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O trabalho infantil artístico no Brasil contemporâneo.

As autorizações judiciais para o trabalho frente o princípio da proteção integral

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Resumo: A presente pesquisa busca investigar as consequências do trabalho infantil no Brasil, bem como analisar a legalidade para expedição de autorizações judiciais e suas condições para o trabalho infantil artístico frente ao princípio da proteção integral. Os objetivos específicos foram: refletir sobre o trabalho infantil no Brasil e suas consequências educacionais, psicológicas e físicas; apresentar os princípios voltados ao direito de crianças e adolescentes previstos na legislação brasileira, bem como a Teoria da Proteção Integral; elucidar as principais normativas de proteção nacional e internacional à crianças e adolescentes; e confrontar a possibilidade de autorizações judiciais para o trabalho infantil artístico com o princípio da proteção integral. O método de abordagem é o dedutivo utilizando-se de pesquisa bibliográfica. Verificou-se com a pesquisa que a expedição de alvarás de autorizações judiciais para o trabalho infantil artístico como meio de exploração econômica fere o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os ditames da Teoria da Proteção Integral, e que se faz necessário reavaliar a aplicação destas concessões para o trabalho infantil, tendo em vista as consequências que dela advêm.

Palavras-chave: Trabalho Infantil Artístico. Criança e adolescente. Proteção Integral. Autorização Judicial.


1. INTRODUÇÃO

Para começar a pesquisa, iniciou-se com as seguintes questões: Qual a definição de criança e adolescente? O que a legislação nacional e internacional compreende a respeito da necessidade de salvaguardar a infância e a juventude? Quais as consequências educacionais, físicas e psicológicas podem advir do trabalho infanto-juvenil? O que é a Teoria da Proteção Integral? O que são as autorizações judiciais para o trabalho infantil e qual a relação existente com o princípio da proteção integral e da dignidade da pessoa humana?

Estas são as indagações que se pretende responder neste trabalho, com base em autores da temática criança e adolescente e erradicação do trabalho infantil, bem como em dados estatísticos reconhecidos e confiáveis, que traduz parte da realidade do trabalho infantil no Brasil, vez que muitas realidades são veladas.

O trabalho infantil no Brasil ultrapassa os três milhões de crianças e adolescentes e este indicador mostra que é necessário expandir as formas de reduzir, quiçá, eliminar este número do cenário nacional, sendo o Estado, a família e a sociedade corresponsáveis por este trabalho, fazendo a sua parte, seja denunciando, coibindo, criando e efetivando políticas públicas voltadas não só à erradicação, mas também à diminuição da pobreza, uma das causas que leva ao trabalho infantil, com a devida distribuição de renda.

As consequências do trabalho infantil são inúmeras, acarretando déficit no desenvolvimento da criança e do adolescente, fazendo com que se perca o sentido lúdico de ser criança, transformando-as em mini adultos, com responsabilidades, pesos e obrigações.

Um dos trabalhos infantis que é discutido é o artístico, o trabalho que muitas vezes é visto como não trabalho, como atividade artística. Está é a visão majoritária da sociedade, contudo este trabalho e exposição é considerado trabalho infantil, com as mesmas consequências de qualquer outro trabalho infantil.

Por fim, se apresenta a impossibilidade de expedição de autorizações judiciais para o trabalho infantil artístico em contraponto com o princípio da proteção integral e da dignidade da pessoa humana. Será que estas autorizações judiciais visam salvaguardar o interesse da criança e do adolescente ou é uma possibilidade inconstitucional que está posta para elevar os números do trabalho infantil e suas consequências, muitas vezes irreparáveis?


2. TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

O trabalho infantil é toda atividade de cunho econômico ou não, desenvolvida por crianças ou adolescentes que não possuem a idade mínima para o trabalho aferida pela Constituição Federal de 1988. De acordo com a Constituição Federal, o trabalho é permitido para maiores de 16 anos, desde que não seja perigoso, insalubre ou penoso e aos maiores de 14 anos na condição de aprendiz.

Esta limitação de idade não está posta simples e puramente porque definiu-se assim, mas baseou-se em questões mais profundas advindas da CF/88 que trouxe com ela novos preceitos para a definição de criança e adolescente em formação e desenvolvimento, devendo ter ampla proteção.

