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O risco das cláusulas genéricas nos termos de ajuste de conduta

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Agenda 27/07/2019 às 13:00

Os termos de ajuste de conduta celebrados com o Ministério Público não devem estipular cláusulas genéricas que espelhem obrigações legais, sob pena de a instituição ministerial assumir o papel do administrador público na fiscalização dos administrados.

Sumário: 1. Introdução; 2. Sobre os termos de ajuste de conduta; 3. O risco das cláusulas genéricas nos ajustes de conduta; 4. Conclusões; 5. Bibliografia 

Resumo: Os termos de ajuste de conduta são instrumentos que objetivam evitar a judicialização de conflitos. No âmbito do Programa “Alimento sem Risco”, desenvolvido pelo Ministério Público de Santa Catarina em conjunto com diversos órgãos executivos, é comum a celebração de termos de ajuste de conduta que vão muito além do propósito específico desse acordo, porque fixam cláusulas genéricas que espelham obrigações legais. Nesse contexto, o Ministério Público acaba por assumir o papel que incumbe precipuamente ao Poder Executivo, substituindo-se perigosamente à ação do administrador público.

Palavras-chave: Ministério Público. Ajuste de Conduta. Obrigações genéricas. Poder Executivo. Substituição.


1. Introdução

O Ministério Público de Santa Catarina, em parceria com diversas entidades, desenvolveu o Programa “Alimento sem Risco” (PASR), que tem por objetivo coibir o uso indevido de agrotóxicos em alimentos e promover medidas educativas, preservando a saúde dos consumidores e dos produtores agrícolas e prevenindo a ocorrência de danos ao meio ambiente. Referido programa foi inaugurado a partir da celebração do Termo de Cooperação Técnica n. 19/2010 e atualmente reuni mais de uma dezena de órgãos executivos federal e estadual, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Secretarias de Estado da Agricultura e Pesca, da Saúde e da Segurança Pública de Santa Catarina, Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola (CIDASC), Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (EPAGRI), Diretoria de Vigilância Sanitária, Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN), Fundação do Meio Ambiente (FATMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre outros.

No intuito de alcançar esses objetivos, os órgãos envolvidos realizam fiscalizações periódicas em estabelecimentos comerciais, colhendo amostras de produtos para serem submetidos a análises laboratoriais, a fim de detectar a presença de agrotóxicos de uso proibido ou limitado. Uma vez constatada a irregularidade e identificados os seus responsáveis – fornecedor do agrotóxico, produtor rural e comerciante do alimento -, são tomadas medidas administrativas, tais como apreensão do produto e aplicação de multas, sem prejuízo de eventuais orientações e recomendações aos infratores. Os relatórios das fiscalizações são também encaminhados ao Ministério Público para adoção de providências a seu cargo, em especial a responsabilização dos envolvidos no âmbito cível e criminal.

Apesar do pouco tempo de execução, em 2015 o programa já apresentou bons resultados, diminuindo de 34% para 21% o índice de desconformidade. Somente no ano de 2015 foram monitoradas 492 amostras de frutas, legumes, verduras e cereais. Desde o início do programa, já foram celebrados 187 termos de ajustamento de conduta (TACs) e propostas 8 ações civis públicas e uma denúncia criminal.[1]

A par desses resultados expressivos, os quais evidenciam os méritos do programa para a promoção e proteção da saúde das pessoas, um aspecto chama a atenção. Trata-se da amplitude e generalidade das obrigações estabelecidas nos TACs celebrados com os diversos interessados no tema. Em relação aos produtores rurais, por exemplo, são comuns cláusulas como: adotar boas práticas agrícolas; usar somente agrotóxicos registrados e prescritos em receituário agronômico; empregar trabalhadores adultos, capazes e treinados para o manuseio de agrotóxicos; não vender produtos sem rótulos ou etiquetas, entre outras. Os TACs celebrados com comerciantes de agrotóxicos também trazem obrigações similares, como: vender produtos agrotóxicos somente por meio de receituário agronômico; não vender produtos agrotóxicos em desconformidade com a legislação; cumprir integralmente requisitos e condições de autorização para funcionamento do estabelecimento (licenças etc.); identificar e isolar "produtos tóxicos" dos demais produtos comercializados pelo estabelecimento. Finalmente, os TACs celebrados com os fornecedores de alimentos seguem a mesma linha, com cláusulas como observar a legislação vigente sobre a exposição e venda de frutas, legumes, verduras e cereais.

