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Hermenêutica afirmativa e horizontes ontológicos da discriminação positiva.

Re-pensando o conceito das ações afirmativas

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4. PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Costuma-se dizer que a igualdade de todos perante a lei é princípio fundante do Direito. Isto é um bom exemplo de um dogma jurídico, acolhido irrefletidamente tanto pela comunidade científica como pelos operadores da ciência jurídica. Posto desta forma a assertiva realmente parece evidente. Mas será mesmo a igualdade fundamento [11] do Direito? Entendemos que não. Por duas razões: em primeiro lugar porque o argumento não passa de uma falácia, assentada sobre bases exclusivamente formais e, em segundo lugar, porque presta um enorme desserviço à sua causa verdadeira, consoante adiante se tentará demonstrar.

Um dos confessados objetivos do presente trabalho é o desenvolvimento da tese de que a igualdade não é princípio fundamente do Direito, mas seu fim e assim deve ser considerada. Na verdade, somos todos desiguais e a tarefa-fim do Direito é tornar esta desigualdade cada vez menor ou, quando isto não for possível, reconhecer as diferenças e respeitar a pluralidade.

Dito isto, é necessário que se percorra o árduo caminho pelo qual já passaram os estudiosos das ações afirmativas. Cuida-se agora de considerar os princípios da legalidade e da isonomia, à luz do objeto de nosso estudo.

4.1. LEGALIDADE E ISONOMIA

O tema central da discussão sobre a legitimação da discriminação positiva pode ser resumido como uma heróica tentativa de demonstração do óbvio, ou seja, de que os seres humanos são diferentes uns dos outros e que, portanto, assim devem ser considerados pelo Direito que, se não for capaz de reconhecer esta pluralidade, acaba pondo-se à serviço dos interesses de uma classe dominante e apartando-se de sua primária característica de poderoso instrumento de transformação social.

Tanto o princípio da legalidade quanto o da isonomia nasceram efetivamente com a modernidade. Esta, de seu turno, eclodiu afirmando a necessidade do espírito crítico, através da liberdade de pensamento e da racionalidade, contra o autoritarismo das monarquias absolutistas da Idade Média e da Igreja Católica. A idéia do domínio da razão foi momento fundamental e necessário para que o homem tomasse de volta sua própria vida, indevidamente solapada no contexto autoritário citado. A razão, portanto, foi o primeiro valor universal da modernidade. A afirmação deste valor, entretanto, significou concretamente a atribuição às ciências - e em primeiro lugar a ciência econômica - do papel orientador da atividade humana. Pressuposto de validade deste sistema seria a suposição de que a razão se mantivesse neutra e apartada das relações de poder, panorama que mais tarde não se confirmaria. Girardi alerta para este importante pressuposto: "esta autoridad que se les atribuye supone que lãs ciencias son objetivas y neutrales y non están vinculadas a las relaciones de poder" (2002: 133). Como conseqüência da vinculação do discurso racional aos interesses da classe detentora do poder econômico restou a constatação de que aos tecnocratas, isto é, aqueles detentores da autoridade conferida pelo cientificismo, foi conferida a orientação da vida das pessoas [12]. O projeto desta tecnocracia, que se estendeu aos mais variados campos do saber, pretendeu se legitimar através do Direito.

Ocorre que, para que pudesse ser recepcionado pelo mundo jurídico, era necessário que este discurso se justificasse, conforme exposto acima, em termos de liberdade consensual e de bem comum. Mas isto, ao menos em princípio, se revelou impossível. O cientificismo da modernidade jamais foi capaz de cumprir sua promessa originária, de superação de todas as dificuldades do homem pela evolução da ciência [13]. O discurso, portanto, encontra-se em profunda crise de legitimação. A racionalidade-objetiva da ciência é questionada em termos de possibilidades e até mesmo de legitimidade. Antigos postulados da ciência são colocados em dúvida ou vivamente criticados. A ciência hoje duvida de tudo, inclusive de si mesma. Não tem mais certezas. Suas leis mais rigorosas significam apenas alta probabilidade de ocorrência (Souto, 1997:27) [14].