O direito da criança e do adolescente é um sistema orientado pelo princípio do interesse superior da criança, princípio que decorre do reconhecimento da condição peculiar da criança como pessoa em processo de desenvolvimento, por isso todos os atos interligados ao atendimento das necessidades da criação e do adolescente devem levar em consideração o critério do melhor interesse a elas (CUSTÓDIO, 2009, p. 33-34).

O referido princípio está diretamente relacionado com o princípio da prioridade absoluta, contido no art. 227 da CF e no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente que atribuem à família, a sociedade e ao Estado o dever de assegurar, com prioridade, os direitos fundamentais às crianças e adolescentes, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CUSTÓDIO, 2009, p. 35).

As crianças e adolescentes encontram-se em processo especial de desenvolvimento e o trabalho precoce acarreta consequências que afetam diretamente seu desenvolvimento psicológico e físico, quando sujeitas a trabalhos que estão além das suas possibilidades estruturais, anulando a infância e comprometendo a fase adulta (VERONESE; CUSTÓDIO; 2007, p. 105-106).

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A não satisfação das necessidades da infância e adolescência provoca o amadurecimento precoce, alterando o equilíbrio psicológico da pessoa quando adulta. As responsabilidades advindas do trabalho ocasionam a perda da característica do lúdico presente na infância, sendo aspecto primordial para o desenvolvimento saudável desta fase, que está diretamente ligada ao brincar (VERONESE; CUSTÓDIO; 2007, p. 110-111). Crianças que bloqueiam seus impulsos naturais passam a se auto reconhecerem como um trabalhador, um ser adulto, confundindo sua identidade, que está abafada pelas regras da atividade laboral (VERONESE; CUSTÓDIO; 2007, p. 111). Neste mesmo viés compreende Reis (2015, p. 94), quando afirma que “brincar é de fundamental importância para o desenvolvimento social e cognitivo”.

Outro aspecto que se deve olhar é a trajetória de trabalho dos pais. Este é um fator que pode determinar a história dos filhos, conforme enfatizam Gomes e Silva (2011, p. 10), compreendendo que a partir da historicidade de vida dos pais, percebem repetição de certas condições, tais como a inserção precoce dos filhos no mercado de trabalho e o nível de escolaridade da criança com a de seus responsáveis. Tal inserção precoce ocorre geralmente em atividades informais e de baixo valor, que serve para a garantia da sobrevivência da família.

O trabalho infantil é outro fator cuja consequência aparece na ausência da educação ou em sua limitação. A criança muitas vezes é privada de ir à escola e mesmo sobrando-lhe tempo para isso, o cansaço ou a fadiga não lhe permitem que se mantenha acordada, o que resulta no não aproveitamento dos conteúdos ministrados, comprometimento das tarefas e exercícios, faltas, atrasos, podendo culminar em repetências e evasão escolar (GOMES; SILVA, 2011, p. 11).

Destaca-se ainda a fase de crescimento e com sua estrutura física não desenvolvida totalmente, a criança está mais exposta a riscos presentes no ambiente de trabalho, podendo sofrer acidentes e atrair problemas de saúde no futuro (GOMES; SILVA, 2011, p. 12).

Desta forma, percebe-se que há uma gama de consequências atreladas ao trabalho infantil e que muitas vezes não são pensadas e analisadas a longo prazo. Passa-nos despercebidos, ao vermos um ator mirim atuar em uma novela ou programa, o que ocorre nos bastidores, nas horas exaustivas de gravações, no tempo escasso destinado a educação e lazer, na responsabilidade de decorar um texto, e apenas pensamos na atuação da criança e na possível sorte que teve em começar a vida artística desde tão pequena. Achamos “fofo” ver uma criança na televisão. Nos é invisível que aquela atuação constitui trabalho e acarreta em consequências para o desenvolvimento normal daquela criança.

O trabalho artístico requer dedicação, treinamento, e seu esforço não é visto por quem vê o produto final e, o trabalho artístico infanto-juvenil requer ainda mais esforço, uma vez que quem o realiza é mais frágil, (MACEDO; ACIOLE, 2017, p. 9).

Para Macedo e Aciole (2017, p. 8), constitui violação aos direitos humanos de crianças e adolescentes a exploração do trabalho infantil. Por serem detentoras de direitos, por serem humanas, têm dignidade e desta forma são sujeitos de direitos, e por sua condição de criança e adolescente exigem especial proteção e prioridade absoluta.

