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Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência tributária norte-americana e brasileira

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Agenda 11/12/2004 às 00:00

3. A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NA JURISPRUDÊNCIA NORTE-AMERICANA e brasileira

3.1. Distinção entre os princípios

Inicialmente, é importante observar que, no que tange às suas naturezas, proporcionalidade e razoabilidade são princípios. Tanto a razoabilidade quanto a proporcionalidade são requisitos de validade originariamente implícitos nos sistemas jurídicos, atualmente largamente reconhecidos pela comunidade jurídica mundial e consagrados, inclusive, nos ordenamentos positivos de certos países.

Árdua é a tarefa, contudo, de distinguir razoabilidade de proporcionalidade. No mais das vezes, percebe-se que grande parte da doutrina e da jurisprudência emprega os dois termos indistintamente, como sinônimos. Luís Roberto Barroso [58], por exemplo, utiliza os termos como sinônimos.

Willis Santiago Guerra Filho [60] frisa, em sua obra, que são diversos os dois princípios na origem e em sua destinação; para o ilustre professor, enquanto o princípio da razoabilidade teria uma função negativa (não ultrapassar os limites do juridicamente aceitável), o princípio da proporcionalidade seria assinalado por uma função positiva (demarcar aqueles limites, indicando como se manter dentro deles).

Helenilson da Cunha Pontes [61] destaca, contudo, que há pontos de contato entre ambos os princípios, como, por exemplo, sua utilização hermenêutica. Afirma, porém, o ilustre professor, a diversidade conceitual dos princípios em lume. Ainda, segundo Helenilson da Cunha, quatro seriam as diferenças, a saber: a) a decisão que aplica a proporcionalidade exigiria motivação racional de maior dimensão (adequação, conformidade e necessidade); b) a razoabilidade prescindiria da correlação meio-fim, enquanto a aplicação da proporcionalidade consubstanciaria notadamente tal juízo relacional, diferindo ambas, pois, pelo conteúdo; c) distinguir-se-iam ainda pela natureza, sendo a razoabilidade princípio hermenêutico e a proporcionalidade, além disto, princípio jurídico material; e d) suas funções eficaciais seriam distintas, posto que a razoabilidade possui a função de bloqueio, e a proporcionalidade também possui a função de resguardo.

Ricardo Aziz Cretton [62] concorda em parte com as considerações de Helenilson Cunha Pontes. Ricardo Aziz Cretton [63] afirma que as decisões das Cortes norte-americanas deixam evidente o "elevado teor de racionalidade lato sensu que a aplicação da razoabilidade exige" e o "indispensável exame da correlação meios-fins". Assim, para Ricardo Aziz Cretton os dois critérios não servem para estremar um princípio do outro. Segundo o professor Cretton, ambos os princípios confluem rumo ao "superprincípio" da ponderação de valores e bens jurídicos, fundante do próprio Estado de Direito Democrático contemporâneo.

É importante destacar a relevância de ambos os princípios no contexto jurídico. Aliás, vale lembrar, que, apesar de não estarem expressamente previstos na Constituição brasileira, vêm sendo freqüentemente citados pelos Tribunais. É certo, contudo, que os Tribunais não apresentam uma fundamentação adequada, mas, ao menos, se inicia no Brasil uma jurisprudência sobre o tema.

Por todas as considerações expostas até aqui, já é possível afirmar que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade viabilizam a observância do devido processo legal substantivo, permitindo o funcionamento do Estado Democrático de Direito e preservando os Direitos e Garantias Fundamentais.

