CPP.


4. As fases do Júri

O rito adotado pelo legislador em relação ao processamento dos crimes dolosos contra a vida e seus conexos é muito específico, possuindo fases distintas.

Guilherme de Souza Nucci aduz que o Júri é divido em três fases. Vejamos:

Após a reforma do capítulo concernente ao júri, torna-se clara a existência de três fases no procedimento. A primeira, denominada de fase de formação de culpa (judicium accusationis), estrutura-se do recebimento da denúncia ou queixa até a pronúncia (ou outra decisão proferida em seu lugar, como a absolvição sumária, a impronúncia ou a desclassificação). A segunda fase, denominada de preparação do processo para julgamento em plenário, tem início após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia e segue até o momento da instalação da sessão em plenário do Tribunal do Júri. A terceira denominada de fase de juízo de mérito (judicium causae), desenvolve-se em plenário, culminando com a sentença condenatória ou absolutória, proferida pelo juiz presidente com base no veredicto dado pelos jurados. (NUCCI, 2011, p.788).

Em síntese, no processo penal do Júri, o sumário de culpa (judicium accusationis) é seu primeiro momento procedimental, assemelhando-se ao rito comum ordinário. Sua delimitação é do oferecimento da denúncia até a decisão, que pode ser de pronúncia, impronúncia, desclassificação e absolvição sumária. A referida fase é da competência do juiz singular togado (juiz de direito ou juiz federal), não havendo, portanto, a participação dos jurados. Tem por objeto a admissibilidade da acusação perante o Tribunal, consistindo em produção de provas acerca da existência de crime doloso contra a vida.

Recebida a exordial acusatória, o acusado será citado para apresentar defesa escrita no prazo de 10 (dez) dias. Em seguida, designar-se-á audiência de instrução e julgamento, ocasião em que serão produzidas

Esta fase deverá ser finalizada no prazo máximo de 90 (noventa) dias e, apresentadas as alegações finais pela acusação e defesa, nesta ordem, o juiz então proferirá uma decisão que, conforme dito acima, poderá ser de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária.

Superada a primeira fase, a segunda se inicia com o trânsito em julgado da sentença de pronúncia proferida pelo magistrado, conforme art. 413, caput, do CPP:

O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou da participação.

Esta fase intermediária, chamada de juízo de preparação do plenário, está inserida entre a formação da culpa e o julgamento do mérito da causa. Aqui, se inserem os requerimentos de provas pelas partes (art. 422 do CPP), o saneamento e elaboração de relatório (art. 423 do CPP) e o preparo do processo (art. 424 do CPP).

O juízo de apreciação do mérito da causa (judicium causae) constitui a última fase do procedimento do júri. Essa fase constitui-se de uma série de atos formais realizados no plenário do Tribunal do Júri, estendendo-se até que seja dado o veredicto pelos jurados, que entenderão pela absolvição do réu, condenação ou desclassificar o crime de competência material do júri para o juízo singular.

Ao juiz-presidente cabe ratificar a decisão dada pelos jurados através da sentença, ocasião em que será analisada a dosimetria da pena, em caso de condenação.


5. As decisões da primeira fase do Júri

O procedimento do júri é especial, pois, nos termos dos artigos 406 ao 497 do Código de Processo Penal, possui um rito próprio, a despeito de estar incluído no título relativo ao procedimento comum que se inicia pelo artigo 394 do citado diploma.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci:

O Código de Processo Penal, após a reforma introduzida pela Lei 11.689/2008, deixou claro ser especial o procedimento do júri. Anteriormente, havia o equívoco de quem o considerava um procedimento comum. (NUCCI, 2010, p. 731).

No procedimento do júri, em regra, é prevista a realização de todos os atos instrutórios em uma única audiência, o que possibilitada o magistrado de indeferir as provas tidas como impertinentes, irrelevantes ou protelatórias, não podendo nenhum ato, a princípio, ser prorrogado.

Na audiência de instrução, primeiramente, são tomadas as declarações da vítima e ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem. Após, se necessário, haverá esclarecimentos de peritos, acareações e reconhecimento de pessoas e coisas. Por fim, proceder-se-á o interrogatório do acusado.

As alegações finais são apresentadas oralmente em audiência, respectivamente, pela acusação e defesa pelo prazo de 20 (vinte) minutos, estendido por mais 10 (dez) minutos. Caso exista mais de um réu, o tempo será individual para cada um deles. Ao assistente de acusação, após a manifestação do Ministério Público, será concedido o prazo de 10 (dez) minutos, prorrogando-se pelo mesmo período o prazo estabelecido para defesa.

