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Novas perspectivas do controle da omissão inconstitucional no Direito brasileiro

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Agenda 28/12/2004 às 00:00

4. Ações de controle da inconstitucionalidade por omissão

Como já analisado, a Constituição Federal previu expressamente dois tipos de remédios judiciais para o problema das omissões inconstitucionais: no âmbito do controle concreto, o mandado de injunção (inciso LXXI do art. 5º); e no do controle abstrato, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (§2º do art. 103).

De outro lado, a partir da regulamentação dada pela Lei 9.882/99 ao atual §1º do art. 102 da CF/88, pode-se dizer que a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), por sua modalidade autônoma (caput do art. 1º da Lei 9.882/99), também se inclui no rol dos instrumentos judiciais especialmente vocacionados à fiscalização da constitucionalidade dos atos omissivos. [46]

Obviamente, essas não são as únicas ações por meio das quais se controlam todas e quaisquer omissões inconstitucionais, mas sim as únicas adequadas para fiscalizar as omissões do tipo "formal". É que as chamadas omissões "materiais", por pressuporem a edição de algum ato normativo, podem, em princípio, ser questionadas no controle concreto de constitucionalidade. [47]

Pois bem. Como o presente trabalho só pretende analisar nuanças do controle abstrato da constitucionalidade dos atos omissivos, não irá tratar especificamente das demais formas de fiscalizá-los, muito embora os fundamentos e as conclusões da pesquisa possam ser aproveitados no âmbito de atuação do controle concreto.


5. Parâmetro de controle das omissões inconstitucionais

Como notou IBAGÓN, a constituição não atribui ao legislador somente competências para regular certas matérias. Nela também estão contidas normas imperativas por meio das quais se proíbe ou se ordena a realização de determinadas condutas. [48] Logo, é necessário distinguir aquilo que o constituinte proibiu daquilo que ele determinou fosse feito, pois violar uma proibição constitucional não é o mesmo que descumprir o que a constituição ordenou que se fizesse. [49]

Certo, KELSEN demonstrou que toda "proibição de uma determinada conduta é a imposição da omissão dessa conduta" e que "toda imposição de uma determinada conduta é a proibição da omissão dessa conduta." [50] Com isso, poder-se-ia, então, sustentar o equívoco da distinção apregoada por IBAGÓN. Entretanto, o mesmo KELSEN afirmou que, embora toda proibição possa ser descrita como imposição, e vice-versa, existem diferenças quanto ao tipo de objeto da prescrição normativa. A conduta prescrita pela norma pode ser uma ação ou uma omissão desta ação. [51] Daí, novamente com base nas lições de KELSEN, é não só possível como também necessário identificar se a conduta prescrita pela norma qualifica-se como um não-agir ou um fazer.

Dessa maneira, traçando fronteira entre a inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão, um conceito "puro" de omissão juridicamente relevante há de se basear não no descumprimento de quaisquer normas constitucionais, mas somente daquelas que imponham, previamente, obrigação certa e determinada de atuação a quem tenha de implementar a aplicabilidade das normas constitucionais. Sem essa predeterminação daquilo que deve ser feito, não há parâmetros para controlar o que não se fez.

Nesse rumo, se a fiscalização da constitucionalidade omissiva opera, como visto, no campo da implementação da aplicabilidade das normas constitucionais, então já se poderiam excluir do parâmetro de controle de constitucionalidade das "puras" omissões constitucionais todas aquelas normas dotadas de auto-aplicabilidade [52] ou, na dicção de AFONSO DA SILVA, de "aplicabilidade direta". [53]

Pois bem. Na linha de CANOTILHO, cabe sustentar que, inclusive no Brasil, a mora quanto à implementação de "normas-fim ou normas-tarefa" abstratamente impositivas não dá ensejo ao surgimento de omissão jurídico-constitucional. [54] É diferente dizer que há omissão inconstitucional quando o legislador não adota medidas legislativas necessárias para executar preceitos constitucionais que estabelecem obrigações permanentes e concretas (como atualizar o salário mínimo, organizar serviços de segurança social, garantir ensino básico universal, obrigatório e gratuito), do que quando a lei não cumpre "normas-fim e normas-tarefa que, de forma permanente mas abstrata, impõem a prossecução de certos objetivos." [55] O não-atendimento dos fins e objetivos da constituição, embora possa igualmente ser considerado inconstitucional, não é juridicamente controlável. A concretização dessas "normas-fim" ou "normas-tarefa", como bem expõe CANOTILHO, "depende essencialmente da luta política e dos instrumentos democráticos". [56]

