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A angústia da toga

Reflexões sobre o papel do magistrado e os efeitos do seu poder decisório no processo penal brasileiro

Agenda 20/10/2017 às 13:59

No ordenamento jurídico brasileiro, os princípios processuais penais servem de direção para o papel do magistrado, diante dos casos concretos, levando-o a um caminho de necessidade, angústia, e desespero, antes de chegar a uma solução final do litígio.

Sabe-se que o magistrado, em nosso atual ordenamento jurídico, encontra-se em uma posição cooperativista com as demais partes processuais, bem como, guiando o processo não de maneira autoritária, mas sim como garantidor da proteção de direitos e garantias fundamentais dos envolvidos na persecução criminal. Diante disso, o juiz, munido de seus poderes instrutórios e executórios, é guiado por alguns princípios processuais penais que auxiliam e dão escopo para a sua atuação, dentre eles: o princípio do juiz natural, o princípio do livre convencimento motivado, o princípio da vedação das provas ilícitas, e o princípio da imparcialidade.

 Através disso, o princípio do juiz natural busca a segurança jurídica no sentido de garantir ao processo um magistrado único, respeitado os seus limites jurisdicionais e que se torne elemento essencial para o desencadeamento da persecução penal, bem como, e relacionado a este, temos o princípio do livre convencimento motivado, dando ao juiz o poder de decidir de acordo com a apreciação de provas, repetidas ao longo do processo, diante do contraditório judicial, salvo nos casos previstos no artigo 155, segunda parte, do Código de Processo Penal, como por exemplo, na produção antecipada de provas devido ao risco de perecimento desta. Ressalta-se que é importante que o juiz aprecie as provas trazidas pela acusação e defesa, partes processuais, e as analise com o escopo de não “contaminar” todo o processo, com uma prova ilícita, por exemplo, no caso de flagrante preparado ou aguardado, como preleciona, assim, a denominada “Teoria dos frutos da árvore envenenada”.

Destarte, o princípio da vedação das provas ilícitas possui a finalidade de blindar a persecução criminal de possível ilegalidades que prejudiquem o caminho processual, e além disso, o princípio da imparcialidade não deve ser compreendido, apenas, com o significado de que o juiz não deva pender para um dos lados do processo, ou seja, acusação ou defesa; superando isto, o princípio da imparcialidade “implica na postura de um magistrado que cumpra a Constituição, de maneira honesta, prolatando decisões suficientemente motivadas. Isso não induz que o juiz se abstraia de seus valores para que exerça seu mister” (ALENCAR; TÁVORA, 2015, p.53), logo, mais que decidir, o juiz deve percorrer um caminho que não o leve a neutralidade, mas sim o que se procura no processo: a verdade material, pois a verdade real não poderá mais ser repetido, por ter ficado no passado dos fatos.

Assim, decidir não é o simples ato de “bater o martelo” e declarar por fim o processo, mais que isso: o magistrado deve trilhar caminhos que muitas vezes seus verdadeiros valores intrínsecos, não só como ser humano, mas sim como próprio juiz, são postos em xeque pelas circunstâncias do caso concreto, pois “o meio mais provado e aprovado para ficar livre das dúvidas do espírito consiste em – quanto antes tanto melhor – tornar-se desprovido de espírito” (KIERKEGAARD, 2011, p.127), exigindo assim, uma postura da figura do magistrado diante do seu poder de decidir.

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Porém, há situações que o juiz deve abandonar o seu estado de inocência e sofrer com a angústia de decidir, pois tudo o que está diante de sua figura, exige uma solução concreta e efetiva. Dessa forma, o magistrado é guiado por dois elementos que, inconscientemente, o levam para decisões possíveis, e passíveis de soluções: a própria necessidade, e o simples ato de se desesperar. Logo, a necessidade é o sinônimo de alcançar, por si só, diante de uma figura superior, o patamar da angústia, e assim, questionar-se sobre os fatos que estão ocorrendo, de maneira concomitante, a angústia de decidir levará o juiz a um patamar a questionar sobre si mesmo, ou seja, haverá situações em que seus próprios valores e conceitos o levarão a decidir de uma forma, quando o correto seria outra. A problemática surge nesse ponto: a solução, verdadeiramente, mais correta, é aquela em que o juiz freia suas influências internas para tentar alcançar a neutralidade no processo? Há o que se acredita que imparcialidade não é o mesmo que neutralidade, pois o juiz, como um ser humano, é passível de sofrer influências, porém, e necessário que este consiga freia-las, para que a proporcionalidade e adequação, ao caso concreto, reflitam na solução final.

Assim sendo, a problemática a cerca da angústia do poder de decidir do juiz, reflete, principalmente, em como é essencial a observâncias dos princípios processuais penais, defendidos no ordenamento jurídico brasileiro, para que estes o guiem no caminho da necessidade, angústia, e desespero, em um ponto de vista mais filosófico, e para que assim, diante das partes envolvidas no processo, possa se chegar à verdade material, e uma solução mais célere e imparcial (não neutra) para o caso concreto.

 

REFERÊNCIAS

KIERKEGAARD, Soren. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário/ Soren Aabye Kierkegaard; tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls. -Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011. (Coleção Vozes de Bolso).

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. – 10ª ed. revis. ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2015.

 

 

 

Sobre a autora
Elenita Araújo

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Tiradentes (UNIT).

Informações sobre o texto

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