Como se pode notar, essas cláusulas espelham obrigações já definidas em lei, de modo que parecem, no mínimo, desnecessárias. Mas tais disposições não pecam apenas pelo excesso. O mais preocupante e que talvez tenha passado despercebido pelos membros do Parquet é que a celebração de ajustes com tais cláusulas impõe ao Ministério Público o exercício de funções tipicamente executivas, pois, ao acompanhar a execução do TAC, por vias transversas, exerce o papel que incumbe precipuamente ao Poder Executivo, qual seja fiscalizar o fiel cumprimento das leis e dos regulamentos pelos administrados. A substituição da figura do administrador público é a consequência mais grave e que, por isso mesmo, reclama reflexões.


2. Sobre os termos de ajuste de conduta

O termo de ajustamento de conduta, como o próprio nome sugere, é um instrumento utilizado pelos órgãos públicos legitimados a propor ação civil pública para obter a adequação da conduta de pessoas às exigências legais. Está previsto no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985 nos seguintes termos:

“Art. 5º. omissis

[...]

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”

Não há consenso acerca da natureza jurídica desse ajustamento. Independentemente de qual a sua qualificação – transação, acordo unilateral, ato ou contrato administrativo – o importante é notar que se trata de um ajuste feito entre um órgão público e um terceiro interessado visando tutelar direitos transindividuais e evitar uma ação judicial. Quer dizer, o objetivo primordial do ajuste é alcançar o mesmo resultado que seria obtido com a propositura de uma ação civil pública, só que através de uma solução negociada entre os envolvidos.

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Daí porque se compreende que as cláusulas do termo de ajustamento devem espelhar o objeto da potencial ação civil pública, como observou Fernando Grella Vieira:

“A mesma pretensão que seria objeto do pedido na ação civil pública deverá estar contemplada no compromisso, não podendo, em nada, ser restringida. O responsável há de se sujeitar ao ressarcimento completo do dano, ou à realização da atividade necessária para fazer cessar a lesão, ou à abstenção, também necessária, para por fim à afetação dos interesses coletivo ou difuso.

[...]

A transação, portanto, simplesmente substitui a fase de conhecimento do processo judicial, pois deve refletir o mesmo conteúdo esperado na prestação jurisdicional, caso houvesse a ação e fosse ela procedente, desfrutando, da mesma forma, de eficácia executiva.”[2]

Nesse contexto, as cláusulas do ajuste devem ter em mira três situações distintas, a saber.

Primeira, o acordo, como o próprio nome sugere, deve buscar ajustar a conduta irregular que cause dano ou crie risco efetivo de sua ocorrência. Tal conduta pode estar gerando um dano atual (ajuste repressivo) ou ser potencialmente lesiva (ajuste preventivo).

Segunda, se a conduta cessou, mas houve dano, é o caso de se propor o ajustamento de conduta para se restaurar a situação anterior.

Terceira, não sendo possível voltar à situação fática anterior ao dano, remanesce interesse no ajustamento para se buscar a indenização ou compensação pelos prejuízos sofridos.

Portanto, o termo de ajustamento de conduta deve visar (1) ajustar uma conduta efetiva ou potencialmente causadora de dano, (2) reparar um dano, restaurando a situação anterior ou (3) compensar os prejuízos causados mediante indenização, quando o dano for irreversível. É possível um ajustamento que englobe um ou mais desses objetivos.

Essas três situações estão muito bem resumidas no art. 14 da Resolução CNMP n. 23/2007, que assim dispõe sobre o compromisso de ajustamento de conduta:

“Art. 14. O Ministério Público poderá firmar compromisso de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados.”