A distinção entre ambos é importante para evitar a diminuição dos princípios. Para corroborar isto, é importante trazer a contribuição de Germana de Oliveira Moraes [64], que também discorda que tais princípios tenham conteúdo idêntico, in verbis:

"Inexiste sobreposição entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. De toda sorte, embora com matriz histórica diversa e conteúdos distintos, guardam vários pontos de identidade. Por isso, há quem os trate indistintamente como noções fungíveis; há, por outro lado, quem considere o princípio da razoabilidade como uma das vertentes do princípio da proporcionalidade (Eros Roberto Grau); e ainda, por vezes, o princípio da proporcionalidade é visto como uma das expressões do princípio da razoabilidade (Celso Antônio Bandeira de Mello). (...) A idéia de proporcionalidade, em sua tríplice manifestação, coincide com a noção de racionalidade, isto é, com a primeira acepção do princípio da razoabilidade. No entanto, não se confunde com a noção de razoabilidade em sentido estrito. O teste de racionalidade envolve a adoção dos critérios de proporcionalidade – adequação e exigibilidade, enquanto o teste de razoabilidade, relacionado à questão da proporcionalidade em sentido estrito, configura um método de obtenção do equilíbrio entre os interessados em conflito".

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Por fim, é necessário trazer ao debate as considerações de Helenilson da Cunha Pontes [65], pois, seus esclarecimentos são elucidativos quanto à questão da fungibilidade ou não dos princípios ora em estudo, conforme transcrito abaixo:

"Todavia, a proporcionalidade não se esgota na razoabilidade. Em outras palavras, a decisão jurídica que atende aos comandos do princípio da proporcionalidade manifesta razoabilidade, mas não se esgota nela. Com efeito, o ato estatal que atende às exigências do princípio da proporcionalidade apresenta-se razoável e racional, todavia nem sempre um ato razoável (racionalmente aceitável) atende aos deveres impostos pelo princípio constitucional da proporcionalidade.

Portanto, enquanto a razoabilidade exige que as mediadas estatais sejam racionalmente aceitáveis e não arbitrárias, o princípio da proporcionalidade determina que as mesmas, além de preencherem tal requisito, constituam instrumentos de maximização dos comandos constitucionais, mediante a menor limitação possível aos bens juridicamente protegidos".

Não devem restar dúvidas quanto à assertiva do supracitado autor.

3.2. Jurisprudência Tributária Norte-Americana

Para uma melhor compreensão dos desdobramentos atuais dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência tributária norte-americana, serão colacionadas, a seguir, decisões judiciais reproduzidas na obra de Marco Antônio Maselli de Pinheiro Gouvêa [66].

A primeira decisão cuida de lei do Estado da Califórnia que estabelecia, como base de cálculo para o imposto incidente sobre a propriedade imóvel o valor da última transação. Este imposto criava situações dispares para antigos e novos proprietários, já que aqueles pagavam o imposto territorial sobre valores defasados, em detrimento destes últimos, que o pagavam sobre a recente transação. Neste caso a Suprema Corte considerou que o legislador californiano possuía motivos para estabelecer diferenciações entre antigos e novos moradores do Estado. Considerou-se razoável o propósito do Estado de manter a estabilidade das vizinhanças, através de alíquotas que incentivassem a permanência dos antigos moradores em suas residências. Ademais, tal lei levaria em consideração o fato de que os novos proprietários travavam conhecimento direto, no momento da aquisição do imóvel, do imposto que teriam de pagar, com base no valor da operação. Já os proprietários de outrora, cuja permanência na antiga residência não decorria de uma análise recente dos prós e contras (incluindo impostos) de morar naquele local, não deveriam ser surpreendidos com súbitos aumentos de impostos.

A segunda decisão trazida pelo autor, trata de lei do Estado do Arkansas que concedia isenção de imposto interestadual de importação aos comerciantes das cidades limítrofes, separadas de outros Estados por uma única rua. Insurgiram-se contra a referida lei comerciantes de outro município, também oficialmente limítrofe, mas cujo centro urbano era separado do Estado vizinho por alguns quilômetros e um curso d’água. O tribunal do Arkansas considerou legítima a distinção entre as cidades com base na necessidade de "segurança econômica" dos comerciantes estabelecidos nas cidades separadas por uma única rua. Sustentou o Tribunal que praticamente todas as operações destes comerciantes envolveriam a ocorrência do fato gerador, o que tornava sua situação bastante diversa – "muito mais dramática", conforme salientou o Tribunal - daquele dos comerciantes localizados em outros municípios, ainda que fronteiriços, mas sem o mesmo caráter de "cidades compostas".