CLÈVE aponta, mais, a necessidade de outra restrição paramétrica: como a omissão deve ser juridicamente relevante, não há como censurar comportamentos omissivos de "provisão exterior ao universo do direito", razão pela qual as normas constitucionais que impliquem atuação material do Estado, como a organização de determinados serviços, a alocação de recursos ou a construção de obras, não fazem parte do parâmetro de fiscalização da constitucionalidade abstrata das omissões. [57]

Deslocando a discussão para os aspectos temporais do parâmetro de controle dos atos omissivos, tampouco há como declarar inconstitucionalidade por omissão baseando-se em parâmetros constitucionais superados. Como já decidiu o STF, a ação (no caso, a ADInO) fica prejudicada quando "a norma revogada for a que necessitava de regulamentação para a sua efetividade." [58]

Além disso, o elemento cronológico tem crucial importância no exame da evolução das chamadas situações constitucionais imperfeitas, nas quais "a demora do legislador em regulamentar determinado tipo de norma faz com que se convertam em verdadeira inconstitucionalidade por omissão." [59] Onde antes não havia inconstitucionalidade, o transcurso de determinado tempo e a inércia na implementação da aplicabilidade de certas normas constitucionais determinam o surgimento de inconstitucionalidades omissivas imputáveis aos órgãos responsáveis pelo integral desenvolvimento da eficácia da constituição.

Isso quer dizer que a omissão não se caracteriza sem o decurso de algum prazo. Inexistindo meios para conceder, de hora para outra, aplicabilidade direta à constituição, percebe-se que ao conceito de omissão se deve agregar algum juízo valorativo sobre o período razoavelmente necessário para baixar os atos normativos necessários à exeqüibilidade das normas constitucionais. [60]

A inadimplência normativa não se configura sem o decorrer do tempo. Como afirma PFEIFFER, enquanto "o prazo razoável para a edição da lei não se esgotar, estaremos diante de uma situação constitucional imperfeita. Transcorrido tal lapso temporal, a inércia legislativa transforma-se em inconstitucionalidade por omissão." [61] Na linha inversa, porém, considerando que a vocação natural do parlamento é fazer leis que regulamentem a constituição, a tendência é que a ocorrência de omissões formais perca espaço para a das materiais, [62] sem embargo das constantes reformas constitucionais no direito brasileiro.

Excepcionalmente, contudo, alguns preceitos constitucionais já prevêem prazo determinado para que o legislador lhes conceda aplicabilidade. [63] Nessas hipóteses, descumprido o termo prefixado pela própria constituição, aflora tipo mais grave e evidente de inércia, uma espécie de mora qualificada do órgão omisso.

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Dessarte, como é o transcurso do tempo que irá determinar se a inércia regulamentar acarreta situação constitucional imperfeita ou inconstitucionalidade por omissão, o parâmetro do controle da constitucionalidade dos atos omissivos consistirá não somente do mero aspecto material da norma constitucional, mas dependerá ainda da avaliação do elemento cronológico, numa equação assim exprimível: parâmetro de controle = norma constitucional + decurso tempo. De sua vez, a inconstitucionalidade por omissão parece ser resultado da operação: parâmetro de controle − atuação normativa requerida = inconstitucionalidade por omissão.

Mas se todas essas conclusões parecem aceitáveis em relação às omissões formais (absolutas e totais), a fixação do parâmetro de controle das omissões materiais (parciais e relativas) carece de novos apontamentos.