O refúgio das formas é a última trincheira do pensamento da modernidade. Como alguns fenômenos não podem ser explicados em seu conteúdo substancial, que pressupõe a idéia de certeza científica, a ciência moderna cultua um exasperado apego à forma, aos métodos e, por isso mesmo, cria seus próprios dogmas a partir da observância de rituais formais legitimadores, numa tentativa angustiante e desesperada de não perecer.

O Direito absorveu o refúgio das formas e, exatamente por isto, está longe de promover transformações sociais capazes de redundar na igualdade de oportunidades para todos. Na verdade, inobstante a clássica formulação de que "todos são iguais perante a lei", o que se observa é a ampliação das gritantes desigualdades. Disto resulta que a igualdade proclamada é puramente formal. O exemplo do Brasil é eloqüente. A Constituição Federal de 1988, ao criar o Estado Democrático de Direito, garantiu o acesso das pessoas a uma gama grande de direitos sociais. Esta garantia, entretanto, por ser apenas formal, jamais se efetivou de fato. Ao contrário, o que se vê é que o "Estado interveio na economia para concentrar riquezas e o Direito foi utilizado para sustentar esta ‘missão’, gerando uma enorme dívida social a ser resgatada" (Streck,1997:428).

A fórmula do Estado Democrático de Direito destina-se justamente para "instrumentalizar o Direito como campo privilegiado na concretização dos direitos sociais mediante o deslocamento do foco da decisão do Poder Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário. E, levando-se em conta que a maioria dos direitos sociais previstos na Constituição não se realizaram, é possível afirmar que a dogmática jurídica tem servido como obstáculo para a efetivação/realização desses direitos" (Streck, 1997:428).

Isto ocorre porque, consoante afirmado, a dogmática jurídica tem suas raízes assentadas no medievo. Poucas pessoas têm compreendido o Direito como instrumento de transformação social, fato que acaba convertendo-o em obstáculo às mudanças necessárias. Ao negar-se em assumir seu verdadeiro papel, o Poder Judiciário acaba aumentando consideravelmente a dívida social para com os excluídos, ao argumento de que ela deva ser saldada no plano político e não jurídico. A assertiva só seria verdadeira, entretanto, se não houvesse a previsão formal de direitos cuja implementação, exatamente em razão desta previsão, haveria de ser garantida pelo Judiciário. Do contrário estes direitos simplesmente não existem.

Pelo que se vê, portanto, o discurso da modernidade somente pode se legitimar pelo Direito no caso de explícita despreocupação com o conteúdo substancial das garantias individuais. O jurídico, considerado em sua natureza substancial [15], deveria mostrar-se absolutamente refratário ao discurso neo-liberal, propulsor de opressão e marginalização das pessoas excluídas do contexto mercadológico.

Na realidade, quem conferiu as armas para a recepção do discurso neo-liberal no campo do Direito foi o positivismo jurídico. A ciência jurídica passou a ser considerada como um mero conjunto de normas ajustáveis ao caso concreto a partir de um processo de silogismo lógico (cf. Alflen da Silva, 2003: 370). O enunciado formal da igualdade de todos perante a lei serviu de justificação deste discurso que, em verdade, ostentava uma crônica dificuldade de legitimação no que se refere a uma axiologia substancial.

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O princípio da igualdade, portanto, só encontra agasalho no Direito dentro de uma perspectiva puramente formal, completamente ajustada ao discurso racional-tecnocrata da modernidade, já que, substancialmente, as pessoas são diferentes entre si. Mutatis mutandi, diante de uma perspectiva substancial do Direito o discurso técnico-jurídico da modernidade – e seu postulado fundamental da igualdade de todos perante a lei - não se sustentaria em cotejo com a liberdade consensual e a afirmação do bem comum.

