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Parcela de preço específica: sua natureza tributária.

A legitimidade "ad causam" das distribuidoras de combustível

Agenda 19/01/2005 às 00:00

O advento da Lei nº 10.336/01, que instituiu a CIDE – Combustíveis, trouxe à tona uma discussão, até então não suscitada, em torno da antiga e conhecida "Parcela de Preço Específica" que era inserida no preço dos combustíveis.

INTRODUÇÃO

            O advento da Lei 10.336/01, que instituiu a famigerada CIDE – Combustíveis, trouxe à tona uma discussão, até então não suscitada, em torno da antiga e conhecida "Parcela de Preço Específica" que era inserida no preço dos combustíveis.

            Postos revendedores e distribuidoras de combustíveis, ou as associações coletivos de ambos, atentaram para o fato de que a citada CIDE fora instituída "em substituição" à "Parcela de Preço Específica" (PPE), antiga quantia oriunda de normas infralegais do Poder Executivo que onerava o preço dos combustíveis. Passaram, então, a bater às portas do Judiciário com intuito de ver declarada a inconstitucionalidade de referida parcela, por desobediência ao princípio da estrita legalidade, cumulando, em conseqüência, pedido de compensação (ou restituição) dos valores pretéritos supostamente indevidos com os montantes da atual CIDE.

            Com a ajuda do Governo Federal, que divulgou abertamente a tal "substituição" da PPE pela CIDE, as empresas passaram a demonstrar que a antiga parcela detinha natureza tributária (afinal, estava sendo substituída por um tributo que teria rigorosamente as mesmas características e funções) e que, por isso, não poderia ser instituída por norma infralegal, nem desrespeitar qualquer outro princípio regente da tributação.

            De tal investida, até agora, decorreram poucas manifestações dos Tribunais, dado o frescor da matéria. Pouco a pouco, todavia, percebe-se que os juízes e desembargadores (em decisões monocráticas) que já se debruçaram sobre o tema, têm-se inclinado favoravelmente à tese dos contribuintes, declarando incidenter tantum a inconstitucionalidade da PPE (inobstante, em consonância com a consolidação jurisprudencial, os indeferimentos liminares de compensação – Súmula 212, do STJ).

            Além da natureza da parcela, também é alvo de discussão a legitimidade (postos, distribuidoras ou refinarias) para pleitear tais valores em face do que dispõe o art. 166, do CTN, relativo a "transferência" dos encargos tributários na cadeia produtiva.

            Destarte, em face deste quadro e da oportunidade que tivemos de estudar o tema, é que se justifica o presente artigo. Oferecemos nossa singela contribuição para o deslinde da questão arrimando nossa exposição em um breve balanço histórico dos preços de petróleo no país, seguida da análise da natureza da parcela e do estudo sobre a legitimidade para pleitear os valores da PPE.


INSTITUIÇÃO DA PARCELA DE PREÇO ESPECÍFICA

            Desde os idos anos de instituição da Petrobrás, a formação do preço de derivados de petróleo no país se dava pela agregação de diversos fatores presentes ao longo da cadeia composta pela atividade de refino, distribuição e revenda O preço dos derivados era estipulado pelo tabelamento governamental que já previa todos os custos e margens de lucro dos integrantes da cadeia produtiva.

            Tal sistema, a partir de 1978, era caracterizado pela equalização dos preços dos derivados em todas as localidades do país (não mais apenas a nível do atacado). O Governo havia criado o Frete de Uniformização de Preços (FUP) com o intuito de equalizar os preços tão distoantes em face do imenso território do país. Essa quantia era imbutida (um "plus" que antes de 1978 não existia) no preço dos produtos que saiam da refinaria (preço de faturamento) para posterior ressarcimento do transporte feito pelas distribuidoras.