Em primeiro lugar, sabendo que as omissões parciais também exigem a prévia determinação do dever concreto de implementar a aplicabilidade de alguma norma constitucional, a elas se aplica a mesma restrição acerca do conjunto das normas paramétricas da constitucionalidade das omissões formais. Dessarte, somente preceitos constitucionais desprovidos de aplicabilidade direta é que podem compor o parâmetro de controle das omissões parciais. Contudo, a caracterização delas não depende necessariamente de análises temporais, pois se costuma notar a insuficiência da providência a partir do próprio momento em que o ato normativo incompleto é produzido. Sem embargo, o tempo pode ser indispensável para se configurar uma omissão parcial, como na hipótese de o preceito editado ser considerado "ainda constitucional", dado o grau de dificuldade inerente à exeqüibilidade da norma paramétrica. [64]

De outro lado, é diverso o problema do parâmetro das omissões relativas. É que o conceito desse tipo de omissão refoge parcialmente dos pressupostos utilizados para definir o regime das demais. As omissões relativas, além de desconhecerem a necessidade de prévia determinação de atuação normativa, são identificadas a partir de juízo valorativo fundado em preceitos auto-aplicáveis. E mais: já se sabe de antemão que o parâmetro de controle delas será sempre alguma norma ligada ao princípio da isonomia. Daí a dificuldade para incluir as omissões relativas no grupo das omissões "puras".

Não obstante, pode-se deduzir que as omissões relativas e as parciais podem igualmente se enquadrar no conceito das indefinidas, mas somente as primeiras admitem ser qualificadas como omissões definidas. Isso porque embora tanto as indefinidas quanto as definidas pressuponham soluções contidas no próprio ordenamento constitucional, a tipificação destas últimas exige que o parâmetro de controle seja composto somente por normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, pois só esse caso dá ensejo à adoção de uma única solução constitucionalmente obrigatória.


6. Objeto do controle abstrato da constitucionalidade omissiva

Parece estranho à primeira vista, mas a análise do objeto do controle da constitucionalidade por omissão não pode estar dissociada do exame de um dos típicos aspectos do objeto da fiscalização da constitucionalidade dos atos comissivos. Nesse rumo, assume grande importância a questão relativa às diferenças entre disposição e norma.

É que essa diferenciação, certamente uma das maiores contribuições da fiscalização de constitucionalidade à teoria geral do direito, [65] possui enorme importância para o desenvolvimento das técnicas das decisões do controle de constitucionalidade.

Por isso, antes de enfrentar o tema relativo ao objeto propriamente dito das omissões constitucionais, é preciso abrir subitem no qual se explique a pertinência da aludida diferença no âmbito do controle abstrato dos atos comissivos.

6.1. Distinção entre disposição e norma

Toda atividade de controle jurídico de constitucionalidade supõe, obviamente, interpretação de preceitos normativos. De sua vez, no âmbito da interpretação de tais preceitos normativos, distinguem-se, de um lado, a disposição textual e, de outro, seu conteúdo normativo, fruto do trabalho de interpretação. [66] Como interpretar, em última análise, é compreender e atribuir sentido a determinado texto normativo, extraem-se dois conceitos relacionados. Disposição constitui-se na fórmula lingüística adotada e emanada do trabalho de produção de direito. [67] Na definição de GUASTINI, é cada enunciado lingüísitco pertencente a uma fonte de direito. [68] A seu turno, norma é o conteúdo de sentido resultante da interpretação da disposição. [69] Logo, do ponto de vista interpretativo, as disposições formam o objeto, e as normas o resultado da interpretação.

Entre disposição e norma costuma existir sempre relação de reciprocidade. [70] Em geral, não pode haver norma sem que exista disposição que lhe dê suporte e só há sentido na disposição após descoberta a norma respectiva. Ademais, se o texto é o limite da interpretação, a disposição é tanto o marco inicial como a limitação última para a obtenção da norma. [71]

De regra, a cada disposição corresponde uma norma, caso em que é indiferente a distinção entre uma e outra. [72] Nesse prumo, em matéria de controle abstrato de constitucionalidade, a eliminação da disposição textual implica a da norma co-respectiva. [73]

No entanto, a relação entre disposição e norma não é necessariamente biunívoca. [74] Segundo CALLEJÓN, [75] essa falta de correspondência pode ensejar, teoricamente, as seguintes situações: 1ª) norma sem disposição; 2ª) existência de disposição não-normativa; 3ª) possibilidade de articular a norma aplicável a partir de diversas disposições (várias disposições que ensejam uma só norma); ou 4ª) pluralidade de normas extraídas de mesma disposição (uma disposição que dá lugar a várias normas).