Depois de apresentadas as alegações finais, o magistrado proferirá a decisão na audiência ou em 10 (dez) dias por escrito. Caberá a ele tomar uma das quatro providências previstas em sequência no CPP: pronunciar o réu, impronunciá-lo, desclassificar a infração penal ou absolvê-lo o réu sumariamente.

Vejamos, resumidamente, três dessas referidas decisões em que não há adentramento no mérito.

5.1 Pronúncia

A pronúncia é uma decisão interlocutória que julga admissível a acusação, levando o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Constitui uma decisão mista, uma vez que a fase de formação de culpa é finalizada, iniciando-se a fase do plenário, que julgará o mérito da causa.

É proferida quando o juiz se convence da existência da materialidade do fato e de fortes indícios de autoria (art. 413 do CPP).

A pronúncia é a delimitação da matéria a ser submetida ao julgamento em plenário, devendo o juiz se manifestar sobre o tipo de crime cometido, mencionando a capitulação em que o acusado está incurso, além de especificar as circunstâncias qualificadoras ou que justifiquem eventual aumento de pena. No entanto, não tem eficácia de coisa julgada e não vincula o conselho de sentença, que poderá, inclusive, desclassificar o crime para outro não incluído no rol de sua competência.

5.2 Impronúncia

A impronúncia é a decisão interlocutória mista de conteúdo terminativo, uma vez que encerra a primeira fase do processo (judicium accusationis), deixando de inaugurar a segunda fase do júri.

Caso o magistrado não consiga provas da materialidade do crime ou não havendo indícios suficientes que demonstrem a autoria, o réu deverá ser impronunciado. Em outras palavras, julgar-se-á improcedente a denúncia.

Contudo, nesta decisão não se forma coisa julgada material, não há análise de mérito, uma vez que a mesma causa poderá ser novamente discutida em outro processo com o mesmo réu, enquanto não extinta a punibilidade se novas provas vierem a surgir. O juiz não diz que o acusado é inocente, mas que, por ora, não há indícios suficientes de que a questão seja debatida no Tribunal do Júri.

Assim preceitua o parágrafo único do art. 414 do CPP:

Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.

5.3 Desclassificação

Por sua vez, a desclassificação prevista no art. 419 do CPP é uma decisão interlocutória modificadora da competência do juízo, que não adentra no mérito e, tampouco, faz cessar o processo.

O juiz somente desclassificará a infração penal, cuja denúncia foi recebida como delito doloso contra a vida, se a certeza for cristalina quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, § 1º, do CPP.

Registra-se que, mesmo que magistrado do sumário decida pronunciar o réu, levando-o a plenário para julgamento pelo conselho de sentença ainda existe a possibilidade da desclassificação. Isso se dá quando os jurados, em plenário, através de votos, entenderem que o crime em análise não é doloso contra a vida, atestando, assim, a incompetência do Tribunal do Júri para julgamento.


6. A absolvição sumária

“A absolvição sumária é uma decisão de mérito que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado” (NUCCI 2008, p. 803). Trata-se de um julgamento antecipado da lide favorável ao réu.

O art. 415 do Código de Processo Penal prevê as hipóteses em que o legislador poderá absolver sumariamente o acusado, in verbis:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

As situações indicadas pelo legislador processual penal são taxativas, são constitutivas de numerus clausus, não podendo dessa forma, ser estendidas para outras hipóteses.

Observa-se que a alteração da lei, ocorrida em 2008, ampliou as possibilidades em que o juiz pode absolver o acusado, sem que este seja levado a julgamento em plenário. De acordo com Pacelli (2014), o citado artigo agora abrange questões de direito relativas a excludentes de ilicitude ou culpabilidade, bem como questões atinentes à inexistência do fato ou negativa de autoria.

Entende-se por excludentes de ilicitude: a) estado de necessidade (art. 23, I, art. 24, CP); b) legítima defesa (art. 23, II, art. 25, CP); c) exercício regular do direito (art. 23, III, CP); estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, CP).

Por excludentes de culpabilidade: a) erro de proibição (art. 21, CP); b) coação moral irresistível (art. 22, CP); c) obediência hierárquica (art. 22, CP); d) embriaguez acidental (art. 28, §1º, CP). Existe, também, o caso de inimputabilidade (art. 26, caput, CP). Nesta hipótese, no entanto, o magistrado só poderá absolver sumariamente o réu, caso haja pedido expresso da defesa.