            Através dessa sistemática, as distribuidoras eram responsáveis pelo transporte dos produtos, sendo posteriormente ressarcidas, em sua integralidade, através dos fundos arrecadados pelo FUP. Assim, independente da localidade e da distância, os custos para as distribuidoras eram equivalentes, visto que ressarcidos na proporção em que eram gastos. Fosse para o Acre ou para São Paulo, os custos eram os mesmos, já que os gastos com os transportes eram todos ressarcidos. Dessa forma, uniformizavam-se os preços. Outrossim, a referida arrecadação se prestava ainda a subsidiar o álcool, sendo as "sobras" contabilizadas em uma conta (Conta Derivados) junto ao órgão regulador.

            A partir da década de 90, com o inicio do processo de desregulamentação do mercado, o Governo Federal liberou a equalização dos preços. Precisamente em 1998, com a Portaria Interministerial dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda nº3, de 27 de julho de 1998, o mercado de derivados de petróleo ganhou nova feição, tendo sido iniciada a fase de transição para a abertura total a ser feita quase 4 anos mais tarde.

            Com o citado instrumento normativo, foi extinta a parcela do FUP e criada em seu lugar a Parcela de Preço Específica, que, da mesma forma, compunha o preço de faturamento da refinaria.

            Assim, ficaria, em regra, tabelado o preço nas refinarias (incluindo a PPE) e liberado o preço para as distribuidores e postos varejistas. O FUP, nesse contexto, não teria mais sentido, pois o transporte dos produtos ficaria por conta das distribuidoras que não mais seriam ressarcidas.

            Todavia, a expressiva arrecadação da FUP, a essa altura, se destinava a objetivos que ultrapassavam a mera uniformização de preços. O Governo Federal ainda intentava a utilização desse montante para cobrir os subsídios cruzados (entre derivados do petróleo), os subsídios do álcool; os subsídios ao transporte em regiões muito remotas.

            Além disso, era necessária parcela que servisse como "amortecedor" das eventuais flutuações no mercado internacional de petróleo e/ou a cotação do real que, por decisão do Governo, não fossem transferidas para o consumidor. Restava, ainda, a necessidade de ressarcimento dos créditos da Petrobrás, decorrente de saldos das contas junto ao órgão regulador.

            Daí, em substituição a FUP, fora criada a Parcela de Preço Específica para suportar todos estes gastos. Na norma instituidora da exação, em seu art. 4º, a literalidade do dispositivo se reporta ao art. 13, da Lei 4.452/64, afirmando que a parcela se destina ao ressarcimento dos custos previstos no citado art. 13. De forma conciliadora e em adaptação a nova sistemática dos preços do petróleo, pode-se dizer que a interpretação sistemática e histórica da norma leva à conclusão de que o art. 13, da Lei 4.452/64 se refere aos custos gerais extra-refinaria que correspondem ao acima exposto (subsídios, transporte, flutuações cambiais e etc).

            A PPE, pois, restou instituída em manifesta substituição a arrecadação do FUP. (Veja-se que o Governo Federal, em sua histórica necessidade arrecadatória, jamais iria extinguir uma exação de tamanha relevância e utilidade, sem substituí-la por outra, muito embora tenham seus reais fins perecido)


DA NATUREZA TRIBUTÁRIA DA PPE

            À luz do art. 3º, do CTN, e dos vastos ensinamentos da doutrina pátria, não resta dúvida quanto à natureza tributária da Parcela de Preço Específica.

            Sem maiores elucubrações, a literalidade do art. 3º, do CTN, nos fornece os elementos caracterizadores de um tributo, in verbis:

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            "Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda, ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."

            Acrescentando os ensinamentos doutrinários, temos que tributo tem os seguintes elementos: i) prestação imposta unilateralmente pela lei; ii) de direito público; iii) obrigação ex-lege; iv) não contraprestacional, nem sanção por ato ilícito; v) obrigação inderrogável ou indisponível.

            A PPE é inegavelmente prestação pecuniária compulsória. Devia ser paga na aquisição dos derivados ainda na refinaria por imposição unilateral do Poder Público.

            É obrigação decorrente "de lei" (no caso, houve esdrúxula instituição por norma infralegal) e é de direito público. A vontade do contribuinte é irrelevante.