Na situação n. 1, a norma é obtida de elementos outros que não a disposição. Exemplo típico são as normas consuetudinárias. [76] Igualmente, as normas (implícitas e decorrentes) que derivam de elementos interpretativos não textuais, bem assim as normas provenientes de integração analógica. Conforme o mesmo CALLEJÓN, na situação n. 2, abstraída a dificuldade de se traçar a linha entre o normativo e o não-normativo, estão as disposições que isoladamente carecem de conteúdo normativo próprio. [77] A outra face dessa situação conduz à situação de n. 3, que diz respeito às normas constituídas a partir de várias disposições, como no caso em que a disposição seja insuficiente, por si própria, para dar lugar a uma norma, mas cujo conjunto delas (de disposições "fragmentárias") conflui à obtenção final de uma norma. [78] Em tal situação enquadram-se, mais, as disposições "sinônimas", pelas quais várias delas só dão ensejo a uma única norma, [79] e as disposições "parcialmente sinônimas", em que de cada uma das disposições se originam diversas normas, algumas das quais coincidem. [80] Por fim, ocorre a situação n. 4 quando mais de uma norma deriva de mesma disposição, fenômeno que se desdobra da seguinte forma: (4’) de disposição "polissêmica" (ou ambígua) defluem normas de sentido antagônico entre si, caso em que a opção por aplicar uma exclui a aplicação da(s) outra(s); [81] e (4") de disposição "complexa" [82] obtêm-se duas ou mais normas parciais, cuja soma exaure o significado do enunciado textual. [83]

Assentadas tais diferenças entre disposição e norma, caber perguntar qual delas constitui o objeto do controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Na busca dessa resposta, contudo, é inútil socorrer-se aos diplomas jurídicos existentes. Como detectou REVORIO ao analisar as legislações espanhola e italiana, [84] também não se afigura que da terminologia utilizada na Constituição e leis brasileiras possa surgir conclusão clara a respeito do objeto do controle de constitucionalidade. Nesse prumo, o constituinte não se preocupou em identificar se o objeto do controle abstrato recai sobre o texto ou sobre a norma dos atos normativos impugnáveis (cf. art. 97; inciso I, a e §2º do art. 102; bem como o §2º do art. 125). [85] De sua vez, a Lei 9.868/99 é contraditória. Ora se refere ao "dispositivo" da lei ou ato normativo impugnado (art. 3º, I), ora incorpora fórmulas decisórias cujo objeto do controle é – como ficará evidente – a norma, e não o dispositivo, caso da "interpretação conforme a Constituição" e da "declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto" (parágrafo do art. 28). [86]

Com efeito, a solução para tal questionamento passa pela rejeição da escolha exclusiva do dispositivo ou da norma para só num deles repousar o objeto do controle. Esse o escólio de REVORIO, após analisar as várias correntes doutrinárias sobre o assunto. [87]

De fato, o objeto do controle de constitucionalidade não pode recair exclusivamente no dispositivo textual. Isso limitaria as espécies de decisão de mérito no controle abstrato de constitucionalidade, as quais somente poderiam ser declaratórias de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade (total ou parcial) da disposição impugnada. Assim, no caso de disposição "ambígua" ou polissêmica, em que dela surgissem duas ou mais interpretações, não haveria como manter a eventual interpretação que se conformasse à constituição, pois a eliminação do texto também a atingiria. Mesmo problema impediria a declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto: restrito o objeto do controle à disposição, impossível seria eliminar somente a interpretação (norma) que dela decorresse. Além disso, normas não-textuais dificilmente poderiam ser alvo de fiscalização. Por fim, só se poderia explicar o efeito vinculante da decisão de inconstitucionalidade, em relação a atos normativos similares, mediante a conclusão de que o pronunciamento do tribunal recai também sobre a norma e não só sobre a disposição em si. [88]

É recomendável, portanto, a incorporação da idéia de que o controle incide sobre a norma. Com isso evitam-se alguns inconvenientes, como a extinção do processo nos casos em que o legislador, nitidamente para se furtar à fiscalização, revogue o ato normativo questionado por meio de diploma que possua dispositivo equivalente àquele revogado e a partir do qual se possa extrair a mesma norma antes atacada; bem assim problemas relacionados com o ataque a disposições reproduzidas em múltiplos diplomas. [89]