A racionalidade-objetivante exprimida pela norma legal da maneira pela qual é vista pelo positivismo jurídico (bem como os dogmas dela decorrentes, dentre os quais o da igualdade formal) ainda persiste como última instância legitimadora do pensamento científico-jurídico. Enquanto a ciência da matemática pura estabelece conceitos de relatividade em sistemas complexos, a ciência-jurídica ainda permanece exprimindo a inerrância da lei. Enquanto a física quântica abre-se para formas cada vez mais sutis e indetermináveis de energia, o Direito continua refratário à subjetividade. Enquanto o mundo se volta para a substância, nossa ciência se entrincheira na forma. Tudo em nome da afirmação de um modelo de sustentação de precedentes, epistemologicamente fundado em assertivas autoritárias-dogmáticas.

A igualdade jurídica, portanto, não é princípio fundante do Direito, mas seu horizonte desejável de efetivação. Conseqüência desta visão é o restabelecimento da possibilidade do fenômeno jurídico converter-se em instrumento de redução das desigualdades e catalisador de transformações sociais. Sua razão teleológica reside na implementação de possibilidades para que os diversos tipos de pessoas existentes no Estado vivam em harmonia e paz. O Direito, considerado sob a perspectiva formal apenas, deixa de assumir este papel transformador e passa a servir de trincheira para a manutenção de odiosos privilégios, legitimando terríveis desigualdades. Neste diapasão ele distancia-se de seu princípio fundante, que é a asseguração do bem da comunidade. Evidentemente que nenhuma hermenêutica pode legitimar-se senão promovendo o resgate da originária feição.

E nem se diga que a igualdade formal de todos se dá em nome do estabelecimento da necessidade de segurança jurídica. " Que insegurança maior pode haver do que a clamorosa injustiça, formalizada em lei e, ademais, sem meio de impugnação, depois de se tornar a formalização como intocável fonte de segurança e, portanto, de justiça?" (Lyra, 1948:14).

A liberdade individual informa o consenso e este é fundamento da lei. Evidentemente que é pressuposto do exercício da liberdade o interesse da pessoa em se inserir em um sistema onde seja vista em sua individualidade, respeitada em suas diferenças e com as possibilidades de progresso existencial potencializadas pela inequívoca consciência de que o comando normativo ao qual se sujeita deriva de um consenso e aspira o bem comum.

Na realidade não se verificou a viabilidade de um sistema assentado na afirmação da necessidade de estabelecimento de "um campo neutro onde as virtudes e possibilidades do indivíduo poderiam se desenvolver livremente" (Barbosa,2002:02). O que se vê é a urgência da ampliação do espaço público como forma de diminuir as desigualdades sociais.

"A concepção de uma igualdade puramente formal, assente no princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não era por si só, capaz de tornar acessíveis a quem era socialmente desfavorecidos, as oportunidades que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados" (Barbosa,2002:03).

Os estudos atuais sobre o princípio da discriminação positiva, entretanto, partem do pressuposto de que a igualdade é fundamento do Direito. Salientam os autores que ela deve ser buscada substancialmente, e não reconhecida apenas formalmente. A mudança deste paradigma poderá promover, consoante adiante se tentará demonstrar, um alargamento das possibilidades de discriminações positivas. Para que isto ocorra é necessária a realização de uma ontologia hermenêutica fundamental dirigida para a superação dos formalismos e orientada pela busca da essência do fenômeno jurídico.

4.2. CRÍTICA AO CAPITALISMO

A grande maioria dos autores concorda que o sistema capitalista e a ideologia liberal que o inspira são os grandes responsáveis pelo cenário de opressão e marginalização social existente hodiernamente, do qual emana a necessidade de medidas de discriminação positiva.

Adorno ( 1999 ) critica o modo de produção capitalista e notadamente a técnica que, segundo ele, provoca a homogeneização do sistema social. Para ele, a técnica passa a exercer "intenso poder sobre a sociedade" devido ao fato de que as condições de sua utilização são determinadas pelos detentores do poder econômico e tem o não confessado propósito de servir aos seus interesses. A pretensão de domínio do tecnificismo, entretanto, não tem natureza absoluta, ainda que procure mostrar-se como tal.