Na legislação revogada somente era cabível absolvição sumária nos casos de prova incontroversa de excludentes de ilicitude ou culpabilidade. Hoje, as hipóteses de prova de inexistência do fato, ausência de participação e atipicidade ensejam absolvição sumária (questões de fato e de direito), afetando o direito material de punir do Estado.

Vale aqui ressaltar a diferença entre absolvição sumária e impronúncia:

Na sentença de impronúncia, o juiz declara improcedente a denúncia por inadmissível a acusação. Na sentença de absolvição sumária, porém, o juiz declara a improcedência da denúncia, por ser também improcedente a pretensão punitiva. Ninguém pode ser acusado em plenário, sem que haja prova do crime e suspeita da autoria. Todavia, mesmo provado o crime e a autoria, pode o réu não ser levado ao iudicium causae por força de absolvição sumária. A diferença entre a impronúncia e a absolvição sumária está em que a primeira é simples absolutio ab instantia e a segunda é absolutio ab causa. Com a impronúncia, encerra-se o juízo da formação da culpa e a instância do processo penal condenatório, porque não há lastro para a acusação; na absolvição sumária, encerra-se o processo e a ação penal, porque a pretensão punitiva deduzida na acusação é improcedente. (MARQUES, 1997, p.396)

Na hipótese de impronuncia não há indícios suficientes de autoria e participação no delito. Já na absolvição sumária, há provas de inocência.

De acordo com Edilson Mouenot Bonfim:

Tem a absolvição sumária natureza de sentença. Apreciando o mérito, o juiz que julga improcedente a pretensão punitiva estatal. É válido ressaltar que somente se pode arguir absolvição sumária quando a hipótese que ensejar estiver nitidamente demonstrada, pois impera nesta fase o princípio “in dubio pro societate”. (BONFIM, 2009).

Para efeito de absolvição sumária, a prova terá que ser extreme de dúvida. Tem ela que ser cristalina, absoluta, incontroversa, nítida, clara, de modo irretorquível. Caso haja dúvida, caberá ao juiz singular pronunciar o imputado, em face do princípio do in dúbio pro societate, que predomina essencialmente no processo penal do Júri. Nesse sentido, leciona NUCCI:

Ressaltemos que somente comporta absolvição sumária a situação envolta por qualquer das alternativas e excludentes supra referidas quando nitidamente demonstradas pela prova colhida. Havendo dúvida razoável, torna-se mais indicada a pronúncia, pois o júri é o juízo competente para deliberar sobre o tema. (NUCCI, 2008, p. 95).

Neste momento, não há que se consagrar dúvida em favor do indivíduo. Mas proclama-se a certeza de sua inocência, a ponto de ser dispensada a convocação do povo para seu julgamento.

Esta é a hipótese deferida pela lei ao Juiz de Direito para julgar, verdadeiramente, como ente monocrático. No entanto, deve-se ter cautela para que não se usurpe o julgamento ao Juiz natural. É imperioso que se trate de matéria absolutória indiscutível à luz do conjunto probatório, evidenciada a inocência do denunciado.

Há quem diga que a absolvição sumária, por ser proferida por juiz singular, feriria o princípio da competência constitucional do Tribunal do Júri (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘d’, da CF/88).

Tal alegação voltou a ser ainda mais questionada após a inovação legislativa de 2008, que inseriu aspectos acerca da inexistência do fato e da prova de autoria, que tratam de julgamento de matéria exclusiva de fato na primeira fase do júri.

De fato, o juiz sumariante, ao absolver o réu com base nos casos dos incisos I e II do art. 415 do CPP, faz análise de mérito mediante análise das provas produzidas, restando subtraída a competência do Tribunal do Júri.

Eduardo José Garrido Teixeira (2010) entende no sentido de que pode surgir indagação sobre a inconstitucionalidade do dispositivo, pois retira o julgamento do mérito que é do juiz natural do Júri, imposto pela Constituição.

Tem-se que, a alteração ocorrida em 2008 no Código de Processo Penal ampliou de forma considerável as situações que ensejam absolvição sumária, o que ocasionou suposta afronta ao princípio do juiz natural e a da competência do Conselho de Sentença para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

No que concerne à supremacia da Constituição, leciona Luis Roberto Barroso:

A primeira característica distintiva das normas constitucionais é sua posição no sistema: desfrutam elas de superioridade jurídica em relação às demais normas. A supremacia constitucional é postulado sobre o qual se assenta todo constitucionalismo contemporâneo. Dele decorre que nenhuma lei, nenhum ato normativo, a rigor, nenhum ato jurídico, pode subsistir validamente se for incompatível com a Constituição. (...) a norma constitucional, portanto, é o parâmetro de validade e o vetor interpretativo de todas as normas do sistema jurídico. (BARROSO, 2009, p. 198).