Na doutrina, colhe-se ensinamentos nesse mesmo sentido, como se depreende das seguintes citações:

“A doutrina vem interpretando que as cominações a que se refere o art. 5º, § 6º da Lei de Ação Civil Pública são cláusula penais, as quais têm finalidades moratória e compensatória, visando coagir o contraente a cumprir voluntariamente as obrigações destinadas a reparar ou a prevenir o dano a um interesse metaindividual previstos no termo de ajustamento de condutas.”[3]

“O termo de ajustamento de conduta visa a que o compromitente cumpra os dispositivos legais que, porventura, estejam sendo violados. Trata-se de um reconhecimento implícito da ilegalidade da sua conduta e o comprometimento de que se adequará à lei, sob pena de incidir nas sanções previstas no próprio termo.

[...]

O ajuste, como veremos, possui caráter punitivo, mas deve ser firmado de forma conciliatória de modo a prevenir o dano ou repará-lo.”[4]

“No ajuste se reconhece a iminência ou a existência de um fato determinado, que pode ser um agir ou uma omissão, o qual possa causar violação a um direito transindividual. Por meio dele se realiza um pacto com o responsável pelo fato, de forma a evitar o dano ou a repará-lo integralmente.”[5]

Importante notar que a conduta (ou omissão) a ser ajustada é aquela que atualmente gera um dano ou que está na iminência de causar um dano. Trata-se, pois, de conduta presente.

Assim, por exemplo, pense-se no caso de uma indústria poluidora. Se a indústria está em atividade, significa que está poluindo. Ou seja, há uma ação atual (produção da indústria) geradora de um dano (poluição). Nesse caso, um eventual termo de  ajustamento de conduta servirá para adequar a conduta atual da indústria, de modo a cessar a poluição, além, é claro, de estipular medidas reparadoras dos danos causados pela conduta até então praticada. Tem-se aqui um ajuste com dois objetos: adotar providências certas e determinadas para cessar a poluição contínua provocada pela indústria e reparar os prejuízos já efetivamente causados.

Do mesmo modo, suponha-se que um asilo de idosos esteja em condições precárias de higiene, fato que pode provocar danos à saúde dos seus hóspedes. Há também aí uma omissão presente (falta de manutenção da residência) que pode causar um dano iminente (degradação da saúde dos idosos). Nesse caso, o ajustamento tem um só objeto: suprir a omissão presente para evitar um dano futuro.

Por outro lado, em se tratando de uma conduta passada ou futura, isto é, uma ação ou omissão que já cessou ou que apenas cogita-se como uma eventualidade, não há que se falar em ajuste da conduta propriamente.

Ora, se a ação ou omissão já ocorreu, está claro que não é possível retroagir no tempo para se desfazer essa conduta. A conduta passada não pode ser ajustada simplesmente porque já passou e o tempo não volta mais. A conduta passada é um fato consumado, um dado da realidade que não mudará jamais.

Lógico que, se essa conduta passada gerou um dano, esse dano é que deve ser reparado ou compensado. No exemplo citado da indústria, caso esta tivesse, por qualquer motivo, encerrado as suas atividades, não haveria conduta presente, mas certamente haveria um dano (poluição) gerado pela conduta pretérita. Perceba-se que, nesse caso, o ajuste teria em mira a reparação do dano, e não a adequação da conduta, pois esta já cessou. Preconiza-se no ajuste cláusulas que estipulem obrigações a serem cumpridas para reparar ou compensar o dano e não para amoldar a conduta pretérita que gerou o dano. Esta conduta, como se disse, está consumada no tempo e nada vai mudar esse fato.

O mesmo se daria no caso de destruição de uma área de preservação permanente. Não se fala em ajuste da conduta, uma vez que o desmatamento já ocorreu, está consumado. O que se pode fazer é um acordo com o autor da ação para reparar o dano existente, por exemplo, recuperando a área degradada.

Se não é possível voltar ao passado, também não se pode adequar o futuro, já que não é possível ajustar o que ainda não ocorreu. Daí porque estipulações genéricas no sentido de obrigar o sujeito a cumprir as disposições legais no futuro são absolutamente inócuas e, por que não dizer, dispensáveis.

