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O trabalho intermitente

Agenda 27/08/2017 às 14:10

O trabalho intermitente é uma das inovações da reforma trabalhista de 2017. Mas, ao invés de pacificar conflitos, trouxe consigo uma série de lacunas jurídicas que ocasionam insegurança jurídica para todos os envolvidos na relação de trabalho.

A lei 13.467, de 13 de julho de 2017, inseriu diversas alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na legislação trabalhista em geral. Algumas alterações serviram apenas para atualizar a legislação com práticas usuais e corriqueiras adotadas pelos Tribunais Trabalhistas, pelas empresas e pelo mercado.

Mas, o texto normativo apresentou diversas criações e novos conceitos que irão modificar substancialmente o mundo do trabalho e as relações laborais. Os paradigmas consolidados ao longo dos quase 75 anos de CLT sofrerão significativa mudança.

Neste texto, abordaremos um dos pontos sensíveis da reforma trabalhista de 2017, com vigência após 11 de novembro de 2017, que é o trabalho intermitente, apresentado no art. 443 do novo texto da CLT.

Prevê o art. 443 da CLT que o contrato de trabalho poderá ser celebrado por prazo indeterminado ou determinado, até aqui sem novidades. Porém, o referido artigo apresentou uma novidade que permitiu a contratação do trabalhador de forma intermitente.

O Conceito de trabalho intermitente apresentado pela lei é:

Art. 443 da CLT, § 3o : “Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.”  

O conceito legal para trabalho intermitente  apresentou a ideia de que o contrato de trabalho (gerado pelo vinculo de emprego e com as incidências das regras da CLT) poderá ocorrer de forma alternada, ou seja, o trabalhador poderá se ativar em um período e permanecer sem atividade em outro período. Sendo que os períodos de intermitência serão fixados por horas, dias ou meses.

Qualquer profissão ou atividade econômica poderá adotar o trabalho na forma intermitente, exceto os aeronautas. Inclusive o trabalho intermitente poderá ser conjugado com o trabalho por prazo indeterminado ou determinado, ou melhor, o contrato poderá ser indeterminado-intermitente ou determinado-intermitente.

O conceito é moderno e implica em diversas reflexões e modificações na estrutura da prestação de serviços.

O texto normativo da CLT sobre o trabalho intermitente possui como regras as seguintes:

“Art. 452-A.  O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. 

§ 1o  O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. 

§ 2o  Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. 

§ 3o  A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.  

§ 4o  Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.  

§ 5o  O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.  

§ 6o  Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: 

I - remuneração; 

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;  

III - décimo terceiro salário proporcional; 

IV - repouso semanal remunerado; e 

V - adicionais legais. 

§ 7o  O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo. 

§ 8o  O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. 

§ 9o  A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”  

Para contratar um trabalhador como intermitente é necessário que o regime seja próprio, ou melhor, que conste na CTPS o regime de trabalho intermitente, além de indeterminado ou determinado,  e ainda que o contrato de trabalho preveja em detalhes os pontos omissos da lei, como se passa a expor a seguir.             

Os conceitos legais aproximam o trabalhador intermitente ao trabalhador avulso, ou seja, aquele que, por intermédio de um Órgão Gestor de Mão de Obra ou Sindicato, prestava serviços e só recebia pelos serviços prestados e, ao final dos serviços, de forma imediata. Porém, a significativa distinção é que neste (contato intermitente) não há um terceiro gerindo o contrato do trabalhador a relação é direta entre ele operário e empresa.

Pela ótica da empresa- empregador, esta forma de contratação será um mecanismo que reduz custos, aumenta a lucratividade, pois em momentos de baixa produção o trabalhador poderá ter seu contrato de trabalho com jornada e salários reduzidos permitindo assim, ajuste operacional, e quando de produção excessiva o trabalhador, já treinado e efetivo da empresa que estava com o contrato paralisado ou em menor “ritmo” de produção, votará a trabalhar e até a fazer horas extras.