De outro lado, se pela técnica processual o pedido é a expressão do objeto do processo, [90] não há entender-se que o objeto do controle de constitucionalidade abstrato incida tão-só em normas. Caso assim fosse, o órgão judicante não poderia se afastar da própria interpretação dada ao ato normativo impugnado pela petição inicial. É que o pedido (objeto) da ação recairia somente na(s) norma(s) extraída(s) pelo autor da interpretação da disposição. Logo, por força do princípio da adstrição ao pedido inicial, o tribunal só poderia avaliar a constitucionalidade da(s) mesma(s) interpretação(ões) apresentada(s) pelo requerente. [91] Não fazendo a disposição parte do objeto do controle, também não faria parte do pedido (objeto da ação). Daí, o âmbito de cognoscibilidade do controle judicial não abarcaria quaisquer outras interpretações que da disposição se pudessem extrair, sob pena de julgamento extra ou ultra petita. Remanesceria, inclusive, a possibilidade de que a norma (interpretação) impugnada fosse considerada constitucional, enquanto outras interpretações desconformes não teriam como ser reputadas inconstitucionais, ainda que derivadas da mesma disposição, porque não incluídas na impugnação (pedido). [92] Dessarte, à medida que de determinada disposição derivassem duas ou mais normas, poderia haver igual número de ações a impugnar cada um dos sentidos normativos daquela mesma disposição.

Por conseguinte, acatando sugestão de REVORIO, o objeto do controle abstrato de constitucionalidade parece ser o "complexo normativo" – ao qual o autor deu o nome de preceito [93]formado tanto pela disposição impugnada quanto pela(s) norma(s) dela derivada(s), em outras palavras, pelo significante e seus significados normativos. [94]

Isso não quer dizer, porém, que o tribunal tenha sempre de se valer de complicadas operações para extrair diferenças entre a norma e a disposição em exame. Como foi dito acima, de regra, a cada disposição corresponde uma norma, razão pela qual é indiferente a distinção entre uma e outra. Portanto, o objeto "primário" ou imediato do controle de constitucionalidade costuma ser o texto (disposição). [95] Apenas secundariamente atinge a norma. [96] De fato, o órgão controlador pode declarar a inconstitucionalidade de somente parte da disposição, mas muitas vezes, com isso, não conseguiria o efeito de eliminar todas as conseqüências inconstitucionais advindas do texto impugnado sem também fazer incidir a decisão diretamente sobre os significados dele. [97]

Em determinadas ocasiões, o controle de constitucionalidade não recai propriamente sobre o texto, mas sobre a norma, especialmente nos casos em que a disposição deva ser conservada na íntegra, pois dela se extrai(em) outra(s) interpretação(ões) compatível(is) com a constituição. [98] Do mesmo modo, é a norma que serve de objeto principal do controle quando não haja disposição textual que lhe dê origem expressa (normas não-textuais), como no exemplo das normas obtidas pela interpretação a contrario, [99] ou nas hipóteses em que se registrem disposições "sinônimas", das quais se extraem as mesmas normas. [100]

Contudo isso não significa, como advertiu ZAGREBELSKY, que qualquer norma extraída de uma disposição forneça material idôneo para sustentar eventual declaração de inconstitucionalidade. [101] É preciso que a norma seja ao menos plausível e não puramente hipotética ou fruto de artifício argumentativo ou mesmo de verdadeiro erro hermenêutico. [102] Seria paradoxal que tribunal tivesse de proceder à declaração de inconstitucionalidade de alguma norma tão-só porque a disposição correspondente foi defeituosamente interpretada. [103]

Nesse rumo, ainda que implicitamente, a jurisprudência do STF vem distinguindo entre disposição e norma por via da incorporação de técnicas decisórias ligadas à "interpretação conforme a constituição" e à "declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto", [104] modalidades hoje consagradas pela Lei 9.868/99.

