1. Breves Definições
Antes de adentrar na questão principal deste artigo, qual seja a responsabilidade civil do Cirurgião Plástico, faz-se necessário, preliminarmente, discorrer, ainda que de forma rasa, acerca de alguns pontos básicos, porém de grande importância para que o assunto possa ser entendido de forma clara e indubitável.
1.1 Responsabilidade Civil
A Responsabilidade Civil é um Instituto Jurídico basicamente definido pela ideia de que, aquele que, por ação ou omissão, causar dano a outrem sofrerá aplicação de medidas que o compilam a reparar o dano que ocasionou.
O doutrinador Stolze (2011, p. 51) conclui com primazia que:
A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.
Constata-se a presença de três elementos essenciais da Responsabilidade Civil: conduta (negativa ou positiva), dano e nexo de causalidade.
1.2 O que é Cirurgia Plástica
A cirurgia plástica consiste em um procedimento cujo fim é o aperfeiçoamento do corpo e a incorporação de melhorias funcionais e de autoestima. A cirurgia pode ser:
A. Estética: realizada com o objetivo de melhorar a aparência de determinada região do corpo.
B. Reparadora ou de correção: tem como fim a correção dos mais diversos tipos de deformidade física congênita ou traumática, como queimaduras, reconstrução mamarias após cirurgia de câncer de mama, etc.
Segundo o site Saúde, um levantamento divulgado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) mostra que a realização desses procedimentos cresceu bastante nesse ano, tanto em se tratando de operações estéticas, quanto reconstrutoras. De acordo com o site, em comparação com o ano de 2014 o numero dessas intervenções para fins reconstrutores ou estéticos cresceu 23% e 8%, respectivamente.
É inegável que o acesso a esse tipo de procedimento tem se tornado gradativamente mais viável, de forma que o julgador há de atentar-se para o caso concreto com boa vontade ao analisar a existência de responsabilidade, a fim de evitar qualquer tipo de abuso.
2. Obrigações de Meio, Obrigações de Resultado e a Cirurgia Plástica.
Uma obrigação de meio é aquela em que o profissional se compromete a utilizar seus conhecimentos técnicos a fim de obter determinado resultado, mas não se responsabiliza pelo efetivo alcance dele. De acordo com Farias e Rosenvald (2015, p. 292): Nas obrigações de meio, o devedor não estaria obrigado à obtenção do resultado, mas apenas a atuar com a diligência necessária para que esse resultado seja obtido.
Já na obrigação de resultado o devedor se obriga a alcançar um determinado resultado. Ensina Gonçalves (2014 p.133): Quando a obrigação é de resultado, o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso.
Como visto em tópico anterior, a cirurgia plástica se divide em duas modalidades, a estética e a de reparação ou correção. Em se tratando de cirurgia reparadora, nos ensina Filho (2012, p.416):
O médico, nesses casos, por mais competente que seja, nem sempre pode garantir, nem pretender, eliminar completamente o defeito. Sua obrigação, por conseguinte, continua sendo de meio. Tudo fará para melhorar a aparência física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo, às vezes, necessárias várias cirurgias sucessivas.
Assim sendo, nos casos em que a cirurgia plástica tem por objetivo a correção de deformidade física congênita ou traumática, o cirurgião se compromete a realizar as diligências necessárias e da melhor forma possível, todavia, não se responsabiliza pelo resultado, de forma que a obrigação é de meio e não de resultado.
Em contrapartida, nos casos de cirurgia estética, o paciente busca o aprimoramento de sua aparência física, ele vai até o médico com um desejo convicto de melhorar determinada região do corpo realizando um procedimento especifico, afinar o nariz, colocar silicone, eliminar as rugas, etc. Neste caso, para a grande maioria da doutrina e jurisprudência, há o entendimento de que o profissional toma para si a obrigação de alcançar o resultado que lhe foi proposto, de forma que se o resultado pretendido não for possível, o cirurgião deverá informar imediatamente ao paciente e se recusar a realizar o procedimento, sob pena de incorrer em responsabilidade médica.
Esclarece Filho (2012, p. 416):
Nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto nodal, conforme já salientado, será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.