Ora, cumpre-se a lei porque é lei, e não porque alguém se obrigou a isso por meio de um ajuste de conduta. É, no mínimo, estranho alguém firmar um compromisso com um órgão público de cumprir a lei, como se a lei existente, válida e eficaz não bastasse por si só para ser respeitada. Se a pessoa deseja cumprir a lei espontaneamente, o ajustamento de conduta é desnecessário; por outro lado, se a pessoa não pretende cumprir a lei espontaneamente, o ajustamento é inútil.

Ademais, a fixação de cláusulas genéricas como essas (dever puro e simples de cumprir a lei) vai de encontro ao objetivo último do termo de ajustamento de conduta, que é servir como título extrajudicial para execução forçada das obrigações. Estas devem ser objetivas, claras, determinadas. Em resumo, obrigações líquidas e certas, sob pena de o ajuste não valer como título executivo.

Nesse sentido, preconiza Geisa de Assis Rodrigues:

“A que requisitos deve atender o ajustamento de conduta? Quer consideremos que apenas a certeza é importante para o ajuste, quer reputemos que tanto a certeza quanto a liquidez devam estar presentes, o que não pode faltar no ajuste é a definição de quem é o responsável pelo seu cumprimento, a delimitação do seu objeto, e, sendo cláusula de indenizar, o valor quantificado; sendo cláusula de entregar coisa, a individuação precisa desta; sendo obrigação de fazer e de não fazer, a definição mais precisa possível dessa obrigação, o modo de cumpri-la, onde cumpri-la, que resultado prático se visa obter.”[6]

Nessa linha, Pedro Roberto Decomain adverte:

“O compromisso de ajustamento de conduta será título executivo extrajudicial na hipótese de nele se conter a assunção, pelo violador do direito ou interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, de obrigação líquida e certa. Certa é a obrigação acerca de cuja existência não há dúvida. Líquida será ela quando a prestação e o respectivo objeto estiverem perfeitamente delimitados. Sem que a obrigação assumida, consistente ela em pagar quantia, realizar outra conduta ou abster-se de alguma, revista essa qualidade da liquidez, por evidente que o compromisso de ajustamento de condutas no qual se contenha já não será título executivo.”[7]

Em reforço ao argumento, frise-se que tais cláusulas, genéricas e projetadas para um futuro infinito, tornam impraticável a fiscalização sobre o cumprimento do ajuste. A uma porque não teriam um prazo determinado, já que, enquanto a lei for vigente, o dever de cumpri-la é inarredável. Assim, o ajuste teria que ser acompanhado ad infinitum pelo órgão que o subscreveu. A duas porque, quando o ajuste é firmado pelo Ministério Público, acompanhar o seu cumprimento equivaleria transformar o órgão ministerial em órgão administrativo de fiscalização, representando uma indevida ingerência no âmbito de competência do Poder Executivo.

Além de desvirtuar a finalidade de ajuste de conduta, a dificuldade prática de implementar o efetivo acompanhamento do termo de ajustamento formulado nessas condições pode levar ao descrédito desse poderoso instrumento de pacificação social, como muito bem advertiu Max Zuffo:

“No que diz respeito especificamente ao termo de ajustamento de condutas, observa-se que ainda prepondera uma visão romantizada a respeito de sua aplicação, no sentido de que a simples formalização do ajustamento de conduta, ou mesmo a instauração de inquéritos civis e procedimentos preliminares, se basta para garantir uma tutela eficaz dos interesses metaindividuais, circunstância essa que pode levar aos efeitos deletérios do uso indiscriminado desse importante instrumento de tutela coletiva... A perpetuação desta ótica sob o qual o termo de ajustamento conduta é visto por seus operadores pode fazer com que o importante instituto adquira um grau de ineficácia tão alto que acabe por desvirtuá-lo.”[8]

Cumpre esclarecer que essa ordem de ideias não significa que se deve esperar a prática de uma determinada conduta irregular ou a ocorrência de um dano para só então agir. O que não se quer é transformar o termo de ajustamento de conduta em uma panaceia para todos os males da sociedade, sob pena de o tiro sair pela culatra. O ajuste é um poderoso instrumento de tutela de interesses coletivos, mas, se for utilizado sem critérios rigorosos, corre-se o risco de os seus objetivos primordiais não serem alcançados.