Albuquerque (2003, p. 30) repudia o trabalho infantil por ser “ofensivo ao desenvolvimento da criança, que nesta fase de vida, necessita de atividades relacionadas à educação, ao lazer, ao desenvolvimento como pessoa portadora de direitos, não como membro da sociedade produtiva do Estado”.

Para Reis (2015, p. 84) em razão do glamour que de certa maneira está associado ao trabalho na indústria do entretenimento, não se verifica ou se reflete sobre as consequências desse trabalho, qual seja, amadurecimento precoce, desgaste físico, déficits educacionais e prejuízos sociais e familiares. A autora enfatiza que “a glamourização desse trabalho, a perspectiva do sucesso e da fama midiáticos e as expectativas dos pais e responsáveis contribuem significativamente para a continuidade dessa prática” (REIS, 2015, p. 86).

De fato, sabe-se que “salta aos olhos” a perspectiva da família pelo trabalho artístico do filho, que pode vir a ser famoso e “ajudar” a família, que por vezes é pobre. É uma expectativa de mudança de vida e os pais se veem nesse universo de possibilidades. Não compreendem que essa perspectiva, pode não vir a ser real, causando-lhes frustação e ainda mais aos filhos, que embarcaram na euforia dos pais.

Reis (2015, p. 86), destaca as falsas premissas que defendem o trabalho infantil artístico, como se vê:

O apelo comercial, com a utilização de crianças e adolescentes protagonizando a venda de inúmeros produtos ou serviços; o deslumbramento dos pais ao verem seus filhos na televisão; a concepção de que a atividade nos meios de comunicação é lúdica; a falsa ideia de que ao trabalhar em novelas, seriados e afins a criança ou adolescente leva ao aprendizado e que, com isso, no futuro, se tornarão artistas consagrados, são algumas das (falsas) premissas que sustentam e defendem o trabalho infantil nos meios de comunicação.

Vê-se a falsa ideia que a atividade nos meios de comunicação é lúdica e assim voltada para crianças e que a leva ao aprendizado. Não se pode negar que a aprendizagem se dá em todos os espaços, contudo a localização em que a criança está inserida não é compatível com as necessidades que são comuns a elas. Crianças devem ocupar seus espaços como crianças, e desta maneira estarão inseridas em atividades lúdicas e de aprendizagem condizentes com a sua idade.

Conforme Reis (2015, p. 94) “na grande maioria das vezes, os referencias de uma criança em situação de trabalho são muito semelhantes ao dos adultos”. Isso significa que as crianças na condição de trabalhadora se assemelha a um adulto, distorcendo a sua auto identidade, vendo-se como adulta. Isso cria uma confusão na criança, que no seu íntimo quer ser criança, contudo tem obrigações de um adulto e se vê nesta condição aquém de sua intenção.

Para as crianças que se encontram famosas, onde já conquistaram o público, também existe uma consequência grave envolvendo todo o assédio dos “fãs”. As crianças são colocadas a uma posição incompatível com suas idades e com seu desenvolvimento psicológico, sendo privadas de aparecer em público, brincar livremente nos parques e conviver com outras crianças, haja vista o alcance da fama, deixando de vivenciar adequadamente a infância, fundamental para sua formação (REIS, 2015, p. 93).

Além disso, a aparência física passa a ser uma preocupação acentuada imposta pelo trabalho artístico, trazendo possíveis consequências relacionadas à alimentação das crianças, segundo Reis (2015, p. 93).

Assim, as consequências são inúmeras, desde a questão envolvendo o próprio desenvolvimento da criança até questões relativas ao assédio de fãs e atrapalho psicológico. Mesmo que se tenha inúmeras condições previstas nas autorizações judiciais para o trabalho infantil artístico, não se dá conta de prevenir todas as possíveis sequelas fruto do trabalho precoce.

O número do trabalho infantil no Brasil embora venha decaindo é preocupante. Mesmo que se fale muito a respeito do assunto e se tenha diversos estudos sobre o tema, o trabalho infantil brasileiro é uma realidade que necessita de atenção por parte da sociedade, família e Estado.

O cenário da infância, de acordo com os dados obtidos no site observatório da criança e do adolescente, é de 2.593.366 crianças e adolescentes, entre 10 e 17 anos, que estão na ocupação de empregados, trabalhadores domésticos, empregadores, conta própria, trabalhadores na construção para o próprio uso, trabalhadores na produção para o próprio consumo, não remunerados e sem declaração em 2015 (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2015b).

