Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

O trabalho infantil artístico no Brasil contemporâneo.

As autorizações judiciais para o trabalho frente o princípio da proteção integral

Exibindo página 3 de 3

5. AS AUTORIZAÇÕES PARA O TRABALHO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES FRENTE O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Em nosso ordenamento jurídico pátrio há normativa que autoriza o trabalho infantil com o atendimento a algumas prerrogativas. A Consolidação das Leis do Trabalho prevê a possibilidade do trabalho infantil com autorização judicial. Esta previsão traz grandes indagações no que diz respeito a efetiva proteção à criança e ao adolescente, tendo em vista o princípio da proteção integral.

A CLT prevê em seu artigo 406 que o juiz poderá autorizar a criança ou adolescente o trabalho em teatros de revista, cinema, ou ambientes análogos, bem como em empresas circenses, desde que, a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral e que se certifique ser a ocupação indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral (BRASIL, 1943).

O Estatuto da Criança e Adolescente também dispõe acerca da possibilidade de alvarás judiciais para a participação de crianças em espetáculos públicos e seus ensaios, em seu artigo 149, levando-se em consideração os princípios contidos no Estatuto, as peculiaridades do local, a existência de instalações adequadas, o tipo de frequência habitual ao local, a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes, bem como a natureza do espetáculo (BRASIL, 1990).

Traz ainda o ECA no § 2º do art. 149 que, as medidas adotadas deverão ser fundamentadas, caso a caso, sendo proibidas as autorizações de carácter geral, ou seja, cada contrato, espetáculo ou peça deverá ter a sua autorização individual (BRASIL, 1990).

A Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, em seu artigo 8º permite a participação infanto-juvenil em representações artísticas, por meio de permissões individuais da autoridade competente, sendo que referidas permissões deverão limitar o número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescrever as condições em que este será realizado (BRASIL, 2002).

O questionamento que se faz diante da permissão do trabalho infantil artístico firmada nas legislações apontadas é: De fato, as permissões imbuídas de condições que “não firam o desenvolvimento físico e intelectual de crianças e adolescentes” por si só impedem que os direitos inerentes a esses sujeitos sejam garantidos?

Custódio e Reis (2014, p. 15) trazem que o artigo 406 da CLT não pode servir de fundamento para a concessão de autorizações judiciais, uma vez que não há amparo neste dispositivo, o qual enfatiza o cunho educativo, que não se vislumbra em atividade inteiramente econômica, que se trata do trabalho infantil artístico. A referência de que a ocupação seja indispensável à própria subsistência da criança ou da família rompe com a teoria da proteção integral, visto que é inaceitável transferir às crianças ou adolescentes a responsabilidade da família, sociedade e Estado.

O posicionamento dos autores é pela violação à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, como se observa:

A autorização para o trabalho de crianças que não estão na condição de aprendizes, tampouco possuem a idade mínima de dezesseis anos, para realizarem atividades profissionais em uma empresa privada, que explora a atividade econômica artística, na condição de empregados subordinados, nos moldes da legislação trabalhista, nada mais é que a violação da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (CUSTÒDIO; REIS, 2014, p. 15).

Reis (2015, p. 72) no mesmo sentido, compreende que atividade econômica se configura como trabalho, e este trabalho desenvolvido por crianças e adolescentes nos meios de comunicação é uma atividade econômica não confundindo a existência de caráter educativo ou pedagógico nesta atividade, por que não há.

Enfatiza a autora que a interpretação dada ao dispositivo 406 da CLT é um equívoco que acaba permitindo a exploração do trabalho de crianças e adolescentes pelo poder judiciário, com o aval da família. Considerando ainda, que é preciso estabelecer um conceito jurídico que defina o trabalho infantil nos meios de comunicação, para que ações possam advir para o seu combate (REIS, 2015, p. 103-104).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Para Santos (2008, p. 6) “o trabalho artístico faz parte do mercado de trabalho. Quem o desenvolve, compra ou vende trabalho”. São os adultos quem faz da arte um meio de despertar a emoção estética, a crítica social, a reflexão, ou a diversão das pessoas. A criança não, sua manifestação é espontânea e não visa despertar qualquer emoção ou a comunicação, mas quer reparar seus sofrimentos e confortá-los. Desta maneira, as razões da criança não se confundem com as de um adulto.