A última decisão trazida pelo autor decorreu da ação ajuizada por operadores de depósitos de lixo gravados com sobretaxa que agência distrital de monitoramento de lixo pretendia cobrar, especificamente, das pessoas que utilizavam estes depósitos, criando assim uma distinção em prejuízo destes cidadãos. O tribunal levou em conta que as pessoas que depositam seu lixo nos depósitos de lixo situados no distrito acabam por aumentar o volume de lixo nele existente, havendo proporcionalidade em que sejam mais onerados do que as pessoas que não se valem deste serviço.

Nas três decisões acima citadas, verifica-se uma tensão entre o valor igualdade, implícito na XIV Emenda norte-americana, e critérios discriminatórios. Em todas as decisões, os tribunais entenderam que havia motivos que conferiam razoabilidade à decisão dos legisladores, considerando adequados os critérios discriminatórios propostos pelo legislador.

Marco Antônio Maselli de Pinheiro Gouvêa [67] destaca:

"É corrente, nas decisões coligadas, a afirmação de que a legitimidade da classificação depende, fundamentalmente, de dois aspectos:

a)da adequação das leis para com os fins a que o legislador visava, ou seja, de uma análise formal da compatibilidade dos meios com os fins objetivados;

b)da "ausência de caprichos" do legislador ou do administrado, ou seja, da análise substancial dos fins colimados".

3.3. Jurisprudência Tributária Brasileira

Quanto à jurisprudência dos tribunais brasileiros, será colacionada aquela que foi apresentada na obra do professor Ricardo Aziz Cretton [68], conforme se demonstrará a seguir.

O professor Cretton cita como um dos leading cases da aplicação do princípio da razoabilidade em matéria tributária a decisão unânime proferida pelo STF, em 1984, na Representação n.º 1.077, de que resultou a declaração de inconstitucionalidade, dentre outros, de dispositivos da lei fluminense que dispunha sobre a Taxa Judiciária, fazendo-a incidir, com a alíquota de dois por cento, sobre o valor do pedido, sem qualquer teto ou limitação. O professor Cretton destaca que o voto do Ministro Relator Moreira Alves alude expressamente ao critério da equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, e o aresto invoca ainda, como fundamento decisório, o princípio constitucional de livre acesso ao Judiciário.

Ricardo Aziz ressalta, ainda, que os mesmos fundamentos da decisão supracitada – desarrazoabilidade quantitativa da taxa e conseqüente onerosidade excessiva no acesso à Justiça – levaram o STF a declarar a inconstitucionalidade, no mérito, de dispositivos de lei goiana, relativa à Taxa Judiciária e a suspender liminarmente a eficácia de dispositivos de leis atinentes à Taxa Judiciária e/ou Custas Judiciais dos Estados da Paraíba, de Minas Gerais e do Amazonas.

Por fim, o professor Ricardo Aziz Cretton traz várias decisões que, de modo geral, asseveram que a gradação das sanções pecuniárias, em especial as multas, necessita ser razoável, proporcional à infração, limitada, não excessiva nem confiscatória.

Denise Lucena Cavalcante [69] traz decisão lembrada por Gilmar Ferreira Mendes ao comentar sobre a proporcionalidade (ou razoabilidade, pois ele considera sinônimos) na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, considera que a decisão do Ministro Orozimbo Nonato, no RE 18.331, ainda de 1953 seria a primeira referência jurisprudencial do significado da proporcionalidade, in verbis:

"O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do "détournement de pouvoir".


4.conlusão

Quanto às origens e à evolução histórica dos princípios em comento, não devem restar dúvidas de que o princípio da proporcionalidade teve sua origem e desenvolvimento sob o influxo da jurisprudência da Corte Constitucional alemã, a partir da Lei Fundamental de 1949. Sendo certo, contudo, que a idéia de proporcionalidade dos atos estatais já existia desde a Magna Charta inglesa (1215) e do Bill of Rights (1689).