Referido autor, outrossim, alude à pulverização da individualidade no sistema capitalista, ocorrida a partir do que ele denominou de "indústria cultural", que não é uma cultura que surge espontaneamente das massas, mas, ao contrário, "aspira a integração vertical de seus consumidores", determinando o próprio consumo e causando imensa desigualdade. Os detentores do poder econômico no mundo capitalista se "interessam pelos homens apenas enquanto consumidores e empregados" e, com isto, acabam reduzindo a humanidade tanto no seu conjunto quanto em seus elementos, às condições que representam estes interesses. É "portador da ideologia dominante", um discurso que visa a padronização comportamental e a não inclusão social.

É paradoxal a estrutura do capitalismo. A base ideológica está estruturada sobre o individualismo. Ocorre que é exatamente este individualismo que justifica a exploração, o lucro a qualquer custo, os modelos de sucesso do sistema, a exclusão social e a falta de solidariedade. Na verdade, a ideologia inspiradora opera com dois grupos bem delineados (divisão esta muito bem assinalada por Marx): de um lado os proprietários dos meios de produção, os quais são reconhecidos em sua individualidade e, de outro, os detentores da força de trabalho, massificados pelo sistema para que possam servir aos interesses do primeiro grupo. Com isto cria-se uma enorme exclusão social.

As leis que emergem deste contexto tecnocrata representam em regra a ideologia da classe dominante. Com efeito, cada vez mais são editados textos normativos que se afastam de suas feições originárias. Quase não se vê nos dias de hoje a efetivação de regras que permitam a potencialização das possibilidades existenciais do indivíduo, que acaba convertido em mero instrumento de realização dos objetivos do poder econômico. Leis garantindo direitos individuais, entretanto, são promulgadas, mas poucas conseguem se efetivar diante da visão absolutamente formalista dos operadores do Direito. Pode-se dizer, assim, que o grande obstáculo à concreção de benefícios sociais é justamente a dogmática jurídica, completamente ajustada à ideologia dos detentores do capital.

Para Adorno, a ideologia capitalista falsifica as relações entre os homens e vale-se de uma visão extremamente formalista do Direito para conferir-lhe legitimação. O resultado, para ele, é um "anti-iluminismo", já que o iluminismo nasceu com a finalidade de libertar os homens de seus medos, mas acabou se vendo diante de um novo engodo: "o progresso da dominação técnica" (1999:8). Este discurso pelo progresso tornou-se instrumento utilizado pela indústria cultural para "conter o desenvolvimento da consciência das massas e impedir a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente". Por fim, a industria cultural do capitalismo cria condições "cada vez mais favoráveis para a implementação de seu comércio fraudulento, no qual os consumidores são continuamente enganados em relação ao que lhes é prometido, mas não cumprido" (1999:9). Tudo sob o olhar passivo de uma dogmática jurídica que insiste em não se reconhecer como poderoso instrumento de transformação social. Neste sentido, a proposta que cumpre fazer é de uma hermenêutica de libertação fundada em bases de discriminação positiva. Parece ser esta a única maneira de assegurar aos excluídos uma participação efetiva no sistema social.

O sistema cria estereótipos de sucesso cada vez mais concentrados na possibilidade de acesso aos bens de consumo. Toda a axiologia fica reduzida à possibilidade de adequação ao modelo. Valores edificados durante longos séculos simplesmente deixam de ter relevo de um momento para o outro, na medida que outros modelos vão sendo construídos aos borbotões, todos ajustados unicamente à perspectiva de lucro dos detentores do poder econômico.

A alteração substancial dos vetores valorativos produz uma necessidade de acesso aos bens de consumo cada vez maior, pois somente desta forma o indivíduo pode ajustar-se ao modelo. Com isto, as demandas aumentam drasticamente e, assim, aparecem os excluídos, vale dizer, as pessoas que não conseguiram moldar-se ao estereótipo de sucesso criado pelo sistema. Certamente esta é a gênese da exclusão econômica.