A pesquisa aponta que crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão ocupadas, ou seja, trabalham, totalizando 2.671.893 em 2015. Sendo que o número de crianças que trabalham de 5 a 9 anos é de 78.527 e de 10 a 14 anos é de 560.416 (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2015a).

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015 o trabalho infantil caiu em 20%, levando em consideração a crise econômica que dificultou o acesso de crianças e adolescentes ao trabalho infantil. A pesquisa demonstra que reduziu em 659 mil de crianças e adolescentes trabalhando entre 5 e 17 anos na passagem entre 2014-2015. Sendo que o recuo maior foi na faixa etária entre 10 e 13 anos que passou a ter 333 mil crianças trabalhando. A maior parte do trabalho infantil está associado à situação de fragilidade econômica da família e é por isso que as políticas públicas de transferência de renda são fundamentais na erradicação à exploração do trabalho infantil no Brasil. Ainda, segundo os dados da PNAD, a região sul do Brasil é a que concentra um número maior de crianças e adolescentes trabalhando e muitos dos casos estão centrados no estado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. (CARNEIRO; ALMEIDA; GULLINO, 2016).

Segundo o censo do IBGE/2010, o número de crianças que trabalhavam e estudavam ou não é significativo. Entre a faixa etária de 10-13 anos, 639.616 frequentavam as aulas e 70.522 não frequentavam. Na faixa etária entre 14-15 anos, 766.563 frequentavam e 121.867 não frequentavam. E na faixa etária entre 16 e 17 anos, 1.281.985 frequentavam e 525.960 não frequentavam a escola. Destes números, tem-se o total de 2.688.164 crianças e adolescentes que trabalham e frequentam a escola e 718.349 crianças e adolescentes que trabalham e não frequentam a escola, com predominância na faixa etária entre 16 e 17 anos. Verifica-se que, quanto a escolaridade, o trabalho infantil é causador da infrequência e evasão escolar (IBGE, 2010 apud SOUZA, 2016, p 167).

Os dados da PNAD/2014 e do Censo Escola 2014 trouxe que 82,6% dos adolescentes com idades entre 15 e 17 anos estavam matriculados em escola nas diversas séries letivas e, destes, apenas 61% dos adolescentes estavam matriculados no ensino médio, havendo, portanto, distorção entre idade/série, concluindo que há considerável número de repetências. Comparando com os dados acima referente a frequência escolar de adolescentes que trabalham, entende-se que há relação entre trabalho infantil e repetência escolar (SOUZA, 2016, p 167).

Em evento promovido por programa da OIT – Organização Internacional do Trabalho e parceiros, em agosto de 2016 na cidade de Porto Alegre, o ministro do Superior Tribunal do Trabalho, Leilo Bentes Corrêa, manifestou que a educação de qualidade e o respeito aos direitos humanos são ferramentas fundamentas para combater o trabalho infantil no Brasil, e que não se combate apenas com medidas imediatista, esclarecendo que “é fundamental que se invista em educação de qualidade, que se assegure a permanência destas crianças e adolescentes na escola e que elas tenham o direito a sua formação profissional, que está prevista na Constituição brasileira.” (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2016). Esta fala traz a responsabilidade do estado em garantir educação de valor. Mas não para por aí, mais que isso, é necessário eliminar a pobreza, equilibrar a economia e desmitificar a fala de que é “melhor estar trabalhando do que roubando”.


3. O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Direito de crianças e adolescentes possuem princípios próprios para salvaguardar seus interesses peculiares de condição de pessoa em desenvolvimento. Para Reis (2015, p. 43-48) princípios indicam a direção a seguir e os que se valem dos Direitos da Criança e do Adolescentes estão divididos em princípios estruturantes e concretizantes. Os princípios estruturantes são os princípios da vinculação à doutrina da proteção integral, da universalização, do caráter garantista e do superior interesse da criança e do adolescente. Já os princípios concretizantes, que tem por finalidade dar efetividade aos princípios estruturantes são os princípios da prioridade absoluta, da participação popular, da descentralização político-administrativa, da desjurisdicialização, da despolitização, da humanização e da ênfase nas políticas sociais básicas.