            Não é contraprestacional. Fica claro pela regulamentação dos preços que a quantia da PPE se destina ao Governo Federal, enquanto o preço de realização, que corresponde à contraprestação, é destinado à refinaria.

            Obviamente, a obrigação da PPE não decorre de ato ilícito. Pelo contrário decorre da própria lei, sendo indisponível, pois o credor não pode modificá-la, nem o devedor pode deixar de cumpri-la conforme exigido.

            Ademais, a PPE também não pode ser caracterizada como preço público. Aliás, nem a mais aguçada criatividade conseguiria enquadrar tal parcela nesse instituto.

            Observe-se que, muito embora a doutrina divirja quanto à exata conceituação do preço público, um dos seus elementos é inquestionável, qual seja, a contratualidade. E esse ponto já é suficiente para afastar o argumento tendente a caracterizar a PPE como preço público. Isto porque tal parcela não decorre de contrato.

            Demais disso, estando precisada a natureza tributária da Parcela de Preço Específica e afastada a possibilidade de caracterizá-la como preço público, em que pese sua denominação, só nos resta determinar-lhe a espécie tributária (imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição "especial" ou empréstimo compulsório).

            De pronto, afastamos o imposto por ter como característica fundamental a desvinculação (art. 16, do CTN). Ou seja, as receitas oriundas dessa espécie de tributo são completamente desvinculadas de qualquer fim, fundo ou prestação específica, devendo o montante da arrecadação se destinar aos gastos ordinários de dado Estado. Obviamente, não é o caso da PPE que tem finalidades específicas conforme exposto acima

            Quanto à taxa, também não há como enquadrar a PPE em sua conceituação. A citada parcela não remunera serviço público específico e indivisível, nem muito menos o exercício de poder de polícia (art. 145, inciso II, da CF). Pelo contrário, a PPE tem como fato gerador a venda dos derivados de petróleo pela refinaria e não a prestação de dado serviço.

            Contribuição de Melhoria não é, pois não decorre de obra pública (art. 145, inciso III, da CF). Empréstimo Compulsório; muito menos, já que não se destina a atender despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública ou de guerra, nem de caso de investimento público de caráter urgente e relevante (art. 148, da CF).

            Resta, pois, a possibilidade de encartá-la como contribuição "especial". E neste conceito é possível vislumbrá-la.

            As contribuições "especiais" não têm uma definição pacífica fixada pela doutrina e pela jurisprudência pátria. Nem mesmo sua denominação e sua natureza estão livre das controvérsias hodiernas.

            Todavia, sem enveredar por essa tortuosa discussão, podemos afirmar que o elemento nuclear das contribuições sociais é o seu caráter de parafiscalidade latu sensu.

            Ou seja, as contribuições "especiais" são tributos que tem uma finalidade constitucional específica diferente do intuito de arrecadação. São espécies que se destinam à realização de um fim constitucional, seja o custeio da seguridade social, seja a intervenção em dado domínio econômico, seja a realização do interesse de categorias profissionais ou econômicas.

            Sua arrecadação, pois, visa custear a realização de um fim constitucionalmente previsto. Esse ponto é justamente a parafiscalidade latu sensu a que se refere a doutrina.

            No caso sub eximane, nos parece cristalino o enquadramento da PPE com contribuição "especial". Tal parcela, além de não se enquadrar nas espécies tributária vistas, perfaz ainda o elemento caracterizador da contribuição "especial" que é a parafiscalidade.

            Não resta dúvida de que o intuito da PPE não é meramente arrecadatório. Pelo contrário, sua instituição tem a função de intervir no mercado de derivados de petróleo para possibilitar subsídios, evitar variações incessantes de preços ao consumidor, possibilitar o transporte dos produtos a áreas remotas dentre outras finalidades. A PPE era, pois, contribuição de intervenção no domínio econômico nos termos do art. 149, da CF.