O sistema é perverso. Ele próprio, ao estabelecer o modelo de sucesso, cria necessidades ao consumidor, que "deve contentar-se com o que lhe é oferecido" (Adorno, 1999:10). O homem passa a ser um mero objeto do sistema e, desta forma, instaura-se a dominação ideológica, que é perversamente não inclusiva. O "universo social, além de configurar-se como um universo de coisas, constitui um espaço hermeticamente fechado onde as tentativas de libertação estariam fadados ao fracasso" (Adorno,1999:10).

A situação não é de aporia, contudo. As pessoas, mesmo alienadas, podem tomar nas mãos seus próprios destinos. Quem fornece as pistas para esta reconstrução é Hannah Arendth. Referida pensadora também promove uma crítica da sociedade moderna a partir do que ela denomina de "perda do mundo", desencadeada pela modernidade e que conduz à eliminação da esfera pública e diluição da distinção entre o público e o privado. Entretanto, o que de mais relevante se extrai de seu pensamento é um permanente convite à ação, à luta. E este convite, no campo do Direito, funda-se na utilização da hermenêutica como arma para uma verdadeira compreensão das possibilidades existenciais do jurídico.

Arendt (apud Moraes e Bignoto, 2003:230) denuncia a incorporação da natureza à lógica do funcionamento da mente humana, transformando-se num processo. É como se, do ponto de vista do homem, o processo de fabricação fosse mais importante que o produto acabado, como se "o método fosse mais importante que qualquer fim singular". Ela aponta na direção da necessidade de valorização do homem e isto se dá quando ocorre uma superação do método pela essência, da forma para o conteúdo. Parece ser exatamente isto o que ocorre no mundo jurídico. As pessoas não parecem comprometidas com o resultado de seu trabalho, mas sim com o emprego das técnicas e métodos necessários ao desempenho de suas funções. Não se preocupam com a essência, mas com o método. Não se preocupam com o conteúdo, mas com a forma. Esta situação precisa urgentemente mudar porque, do contrário, de nada adianta a edição de normas garantidoras de direitos aos marginalizados do sistema.

No que se refere às medidas de antidiscriminação, não convém esquecer que "o tipo de sociedade vigente vem organizada na expoliação violenta da mais-valia do trabalho e na exclusão de grande parte da população" ( Boff, 2004:30). Assim, muitas propostas que visam de alguma maneira atenuar os efeitos do capitalismo e do neo-liberalismo trazem o germe da discriminação positiva e podem se concretizar dentro deste cenário, ainda que para isto tenham que superar a visão da comunidade jurídica sobre o assunto e, fundamentalmente, sobre si mesma.

Tome-se como exemplo o investimento feito num determinado local em educação pública de qualidade. Enquanto medida geral e abstrata, visando a melhoria dos indicadores regionais, não pode ser considerada antidiscriminatória. Entretanto, a partir do momento que uma pessoa de baixa renda tenha acesso ao programa, ele acaba se convertendo numa medida de discriminação afirmativa. A condição existencial da criança de baixa renda foi considerada pela medida, que lhe proporcionou condições de desviar-se da inexorabilidade do destino que haveria certamente de suportar caso não lograsse obter um ensino de qualidade.

Esta superação, no mundo jurídico, pode planificar-se de diferentes modos e em diferentes ocasiões. De qualquer maneira, insiste-se, ela só se revelará possível pela hermenêutica. É através dela que o Direito pode se superar como último refúgio das formas para adquirir o status de principal instrumento de transformação social. E é também através dela que os atores sociais podem realmente compreender o sistema e repudiá-lo vigorosamente naquilo que lhes seja prejudicial. Mas este assunto merece ser desenvolvido com mais vagar.

Sobre os autores
Luiz Alexandre Cruz Ferreira

professor da Unicastelo, mestrando em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (SP)

Alexandre Mendes Crus Ferreira

bacharelando em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Luiz Alexandre Cruz; FERREIRA, Alexandre Mendes Crus. Hermenêutica afirmativa e horizontes ontológicos da discriminação positiva.: Re-pensando o conceito das ações afirmativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 528, 17 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6054. Acesso em: 19 mai. 2024.

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