É inegável que a isonomia exista no escopo da Constituição e das leis, inserida como um mero dispositivo textual. A referência de justiça, no entanto, é aquém do que as pessoas precisam, nada é feito e nada se contesta. A par desse perdimento das capacidades críticas, a humanidade caminha para um totalitarismo que encontra apoio das massivo e irracional das pessoas. Vige um Estado de programação onde as pessoas estão com ideias pré-instaladas, transformam-se em tijolos na parede, a pluralidade dá lugar à hegemonia do igual e aquele que está fora do molde já não é útil na sociedade, portanto desnecessário. O desprendimento da razão, é o tema de combate de Adorno, visto que torna o ser humano manipulável a nível de despi-lo de sua humanidade, pois “a teoria crítica pretendia desarmar e neutralizar, e de preferência eliminar de uma vez, a tendência totalitária de uma sociedade que se supunha sobrecarregada de inclinações totalitárias intrínseca e permanentemente” (BAUMAN, 2001, p. 37).
Consideradas perigosas, a capacidade de crítica e a pluralidade são extirpadas por esses ditame de padrões que encontram fundamento em ondas conservadoras, como se os problemas atuais fossem solucionáveis por meio da restauração dos parâmetros do status quo ante da redemocratização brasileira. Mas, isso é apenas uma forma de legitimar as práticas fascistas e totalitárias que vão aderindo ao cotidiano e ocupando, temerosamente, o lugar dos direitos humanos, sob o argumento de que a ordem, a ética e a moral são restabelecidas por um direito penal forte e pela imposição da força em detrimento da própria liberdades das pessoas.
Nessa transição para uma sociedade de controle, onde já não é mais se fala em “vigiar e punir” tal qual a sociedade disciplinar de Foucault, os rumos são conduzidos por quem detém o medo, o julgamento e a capacidade de destruição. A sociedade de controle é a prisão de grades invisíveis que Adorno descreveu, é um suplantar silencioso dos direitos e da democracia de modo que o Estado detém um poder que não pode ser medido em seu começo e seu fim, ou em sua proporção, e “para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas” (BAUMAN, 2001, p.23).
A modernidade líquida a que Bauman se refere, é uma situação em que não tem mais a certeza do ser e o desespero de não sabe para onde caminhar ou melhor, desconhecer o destino dada à fluidez com que as coisas acontecem. A matéria – que podemos dizer a sociedade – é colocada no cadinho - Estado – e espera ansiosamente por sua forma, que será determinada pela matriz – o direito -, com a qual terá que conviver até que torne ao fogo dos conflitos. O procedimento é contínuo e infinito, todavia há que se preservar a essência, sob pena de retornar às velhas práticas e perder as conquistas sociais. Assim como o ferro não deixa de ser ferro a cada vez que experimenta o cadinho, o Estado democrático de Direito tem que se preservar quando é colocado à disposição dos atores do Estado, ainda que com o tempo vá perdendo a têmpera.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. 1903-1969. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos Jorge Mattos Brito de Almeida traduzido por Juba Elisabeth Levy [et al.]. — São Paulo Paz e Terra, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradutor Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.