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O equivocado sistema educacional brasileiro

Agenda 20/09/2017 às 09:00

Só faz sentido investir no aperfeiçoamento do ensino médio ou superior quando o ensino básico estiver dotado do mínimo.

O nosso sistema educacional caminha para um rumo nada promissor, com tendência para acentuar cada vez mais a inversão do processo de educação que deveria obedecer a uma escala piramidal.

Há dois anos escrevemos um artigo a respeito desse tema que eu denominava de sistema educacional invertido e pervertido.

Iniciei aquele texto com um comentário feito por um colega da Academia Paulista de Letras Jurídicas que expressava o seu desânimo ante o eloquente discurso proferido pelo Diretor de uma tradicional Faculdade de Direito que manifestava a sua alegria, e ao mesmo tempo, esperança no futuro daquela instituição de ensino, calcada nos “jovens doutores” que vinham engrossando a fileira dos doutorados. Pois bem, aquele acadêmico não se conteve ante o pomposo e grandiloquente discurso do dirigente daquela Faculdade e disparou:

“A postura do Diretor é tão simpática quanto equivocada, derivando a sua sesquipedal ignorância, pois ele não tem a menor noção do que seja ‘cultura’ e do que é ‘educação’, ignorando ademais o vernáculo.”.

Realmente, reina uma enorme confusão entre o ensino e a educação. A educação envolve sem dúvida alguma o ensinamento, mas, pressupõe sobretudo aprendizagem. E aprendizagem, por sua vez, não pode prescindir da cultura que, em apertada síntese, envolve as mais diversas áreas do conhecimento humano, como a filosofia, a religião, as artes, a moral, a história, a geografia, as habilidades manuais, os esportes etc. Educação envolve também e  necessariamente a formação cívica e moral do aluno, tal como previsto no Decreto-lei nº 869 de 12-9-1969 que introduziu nos três níveis de ensino a cadeira de Educação Moral e Cívica, hoje ignorada apesar de vigente o referido instrumento normativo.

Igualmente, a educação não pode  estar divorciada da saúde que mantém uma conexão direta com ela, segundo os ensinamentos que decorrem do brocardo latino: mens sana in corpore sano.

Antigamente, o ensino e a educação constituíam uma unidade indissociável sob a orientação e supervisão do Ministério da Educação, Cultura, Saúde e Esporte. Atualmente, não há mais essa unidade de orientação educacional com o desmembramento deste importante Ministério em vários outros, compondo os atuais 37 unidades ministeriais considerando-se as Secretarias com o status de Ministério, por razões puramente políticas totalmente divorciadas do princípio da razoabilidade e da própria  racionalidade.

Não há interação entre esses infindáveis Ministérios, ao contrário, há ações conflitantes e confrontantes. Exemplo: enquanto o Ministério da Fazenda aumenta tributos para equilibrar as finanças públicas, o do Planejamento propõe e obtêm exonerações fiscais de toda sorte, inclusive por Medidas Provisórias; atualmente, algumas delas  sob investigação policial pela operação Lava Jato. Resulta disso um sacrifício inutilmente imposto aos contribuintes em geral, onerados com carga tributária estupidamente exacerbada, mas que em nada contribui para equilibrar as finanças públicas, muito menos para alcançar a finalidade última da compulsória e crescente transferência da parcela ponderável das  riquezas do setor privado.  Isso não acontecia na época em que o Ministério da Fazenda, Economia e Planejamento era dirigido por um só Ministro. Na área da educação vem ocorrendo os mesmos conflitos.

O Ministério da Cultura, quando integrado no Ministério da Educação, não estava patrocinando caríssimos shows internacionais a que não tem acesso a grande maioria da população brasileira, nem eventos culturais discutíveis do ponto de vista educacional.

Os fabulosos recursos que a Constituição Federal destina ao setor educacional (18% da arrecadação da União e o mínimo de 20% dos impostos estaduais e municipais), quando não desviados, vêm sendo mal empregados.

A sua maior parte vem sendo direcionada para o ensino superior, no qual vigora até o  critério de acesso às universidades públicas por fatores de ordem racial e o nível de pobreza, confundindo o papel do Ministério da Educação com as atribuições cabentes a outros Ministérios como, por exemplo, Ministério da Igualdade Racial e o Ministério de Assistência Social, dentre outros voltados para a inclusão social. Nas universidades só devem ingressar os que demonstraram aptidão por meio de uma prova seletiva. Colocar todos os pretendentes ao nível superior em condições competitivas isonômicas não é tarefa que diz respeito ao Ministério da Educação. Buscar isonomia por meio de prêmios lotéricos não é a solução. A sociedade deve se desenvolver aos poucos por processos naturais até atingir o progresso da nação. Não há como pular as etapas naturais.

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Outrossim, o programa denominado Fundo de Financiamento Estudantil – FIES – desperdiça anualmente mais de 20 bilhões, financiando quase metade dos estudantes das faculdades privadas, notadamente faculdades de Direito que abrem periodicamente inúmeras agências ou filiais por conta desses recursos provenientes do erário, despejando anualmente milhares de bacharéis que carregam consigo os miasmas tenebrosos da pior das endemias: o desconhecimento dos rudimentos da língua materna. Dessas “fábricas de diplomas” resultam  os denominados analfabetos funcionais [1],  que, somados aos egressos do ensino fundamental e do ensino médio, chegam a 68% dos estudantes diplomados.

Por que tudo isso está acontecendo? Porque o ensino fundamental, que  é essencial, como o próprio nome indica, foi deixado à deriva, a começar pela a ridícula humilhante política remuneratória dos professores, traçada pelos governantes municipais e estaduais, respectivamente, para o ensino fundamental  e o ensino médio. Conferir diplomas por ordem cronológica de ingresso dos alunos nas escolas, sem terem apreendido os ensinamentos ministrados somente para habilitá-los ao ingresso do curso superior por critério retro apontados, em nada contribuirá para o sadio desenvolvimento do Sistema Educacional Brasileiro.