6.2. Objeto propriamente dito do controle da constitucionalidade dos atos omissivos

Com base na exposição a respeito dos tipos de omissão, percebe-se inexistir disposição textual que sirva de objeto ao controle das omissões formais. No entanto, mesmo nessas hipóteses em que não houve providência alguma por parte do órgão inadimplente, existe sim uma norma que se aplica ao caso. Trata-se daquela norma implícita (inconstitucional) obtida como conseqüência da falta de disposição textual. Em outras palavras – e consideradas as diferenças entre disposição e norma –, a omissão inconstitucional radica na ausência de texto ou disposição normativa que gera, a contrario sensu, uma norma implícita que viola a constituição. [105] Ou seja, só se poderia falar em omissão a partir do ponto de vista da disposição, porém não do prisma da norma. [106]

Diversamente, a omissão material manifesta-se quando a disposição possui conteúdo normativo inferior do que aquele que, segundo a constituição, deveria ter. [107] Logo, nesse tipo de comportamento omissivo, ainda que a inconstitucionalidade possa derivar da incompletude do enunciado textual, será esse mesmo enunciado (disposição) o alvo da impugnação. [108]

Dessa forma, partindo da premissa segundo a qual as omissões materiais só se exteriorizam quando insatisfatórios os meios colmatagem da incompleta conformação dos respectivos enunciados, elas vêm sempre acompanhadas da presença de espécie de vontade negativa do órgão inadimplente. [109] Do contrário, não houvesse essa "vontade negativa", ter-se-ia simples lacuna não-intencional na disciplina normativa, o que poderia ser remediado a partir dos vários métodos possíveis de integração de lacunas. [110]

Assim, recorrendo novamente à diferenciação entre disposição e norma, na linha da doutrina italiana [111] e espanhola, [112] é lícito dizer que o objeto da fiscalização de constitucionalidade das omissões materiais recai: ou (a) numa norma explícita que exclui determinadas situações que mereceriam o mesmo tratamento normativo (nas hipóteses de omissões relativas expressas); ou (b) numa norma implícita que decorre da interpretação a contrario sensu do enunciado textual deficitário, "na parte em que não inclui" determinadas providências ou situações que deveriam estar inseridas na disciplina normativa (no caso das omissões parciais e relativas implícitas).

A propósito, falando sobre as omissões relativas (implícitas), REVORIO sustenta o seguinte. Ou se deve considerar que é o ato normativo que exclui implicitamente o suposto não previsto, fazendo com que o problema se desloque para a inconstitucionalidade desse próprio ato, na "parte em que não prevê" o que constitucionalmente deveria prever; ou então se deve entender que não há tal norma implícita, razão por que não existe nenhum obstáculo normativo para realizar uma interpretação extensiva, analógica ou sistemática que permita aplicar ao suposto não previsto as conseqüências expressamente assinaladas no preceito questionado. [113]

Obviamente, não cabe nas pretensões deste trabalho analisar a partir de quais tipos de formulações lingüísticas se pode ou não identificar uma omissão inconstitucional. [114] Deve-se apenas ressaltar que, mesmo nas hipóteses em que há exclusão implícita, a omissão será em certo sentido imprópria (ou puramente textual), pois já existe norma aplicável ao suposto não expressamente previsto. [115] E essa norma é aquela que termina, implicitamente, por não contemplar ou por discriminar determinadas pessoas, fatos ou situações da esfera de aplicação da disposição textual. Se uma lei concede pensão às "filhas" de "militares", está implicitamente discriminando os "filhos" dos "não-militares", e assim por diante. Nesses casos, detectada a presença de inequívoca "vontade negativa" do legislador, não cabe usar nenhuma interpretação ou sistema de colmatagem de lacuna que possa validamente negar a existência da norma implícita de exclusão. [116]

Em outras palavras, se a tentativa exegética de corrigir incompletudes em determinado ato normativo esbarrar na presença da "vontade negativa" do órgão que o criou, já que este órgão conscientemente resolver excluir ou não incluir alguma situação do programa normativo produzido, não há como fugir da existência de juízo de valor quanto à constitucionalidade de uma norma explícita ou implícita decorrente da disciplina editada.

Daí se percebe que as omissões materiais radicam tecnicamente numa norma decorrente da incompletude da disposição textual interpretada, o que gera controvérsias sobre se devem ser atacadas no âmbito da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão ou na da inconstitucionalidade por ação. Esse tema é dos mais polêmicos e será tratado no item seguinte.

Sobre o autor
Juliano Taveira Bernardes

juiz federal em Goiás, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB), ex-membro da magistratura e do Ministério Público do Estado de Goiás, membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDES, Juliano Taveira. Novas perspectivas do controle da omissão inconstitucional no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 539, 28 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6126. Acesso em: 23 dez. 2024.

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