O mestre Guilherme se Souza Nucci (2010, p.747), brilhantemente aborda a questão:

É verdade que cabe ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII,d, CF), embora tenha o legislador ordinário estabelecido um correto e eficaz filtro para as acusações não adequadas a esse perfil.

A possibilidade de o magistrado togado evitar que o processo seja remetido ao Tribunal Popular e por este julgado está de acordo com o espírito da Constituição, visto ser a função dos jurados a anãlise de crimes contra a vida, significando que a inexistência do delito (porque a conduta praticada foi lícita ou inculpável) ou a alteração da tipicidade (passando a infração penal de competência do juiz singular) faz cessar, incontinenti, a competência do júi.

Estando o juiz convencido, com segurança, desde logo, da licitude da conduta do réu ou da falta da culpabilidade, não há razão para determinar que o julgamento seja realizado pelo Tribunal Popular. Não fosse assim e a instrução realizada em juízo seria totalmente despicienda. Se existe, é para ser aproveitada, cabendo, pois, ao magistrado togado aplicar o filtro que falta ao juiz leigo, remetendo ao júri apenas o que for, em função de dúvida intransponível, um crime doloso contra a vida. Aliás, devemos ressaltar que até mesmo a rejeição da denúncia pode ocorrer, desde que o juiz verifique que o fato narrado evidentemente não constitui crime, porque durante o inquérito, ficou demonstrado, com nitidez, a existência de excludente de ilicitude ou de culpabilidade.

Fernando Capez (2016) assevera que a decisão de absolvição sumária se trata de decisão de mérito, que analisa prova e declara a inocência do acusado. Assim, para que não haja ofensa ao princípio da soberania dos veredictos, essa decisão somente poderá ser proferida em caráter excepcional, quando a prova for indiscutível.

Manifestando sobre a constitucionalidade da absolvição sumária no sumário de culpa, explana Nucci:

A possibilidade de o magistrado togado evitar que o processo seja julgado pelo Tribunal popular está de acordo com o espírito da Constituição, visto ser a função dos jurados a análise de crimes contra a vida. Significa que a inexistência de delito faz cessar, incontinenti, a competência do júri. Estando o juiz convencido, com segurança, desde logo, da licitude da conduta do réu, da falta de culpabilidade ou da inexistência do fato ou de prova de autoria, não há razão para determinar que o julgamento seja realizado pelo Tribunal Popular. Não fosse assim, a instrução realizada em juízo seria totalmente despicienda. Se existe, é para ser aproveitada, cabendo, pois, ao magistrado togado aplicar o filtro que falta ao juiz leigo, remetendo ao júri apenas o que for, por dúvida instransponível, um crime doloso contra a vida. (NUCCI, 2011, p. 804).

Assim, tem-se que o instituto da absolvição sumária pode ser utilizado na primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, no entanto, deve haver um convencimento seguro por parte do juiz sumariante, para que, dessa forma, não haja afronta à competência do Conselho de Sentença.

Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto ressaltam o caráter excepcional da decisão de absolvição sumária, que, segundo eles, deve ser proferida apenas nas situações em que não houver nenhuma dúvida sobre as questões, pois, se assim não for, deve ser acolhido o princípio in dubio pro societate no sumário de culpa. De acordo com os autores:

A absolvição sumária se caracteriza pela excepcionalidade importando em exceção ao princípio geral que impõe ao Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, deve ser reservada para os casos em que a excludente de ilicitude (justificativas) ou culpabilidade (dirimentes) restaram absolutamente demonstradas. Caso reste alguma dúvida, ela deve ser resolvida em favor da competência do Júri, de índole constitucional e, portanto, cabe ao juiz a pronúncia do réu. (CUNHA; PINTO, 2009, p. 153).

Neste contexto, vê-se que a decisão proferida pelo juiz singular (sumariante) não é contrária ao que dispõe nossa Lei maior. E ainda: se o juiz absolve o réu, não há delito contra a vida a ser julgado. O que não ocorreria se o juiz pudesse também condenar, porquanto, nessa hipótese, estaria reconhecida a existência de homicídio. Então, sim, estar-se-ia subtraindo do júri o direito de julgar o réu.

Sobre a autora
Ludmila Antunes Resende

Analista em Direito no Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Eleitoral pela PUC/MG, Especialista em Direito Penal e em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli - FISIG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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