Tais princípios visam não somente o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, mas o alcance da prioridade no tratamento de questões que promovam seu bem-estar. Para tanto, a recepção da legislação pátria da Teoria da Proteção Integral obrigou o desenvolvimento de política públicas voltadas para esta área, em ação conjunta com a sociedade, família e Estado (VERONESE, 2006, p.10).

De acordo com a autora, a Teoria da Proteção Integral implica a admissão da infância e adolescência como prioridade imediata e absoluta, resguardando seus direitos fundamentais, traz o princípio do melhor interesse da criança, cabendo à família garantir-lhe proteção, ressaltando ainda o papel importante da comunidade, que tem o dever de intervir e ser responsável para com as crianças e adolescentes, decorrendo a criação de Conselhos Tutelares. O Ministério Público, conjuntamente, constitui instrumento que assegure tais direitos (VERONESE, 2006, p. 10).

Conforme Reis (2015, p. 23), “o substrato teórico inicial da proteção integral começa a se desenvolver a partir da compreensão da infância enquanto construção social”. Faz-se necessário reconhecer a infância e as crianças como sujeitos concretos, inseridos em determinados contextos políticos, sociais e econômicos, e não a partir da identificação da criança como, simplesmente, uma “miniatura de adulto”, em que a criança só está sendo preparada para a vida adulta.

Desta forma, “a proteção integral tem como suporte os direitos fundamentais, fundados na dignidade humana e na perspectiva da cidadania”. A construção desta teoria é resultado de um processo histórico que reconheceu a própria infância e a criança como detentora de direitos específicos (REIS, 2015, p. 22). Para Custódio (2009, p. 48), “a dignidade humana exige a negação da violência ou da banalização do mal, reconhecendo princípios inerentes à própria condição humana”, sendo que esta construção ocorre por meio da relação com as pessoas, na ação e solidariedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 15 expressa o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade conferidas às crianças e adolescentes como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais plenamente garantidos na Constituição Federal e nas leis.

Anterior a teoria da proteção integral, vigia a doutrina da situação irregular a qual se limitava a tratar de crianças que se enquadrava num modelo pré-estabelecido de situação irregular, conforme disposto pelo Código de Menores de 1979, onde sua atuação era segregatória, que consistia em levar as crianças em “situação irregular” para internatos ou para institutos de detenção mantidos pela FEBEM - Função Estadual Do Bem-Estar do Menor. Não havia preocupação com a manutenção de vínculos familiares (AMIN, 2009 apud REIS, 2015, p. 54).

Conforme Veronese e Vieira (2006, p. 37), “desde a Doutrina do Direito Penal do Menor até a Doutrina da Situação Irregular vigorou no Brasil um modelo parcial de normatividade, isso é, regulava-se apenas uma parte da população infanto-juvenil: os menores abandonados, carentes e infratores”.

Deste modo, a legislação esquecia-se da grande parcela de crianças e adolescentes do país. Não se pensava que crianças e adolescentes necessitavam do aparato legal para garantir-lhes dignidade, proteção e prioridade no atendimento às suas necessidades e por isso minimizava-se a relevância desses indivíduos no contexto social. A ruptura com a situação irregular, é o elemento essencial para incorporação da Teoria da Proteção Integral que foi um marco no reconhecimento sociojurídico dirigido à infância e à juventude (VERONESE; VIEIRA, 2006, p. 37).

Assim, os princípios e normas existem para efetivar a garantia dos direitos de crianças e adolescentes frente as arbitrariedades existentes na sociedade e por parte do Estado. Com o advento da proteção integral, de acordo com Reis (2015, p. 74) “toda criança ou adolescente com idade inferior ao limite etário permitido pela Constituição Federal, que realiza atividade econômica ou não, estarão protegidos pelas disposições legais protetivas, incluindo-se o trabalho infantil nos meios de comunicação”. O que revela ainda compreender as normativas nacionais e internacionais existentes para resguardar direitos inerentes a esses indivíduos.

Sobre os autores
Ismael Francisco de Souza

Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduado em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense; professor de Direito da Criança e do Adolescente,e de Sociologia do Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense; pesquisador do Laboratório de Direito Sanitário e saúde coletiva, e Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito (UNESC).

Patricia Luciano Maria

Graduada em Direito - Bacharelado e cursando especialização em Educação, Diversidade e Redes de Proteção Social, ambos pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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