E aqui é oportuno reproduzir as palavras de Arthur Conan Doyle:

“Nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco.”.

É preciso investir no ensino fundamental, a primeira corrente do Sistema Educacional. A última minirreforma educacional limitou-se a alterar o ensino médio; não se sabe se para melhor ou para o pior.

O ensino fundamental de 1º grau continua sem professores preparados para a difícil tarefa educacional. Os verdadeiros heróis do Sistema Educacional são os professores do ensino fundamental, notadamente, aqueles voltados para ministrar o bê-á-bá, um trabalho cansativo e desgastante destinado a preparar o cidadão do futuro a serviço do País.

O relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – divulgou recentemente dados que confirmaram as afirmações que fizemos [2]. Analisados os Sistemas Educacionais de 35 países, entre desenvolvidos e em desenvolvimento, foram revelados os seguintes dados estatísticos considerando os Exercícios de 2014 e 2015:

a) os gastos com a educação no Brasil atingiu 4,9% do PIB contra a média de 5,2% dos demais países;

b) os gastos com ensino superior no Brasil foram de U$ 11,7 mil por ano, aproximando-se da Itália (U$ 11, 550); Eslovênia (U$ 12, 330) e Espanha (U$ 12, 440). A média entre os países filiados a OCDE foi de U$ 16, 143 anuais por aluno;

c) em relação ao ensino fundamental o gasto médio no Brasil foi de U$ 3.800 anual, representando menos da metade da média desembolsada pelos demais países da OCDE, que foi de U$ 8.700 anuais por aluno no mesmo biênio 2014/2015;

d) dos países filiados à OCDE, o que mais investiu no ensino fundamental foi Luxemburgo com a média anual U$ 21,1 mil por aluno. Na América Latina apenas 3 países ficaram abaixo do Brasil: Argentina gastou U$ 3.400; o México U$ 2.900 e a Colômbia U$ 1.500 [3].

Os resultados das pesquisas da OCDE revelam que o Brasil gasta com o ensino superior três vezes mais do que gasta com o ensino fundamental e o ensino médio.

Por isso, afirmamos que o Sistema Educacional Brasileiro está invertido e pervertido. Em vez de investir-se na base, está sendo investido mais no topo da pirâmide, onde deveriam estar apenas e tão somente os mais aptos a aprender e colocar os seus conhecimentos adquiridos à custa do Estado a serviço do fortalecimento da inteligência nacional. Um Exército em que há mais generais nomeados por critérios não técnicos do que soldados regularmente incorporados, certamente não cumpriria o seu papel de defensor da pátria.

Não é por acaso que, Brasil afora, com exceção das grandes metrópoles, nos deparamos com o ensino fundamental sem “o mínimo do mínimo” indispensável: carteiras escolares, mesas, lousas, giz, luz elétrica, água encanada, sanitários etc. Isso sem falar em prédios sem telhados, janelas e portas, destruídos pela ação do tempo ou por fenômenos da natureza, e sem recursos públicos para as reformas necessárias. Em  muitas localidades, as professoras lecionam ao relento, debaixo de uma copa de árvore. E mais, não há logística em termos de transporte; regiões existem onde os alunos têm que caminhar até 40 km intercalando diversos modais de transporte; a cavalo, em carroças e em caminhões (pau de arara) até chegar ao local denominado escola.

Fui professor de ensino superior por longos anos e posso afirmar, parodiando Roberto Campos, que estamos vivenciando uma época em que grande parte dos alunos finge estudar e uma parcela ponderável dos docentes finge ensinar, e finalmente, os intelectuais fingem que estão pensando [4].

No exercício de nossa profissão de advogado, cada vez mais difícil e tormentoso, constatamos isso quase que diariamente com muita tristeza: algumas das peças de natureza jurídica deixam a impressão de que não podem ser frutos de um raciocínio normal.

É claro que em Direito nada é absoluto, nem há uma única verdade, porém, certo ou errado, o trabalho jurídico resultante há de derivar de um raciocínio lógico, não se podendo produzir um ser amorfo ou teratológico com aqueles lembrados pela mitologia grega. Por isso, lamentavelmente, a nossa profissão transformou-se em uma verdadeira atividade de alto risco, pela imprevisibilidade do resultado de um trabalho, às vezes, laborioso, cansativo e esmerado.

Tudo isso decorre desse absurdo Sistema Educacional invertido que todos conhecem, mas ninguém se dispõe a colocar nos devidos trilhos, por conta de interesses políticos inconfessáveis.

Resta-nos a esperança de que um dia as pessoas retomem o caminho da ética que orienta todas as nossas ações positivas voltadas para os reais interesses da nação, rompendo o egoísmo e o individualismo sem limites arraigados de há muito tempo no seio de nossa sociedade.


Notas

[1] Aqueles que sabem ler e escrever, mas não sabem processar o que leram ou escreveram.

[2] Fonte: O Estado de São Paulo, de 15-9-2017, p. A3.

[3] Esses valores devem ser confrontados com os PIBs dos países respectivos para adequar as comparações.

[4] Resta-nos a grande satisfação de ver, passados tantos anos, que alguns de nossos ex alunos estão despontando como profissionais brilhantes nas diversas carreiras jurídicas: Advocacia, Magistratura, Ministério Público, Delegados de Polícia, Advogados Públicos nas três esferas políticas etc.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. O equivocado sistema educacional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5194, 20 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60628. Acesso em: 24 nov. 2024.

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