É relevante exprimir que existem discussões acerca do tema, pois há quem acredite que o cirurgião plástico não assume obrigação diferente daquela que os demais cirurgiões assumem, pois as cirurgias plásticas encontram-se submetidas aos mesmos riscos das restantes. Nesse sentido, relata Cavalieri Filho (2012, p.416)
Há quem conteste tanto na doutrina estrangeira como na doutrina brasileira, assumir o médico obrigação de resultado na cirurgia estética. O eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., depois de anotar que a orientação hoje vigente na França, na doutrina e na jurisprudência, se inclina por admitir que a obrigação a que está submetido o cirurgião plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois corre os mesmos riscos e depende da mesma álea, endossa esse entendimento, tendo em vista que em toda operação existe um risco ligado à reação do próprio organismo humano, tipo de pele extremamente sensível, infecção hospitalar etc., situações muitas vezes imprevisíveis e que não podem ser imputadas ao médico. A eventual falta de informação precisa sobre o risco, e a não obtenção de consentimento plenamente esclarecido, arremata o ilustre Ministro, conduzirão à responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de meios (RT 718/40).
3. A obrigação de indenizar
Apesar das mencionadas divergências existentes, é maciço o entendimento de que o profissional que aceita realizar uma cirurgia estética assume uma obrigação de resultado, de forma que possui o dever de dar ao paciente o resultado pretendido. Essa constatação leva a outra questão de relevante valor trazida por Sergio Cavalieri Filho (2012, p. 417): e como se justifica essa obrigação de resultado do médico em face da responsabilidade subjetiva estabelecida no Código do Consumidor para os profissionais liberais? Segundo o autor, isso só seria um problema para aqueles que entendem que a obrigação de resultado sempre incorre em responsabilidade objetiva, o que, na opinião do autor e de grande parte da doutrina e da jurisprudência, está equivocado.
O que vai haver é a presunção de culpa e a inversão do ônus da prova, bastando que o paciente demonstre como ocorreu o dano e o nexo de causalidade. Mas, é preciso cuidar do fato de que a culpa aqui é relativa, podendo o médico provar que não agiu com culpa, como em caso fortuito ou força maior.
Conclui o mencionado doutrinador (2012, p.417): Em conclusão, no caso de insucesso na cirurgia estética, por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do médico que a realizou, cabendo- lhe elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afastar o seu dever de indenizar.
Sendo comprovada que houve culpa do profissional pelo dano ocasionado, este será compelido a indenizar a vítima. Segundo Gonçalves (2012, p.238):
Se o cliente fica com aspecto pior, após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constituía a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito à pretensão indenizatória. Da cirurgia malsucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado não alcançado. A indenização abrange, geralmente, todas as despesas efetuadas, danos morais em razão do prejuízo estético, bem como verba para tratamentos e novas cirurgias.
A indenização deverá ser ampla, abrangendo tanto os danos materiais quantos os danos morais decorrentes da frustração provocada e, muitas vezes, da piora ou de novos danos estéticos, tendo em vista que a aparência física possui grande peso na autoestima do ser humano que, por sua vez, constitui peça fundamental na vida de cada individuo, tendo em vista que a forma como alguém se enxerga e se sente acerca de si mesmo afeta todos os âmbitos de sua vida, desde o profissional ao familiar, amoroso, etc.
REFERÊNCIA
ÁRIAS, Elisangela Fernandes. Responsabilidade Civil do Médico Cirurgião Plástico. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=142#_ftn5>. Acesso em: 27 out. 2017;
BARÇA, Marcelo. Cirurgia plástica estética implica obrigação de resultado. 02 ago. 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-ago-02/opiniao-cirurgia-plastica-estetica-implica-obrigacao-resultado>. Acesso em: 27 out. 2017;
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, volume 2: Obrigações. 9º ed. São Paulo: Atlas, 2015;
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10º ed. São Paulo: Altlas, 2012;
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade civil. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2011;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 2: Teoria Geral das Obrigações. 11º ed. São Paulo: Saraiva, 2014;
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 4: Responsabilidade Civil. 7º ed. São Paulo: Saraiva, 2012;
Revista Consultor Jurídico. Cirurgião plástico deve garantir êxito do procedimento estético. 19 set. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-jan-14/cirurgiao-plastico-garantir-exito-procedimento-estetico>. Acesso em: 27 out. 2017.
VIEIRA, Vand. Cresce o número de cirurgias plásticas no Brasil. 24 jul. 2017. Disponível em: https://saude.abril.com.br/medicina/cresce-o-numero-de-cirurgias-plasticas-no-brasil/>. Acesso em: 27 out. 2017