As condições para a expedição de alvará judicial são muito subjetivas, requerendo um olhar apurado do julgador ao estabelecer o grau de adequação para cada um dos itens julgados e, mais ainda, para acompanhar a permanência da adequação no período em que a criança ou o adolescente estará prestando serviços, o que parece um desafio ao Poder Público.

Neste diapasão, discorre Santos (2013, p. 14), que a após a concessão das autorizações chegou ao fim a função do judiciário, sem que haja efetiva fiscalização, acompanhamento das atividades a que são submetidas crianças e adolescentes, bem como averiguação do recebimento de direitos trabalhistas, já que nesta condição excepcionalmente. A falta de vigilância abre as portas para exploradores de mão de obra infantil, que extrapolam limites. Faltando a efetiva fiscalização e controle, por parte do Estado e ainda da sociedade, a afronta ao princípio da proteção à criança e ao adolescente é ainda maior e mais grave.

Por fim, não se pode reconhecer os caminhos percorridos pelo judiciário ao interpretar equivocadamente as normas, ademais a regra contida no 406 da CLT deve-se considerar revogada pelo efeito do disposto no art. 7º, XXXIII da Constituição Federal de 1988 que traz a vedação de qualquer trabalho antes dos limites legais vigentes.


6. CONCLUSÃO

Ao fim deste trabalho, ratifica-se a importância de se debater assuntos relacionados ao trabalho infantil no Brasil, com destaque ao trabalho infantil artístico, pois não é reconhecido por grande parte da sociedade como trabalho infantil, imbuído de consequências negativas.

Os números de trabalho infantil trazidos na introdução nos rodeiam e nos oprimem. Embora esteja decaindo, é um número muito elevado se comparado com as várias normativas existentes de proteção à criança e ao adolescente, que tem por finalidade resguardar a infância e permitir o pleno desenvolvimento desses cidadãos de direitos. Assim, tem-se a necessidade de se expandir as formas de fiscalização, bem como as políticas públicas voltadas à erradicação do trabalho infantil. E mais que isso, verificou-se que é necessária melhor distribuição de renda e investimento de qualidade na educação do país.

A gama de consequências ao trabalho infantil demonstradas neste artigo causa grande impacto, pois nos remete a responsabilidade que não se está tendo com nossas crianças e adolescentes brasileiras, visto o grande número de crianças e adolescentes que estão realizando trabalho antes da idade mínima aferida pela Constituição Federal e, muitas vezes, em condições degradantes e negligentes. Não se pode fechar os olhos para isso.

O trabalho infantil artístico, embora não pareça ser um trabalho que cause qualquer prejuízo, constitui trabalho e levam as mesmas consequências que outro trabalho infantil e, até mesmo, em pior grau, dependendo das condições que a criança é exposta.

Desta maneira, conclui-se que qualquer alvará judicial que autorize o trabalho infantil, seja artístico ou não, está em desacordo com os ditames da Constituição Federal de 1988, que traz o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, dispondo que devem ser tratadas com especial proteção e prioridade absoluta.

Compreende-se que a família, a sociedade e o Estado devem trabalhar juntos para que, de fato, não se coloque crianças e adolescentes em posições que não são inerentes às suas condições peculiares de pessoas em desenvolvimento, que ao contrário do que é feito, devem ser protegidas, acalentadas e terem o direito de viver sua infância. Protegendo a infância estamos protegendo o futuro do pais, com adultos melhores psicologicamente, fisicamente e intelectualmente.


REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE. Augusta Cristina Affiune de. Trabalho infantil e direitos humanos da criança. Recife: UFPE, 2003. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

______. Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

______. Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002. Promulga a Convenção no 138 e a Recomendação no 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre idade mínima de admissão ao emprego. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4134.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

______. Decreto nº 3.597, de 12 de setembro de 2000. Promulga Convenção 182 e a Recomendação 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação, concluídas em Genebra, em 17 de junho de 1999. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3597.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

CARNEIRO, Lucianne; ALMEIDA, Cássia; GULLINO, Daniel. PNAD 2015: trabalho infantil cai quase 20%. 2016. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/pnad-2015-trabalho-infantil-cai-quase-20-20534256#ixzz4pSgvEFyE>. Acesso em: 10 abr. 2017.

CUSTÓDIO, André Viana. Direito da criança e do adolescente. Criciúma, SC: UNESC, 2009.

______. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para sua erradicação. Florianópolis: UFSC, 2006. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

______; REIS, Suzéte da Silva. O trabalho infantil e a tutela do poder judiciário: reflexões sobre as autorizações judiciais para o trabalho. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, 11., 2014, Santa cruz do Sul. Anais... Santa Cruz do Sul: UNISC, 2014. Disponível em: <https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/view/11685/1558>. Acesso em: 10 abr. 2017.

FUNDAÇÂO ABRINQ. Observatório da Criança e do Adolescente. População entre 5 e 17 anos ocupada. 2015a. Disponível em: < https://observatoriocrianca.org.br/cenario-infancia/temas/trabalho-infantil/621-populacao-entre-5-e-17-anos-ocupada?filters=1,236>. Acesso em: 10 maio 2017.

FUNDAÇÂO ABRINQ. Observatório da Criança e do Adolescente. População entre 10 e 17 anos ocupada segundo posição na ocupação. 2015b. Disponível em: < https://observatoriocrianca.org.br/cenario-infancia/temas/trabalho-infantil/744-populacao-entre-10-e-17-anos-ocupada-segundo-posicao-na-ocupacao?filters=1,1091>. Acesso em: 10 maio 2017.

GOMES, Ana Carolina Affonso. SILVA, Silvia Bezerra de. Infância subtraída: uma reflexão sobre o trabalho infantil na cidade de Manaus. 2011. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:7_T92ºa35noJ:www.arcos.org.br/download.php%3FcodigoArquivo%3D268+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 12 maio 2017.

MACEDO, Adriana Gomes Medeiros de; ACIOLE, Tereza Joziene Alves da Costa. Trabalho infantil em atividades artísticas: direitos humanos violados?. Disponível em: https://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=cf43a9e6874c5afb . Acesso em: 12 maio 2017.

NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. Trabalho infantil afeta 3 milhões de crianças no Brasil: especialistas pedem mais políticas públicas. 2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/trabalho-infantil-afeta-3-milhoes-de-criancas-no-brasil-especialistas-pedem-mais-politicas-publicas/>. Acesso em: 10 maio 2017.

PEREIRA, Sandra Eni Fernandes Nunes. Crianças e adolescentes em contexto de vulnerabilidade social: articulação de redes em situação de abandono ou afastamento do convívio familiar. Aconchego-DF, No Prelo. Disponível em: <www.aconchegodf.org.br/biblioteca/artigos/artigo01.pdf>. Acesso em: 12 maio 2017.

REIS. Suzéte da Silva. Ações e estratégicas de políticas públicas para o enfrentamento da exploração do trabalho infantil nos meios de comunicação no marco da teoria da proteção integral aos direitos de criança e adolescente. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2015, 264f. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2015. Disponível em: <https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/831/1/Suzete-Tese%20vers%c3%a3º%20final.pdf>. Acesso em: 17 set. 2017.

SANTOS, Tânia Coelho dos. Fazer arte não é trabalho infantil: consequências psicológicas e cognitivas do trabalho precoce. 2008. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/comissoes/CE/AP/Ap20081008_Psicologa_Tania.pdf.>. Acesso em: 12 maio 2017.

SILVEIRA. Suéllen Rodrigues. A proteção jurídica contra a exploração do trabalho infantil realizado nas ruas e o limite de idade mínima no Brasil. Criciúma: UNESC, 2009. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Curso de Direito, Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, 2009.

SOUZA. Ismael Francisco. O reordenamento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI): estratégias para concretização de políticas públicas socioassistenciais para crianças e adolescentes no Brasil. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2016. 279f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Santa Cruz do Sul, 2016. Disponível em: <https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/1304/1/Ismael%20Francisco%20de%20Souza.pdf>. Acesso em: 17 set. 2017.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999.

______. Direito da criança e do adolescente: volume 5/Josiane Rose Petry Veronese; Valdemar P. Da Luz (coord.). Florianópolis: AOB/SC Editora, 2006.

______; CUSTÓDIO, André Viana. Trabalho infantil: a negação de ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis, SC: OAB/SC Editora, 2007.

______; VIEIRA, Cleverton Elias. Limites na educação – sob a perspectiva da doutrina da proteção integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.

Sobre os autores
Ismael Francisco de Souza

Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduado em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense; professor de Direito da Criança e do Adolescente,e de Sociologia do Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense; pesquisador do Laboratório de Direito Sanitário e saúde coletiva, e Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito (UNESC).

Patricia Luciano Maria

Graduada em Direito - Bacharelado e cursando especialização em Educação, Diversidade e Redes de Proteção Social, ambos pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!