É certo afirmar, ainda, que o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade na jurisprudência alemã ocasionou a proliferação de estudos em toda a Europa, possibilitando que outros países construíssem uma doutrina e jurisprudência sobre o princípio em questão.

O princípio da razoabilidade, por sua vez, também, tem origem na Magna Charta inglesa e no Bill of Rights norte-americano, mas foi a Suprema Corte norte-americana, no Século XX, que desenvolveu uma jurisprudência mais consistente sobre o princípio da razoabilidade, no âmbito da aplicação substantiva do devido processo legal.

Quanto aos fundamentos dos princípios em debate, no ordenamento jurídico brasileiro, é salutar destacar que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não se encontram positivados. A falta de expressa menção, no texto constitucional, contudo, não lhes retira a característica de serem princípios reguladores dos conflitos entre os demais princípios e garantias fundamentais.

Quanto à concepção atual dos princípios em estudo, é importante observar que a doutrina brasileira vem lecionando que o princípio da proporcionalidade tem um conteúdo que se reparte em três subprincípios, a saber: a) princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou "máxima do sopesamento"; b) princípio da adequação e c) princípio da exigibilidade ou máxima do meio mais suave. Já o princípio da razoabilidade se divide em razoabilidade interna e externa da norma, conforme demonstrado no presente trabalho. Sendo certo, contudo, que a aferição da razoabilidade interna da norma deve necessariamente anteceder a externa.

De todo o exposto, se faz necessário concluir que tanto a proporcionalidade quanto a razoabilidade são princípios jurídicos que, atualmente, encontram espeque nos mais variados sistemas jurídicos. É importante ressaltar que tanto os sistemas derivados da família da common law quanto os decorrentes da família romano-germânica, apresentam, de certa forma, ambos os princípios.

Quanto à distinção entre os dois princípios, é relevante notar que, embora exista controvérsia entre os doutrinadores, não devem restar dúvidas de que os princípios são distintos em suas origens, fundamentos e concepções, conforme demonstrado no presente estudo.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a aplicação do princípio da razoabilidade encontra amparo na derivação do princípio do devido processo legal, inscrito nas V e XIV Emendas.

No Brasil, por outro lado, a aplicação do princípio da proporcionalidade pelos Tribunais, ainda, não demonstra uma fundamentação mais vigorosa, mas, é certo que, nos últimos cinco anos, muitas são as decisões judiciais que citam, em seus dispositivos, indicações sobre a necessária observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade nas questões decorrentes de conflitos entre princípios e/ou garantias fundamentais.

Na seara tributária, a colisão de princípio é muito freqüente, sendo comum à discussão em torno de princípios relevantes como a propriedade e a prevalência do interesse público, por isso, torna-se indispensável à correta compreensão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para dirimir as chamadas "grandes questões" ou hard cases.

Por fim, é importante destacar que ambos os princípios serão utilizados, cada vez mais, na fundamentação de decisões que busquem a resolução de casos concretos complexos, isto porque, conforme demonstras a jurisprudência colacionada, os tribunais norte-americanos e brasileiros vêm exarando decisões importantíssimas para o deslinde das questões que envolvem os conflitos de princípios e garantias fundamentais.

Quanto aos julgados trazidos à baila, nota-se nas decisões das cortes norte-americanas que os julgadores fundamentam suas decisões, principalmente, no princípio da razoabilidade, no âmbito da igualdade de direitos, enquanto os tribunais brasileiros utilizam como sustentáculo de suas decisões o princípio da razoabilidade e/ou proporcionalidade, no âmbito da aplicação do princípio do não-confisco. Tais decisões demonstram, cabalmente, que ainda há muito para se desenvolver na pesquisa do verdadeiro sentido dos princípios em questão.

Sobre o autor
Leonardo Ribeiro Pessoa

advogado no Rio de Janeiro (RJ), professor de Direito Empresarial e Tributário, mestre em Direito Empresarial e Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência tributária norte-americana e brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 522, 11 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5989. Acesso em: 23 dez. 2024.

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