O ajuste de conduta não deve servir para substituir a fiscalização do Estado, por intermédio do Poder Executivo, no sentido de inibir e coibir ações e omissões ilegais dos administrados. Como se deixou claro, as pessoas têm que cumprir a lei porque é lei, e não porque celebraram um acordo com órgãos públicos. Então, o Estado tem que permanecer vigilante para identificar condutas irregulares e tomar todas as providências necessárias para cessar o mal.

Um exemplo pode ajudar a esclarecer o ponto. Imagine-se que um lote de veículos de um determinado fabricante possua um defeito capaz de gerar graves danos aos adquirentes desses produtos. Nessa hipótese, espera-se que a empresa, no mínimo, faça publicidade desse fato e ofereça um recall dos veículos. Como se vê, nesse caso, evitar o dano depende em grande medida da colaboração do responsável pela irregularidade. Aí sim é o caso de se pensar em ajustamento de conduta para forçar a empresa a tomar essas medidas. Note-se que o ajuste não visa desfazer a conduta pretérita (venda do produto), mas sim suprir a omissão, que é atual, consistente na ausência de providências para evitar danos aos consumidores.

Agora, suponha-se que um fabricante de brinquedos está produzindo um determinado produto que coloca em risco a vida de crianças. Imagine-se que esses produtos já estão prontos para serem distribuídos no mercado, mas ainda não o foram. Ora, em uma situação dessas, não tem o menor cabimento propor ao fabricante um "ajustamento de conduta" para não vender os produtos.

Se os produtos oferecem risco para a saúde dos consumidores, então é o caso de o Estado, através do órgão executivo competente, diligenciar na empresa e simplesmente apreender todas as mercadorias que estejam em condições irregulares. Essa é a ação efetiva que o cidadão espera do Estado, e não uma negociação com o potencial causador do dano para tentar convencê-lo a não vender um produto que implicará risco às pessoas. Perceba-se que essa ação não depende em nada da colaboração do causador do dano potencial, o que reforça a tese de que um acordo nessas circunstâncias é descabido.

A lei confere aos agentes públicos esse poder de intervenção para garantir a vida, a saúde, a liberdade, a segurança, enfim o bem-estar das pessoas. É o poder de polícia, que autoriza o Estado advertir, aplicar multas, embargar e interditar estabelecimentos, obras ou atividades, apreender e destruir bens, suspender e cassar licenças e autorizações, entre tantas outras medidas previstas nas leis e regulamentos que ordenam a vida em sociedade, inclusive prender em flagrante, no caso de a conduta também configurar crime.

Pode-se argumentar que os órgãos executivos estatais não cumprem esse papel, ou seja, não exercem o poder de polícia que lhes compete. Isso é bem verdade, mas cabe ao Ministério Público enfrentar essa inércia, e não simplesmente substituir-se a esses órgãos no exercício de funções que lhe são estranhas. Enquanto o Ministério Público assumir encargos que não são seus (leia-se: poder de polícia), a tendência é, longe de resolver o problema da ineficiência dos órgãos executivos, agravá-lo.

Enfim, o termo de ajustamento só pode ter por objeto a adequação de conduta atual, a reparação e a compensação de um dano, sempre por meio de obrigações claras, objetivas e determinadas. Tal acordo, justamente por ser um acordo de vontades, deve ser circunscrito àquelas situações em que a solução do problema será mais efetiva com a colaboração do infrator.

Sobre o autor
Leandro G. M. Govinda

Leandro G.M. Govinda formou-se em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e é especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Foi pesquisador do CNPq, escriturário do Banco do Brasil, Técnico da Receita Federal, Auditor-Fiscal da Receita Federal e Procurador da Fazenda Nacional. Atualmente, é Promotor de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Professor da Escola do Ministério Público e integrante do Conselho Editorial da Revista Jurídica Atuação do Ministério Público Catarinense. Escreveu artigos publicados na Revista Tributária e de Finanças Públicas, na Revista Fórum de Direito Tributário e na Revista dos Tribunais (RTSUL).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOVINDA, Leandro G. M.. O risco das cláusulas genéricas nos termos de ajuste de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5869, 27 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61202. Acesso em: 22 dez. 2024.

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