                Porém, pelo prisma do trabalhador, há diversas incógnitas sobre esta forma de trabalho, vamos a elas:

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a)      De quanto em quanto tempo os valores devem ser pago no caso do trabalho perdurar mais que 30 dias? A remuneração será mensal, semanal, diária ou por horas?

b)      há previsão legal de limites para a permanência do trabalhador e de seu contrato em “intermitência”, ou seja, quanto tempo trabalhador poderá permanecer com o contrato paralisado (quantas horas, dias ou meses)?

c)       Quantas paralizações ou adoções desta forma poderão ocorrer e por qual interregno de tempo ao longo do contrato de trabalho (por prazo indeterminado ou determinado)?

d)      O contrato de experiência e temporário poderão ser conjugados com esta forma de  intermitência?

e)      Existirá pelo trabalhador o direito a uma remuneração mínima mensal, já que o texto de lie assegura apenas o mesmo valor da hora (mínima) a todos os trabalhadores?

f)       Poderá haver horas extras além das horas mínimas de prestação de serviços mensais quando a intermitência ultrapassar o período contratado?

g)      Seria mais vantajoso ser contratado como trabalhador por tempo parcial e fazer horas extras, para ter assegurado um salário fixo ou esperar a intermitência dos serviços e da produção para vislumbrar possível redução na remuneração?

h)      Os encargos fiscais e previdenciários serão assegurados em algum valor mínimo enquanto durar a intermitência? E os pagamentos/recolhimentos ocorrerão quando se houver a fragmentação dos períodos de intermitência?

i)        Os valores de benefícios e direitos como DSR, férias com 1/3, 13º salário, FGTS, aviso prévio, seguros, adicionais serão pagos, recalculados e devidos durante a intermitência e o pagamento será imediato na proporcionalidade de horas, dias ou meses? Poderá haver acumulo destes e o pagamento após determinado período?

j)        Muda a forma de contagem de prazo pra fins previdenciários e assim, para a aposentadoria do trabalhador?

k)      Haverá enfraquecimento da economia e da renda dos trabalhadores?

l)        A recusa do trabalhador em retornar a atividade intermitente da empresa de forma imediata implicará em pedido de demissão ou ruptura do contato de trabalho na forma intermitente? E os direitos trabalhistas dele durante o período e na rescisão serão pagos com base em quais critérios?

m)    Por quanto tempo poderá existir este contrato de trabalho intermitente? Por toda a vida do trabalhador?

n)      As férias, prevista no § 9º, do art. 452-A da CLT, serão pagas e devidas independente do trabalho efetivamente prestado? Ou devem ser um trabalho intermitente ininterrupto e continuo pra fazer jus a elas?

o)      A intermitência poderá ocorrer em quaisquer ambientes de trabalho e para quaisquer grupos de trabalhadores?

Admite-se a recusa na prestação dos serviços pelo trabalhador ou ruptura por justo motivo para a prestação dos serviços por intermitência. Não há a previsão de “multa” do FGTS e, por menos, aviso prévio. O que há é uma multa a ser aplicada à parte contrária que violar o pacto de intermitência, multa esta no valor de 50% sobre o valor que seria devido.

Considerando as regras e princípios protetivos trabalhista, sobretudo, que nenhuma norma poderá ser prejudicial ao trabalhador e que as alterações só poderão ser celebradas por escrito e mediante concordância do obreiro (art. 10 e 468 da CLT), o primeiro entendimento é que apenas novos contratos poderão ser celebrados nesta modalidade de intermitente, não se aplicando a legislação de forma automática aos contratos vigentes, exceto por alterações e por mutuo acordo escrito e sem prejuízos ao trabalhador.

Estas são apenas algumas incógnitas e reflexos preliminares sobre esta modalidade de trabalho. Mas é certo que a lacuna legislativa permitirá com que as empresas e os trabalhadores se posicionem sobre o tema.

Mas, um ponto é incontroverso: devido ao enfraquecimento dos sindicatos e as limitações para que o TST edite Sumulas sobre temas trabalhistas, a partir de novembro de 2017, a jurisprudência passará por turbulências e haverá  momento de insegurança jurídica pelas empresas e pelos trabalhadores.

Como mencionado, a solução mais adequada para o uso do trabalho intermitente, em um primeiro momento, será regular e instituir o regime por meio do contrato de trabalho do reclamante e, assim, permitir com que as partes conheçam as regras e a forma com que o trabalho será prestado, além de retornar o uso do regulamento da empresa para respeitar o direito mínimo e a igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa.

Sobre o autor
Aarão Ghidoni do Prado Miranda

Advogado sócio do escritório Miranda advogados, professor de cursos de graduação e pós-graduação, especialista e mestre em direito. Autor de diversos artigos e livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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