            Tanto isso é verdade que a arrecadação da PPE em dezembro de 1998 foi de R$ 495 milhões, e, em janeiro de 1999, com a desvalorização do real em relação ao dólar, houve uma queda abrupta, passando para R$ 130 milhões. Isso mostra que a parcela servia como mecanismo de intervenção econômica que utilizava o Governo Federal para "amortecer" as mudanças no câmbio. Quando a moeda nacional desvalorizava ou o preço do petróleo no globo subia, a PPE era reduzida para não haver repasse de tais flutuações para os consumidores finais. (1)

            Reforça a tese, a instituição, através da Lei 10.336/01, da "CIDE-Combustíveis" em substituição à PPE.


DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PPE

            Pelo acima exposto são dispensáveis maiores considerações acerca da impossibilidade da cobrança da Parcela de Preço Específica.

            Como exação de caráter tributário teria necessariamente que seguir os ditames dos arts. 150, inciso I, da Carta Magna e 97, do CTN, devendo ser instituída por lei (princípios da reserva legal e da tipicidade cerrada).

            Nesse sentido, os primeiros pronunciamentos do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sob a relatoria do Excelentíssimo Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, in verbis:

            Origem: TRIBUNAL - QUINTA REGIAO

            Agravo Reg no Agravo de Instrumento 45729

            Processo: 200205000269322 – PE

            Órgão Julgador: Terceira Turma

            DJ: 18/02/2003 - Página::935

            Relator(a) Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho

            TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PARCELA DE PREÇO ESPECÍFICA - PPE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. COMPENSAÇÃO. MEDIDA SATISFATIVA.

            1. O PEDIDO DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE, ATÉ O MONTANTE CORRESPONDENTE AO VALOR RECOLHIDO A TÍTULO DE PARCELA DE PREÇO ESPECÍFICA - PPE, ENTRE AGOSTO DE 1998 E DEZEMBRO DE 2001, DEVE SER ACOLHIDO, EM RAZÃO DA PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS, JÁ QUE FORAM LEVANTADOS RAZOÁVEIS ARGUMENTOS NO SENTIDO DA INCOMPATIBILIDADE DA COBRANÇA DE TAL PARCELA COM O ORDENAMENTO JURÍDICO.

            2. QUANTO À COMPENSAÇÃO, APESAR DE SUA NATUREZA PRECÁRIA E DA NECESSIDADE DA HOMOLOGAÇÃO DA DITA COMPENSAÇÃO PELO FISCO, NÃO PODE SER DEFERIDA EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, EM FACE DA PROVISORIEDADE QUE A CARACTERIZA.

            3. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.


DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA PLEITEAR A COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO

            Conforme exposto acima, a PPE surgiu em substituição à FUP e, como tal, integrava o preço de faturamento da refinaria. Em termos concretos, o preço dos produtos ao sair da refinaria para as distribuidoras (preço de faturamento) era composto pelo preço de realização, que custeava os gastos da refinaria, as parcelas de PIS e COFINS e a Parcela de Preço Específica. Em singela expressão numérica: PFat = PReal + PIS/COFINS + PPE. (Portarias Interministeriais dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda nº 03/98 e 149/99) (2)

            Esta sistemática, durante todo o período de cobrança da PPE – Agosto de 1998 a Dezembro de 2001, permaneceu inalterada, sendo seus valores fixados pelo Governo Federal através das Portarias Interministeriais dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda e da Agência Nacional de Petróleo.

            O Preço de Realização servia para custear o processo de refino e era direcionado à refinaria (central petroquímica); as parcelas de PIS e COFINS correspondiam a aplicação das alíquotas sobre as operações realizadas e, por fim, a Parcela de Preço Específica era quantia fixada (PFat – PReal – PIS/COFINS) e recolhida à Conta Única do Tesouro Nacional. (3)

            Essa sistemática, como se vê, obrigava a refinaria a recolher os valores relativos à PPE, nos termos da Portaria nº 56/00, da ANP. Assim, em outros termos, a central petroquímica fazia o papel de contribuinte da referida "CIDE", mas, em contrapartida, não arcava com o ônus financeiro do tributo, pois todos os seus custos eram cobertos pelo preço de realização.

            Do ponto de vista do direito tributário, tal assertiva vai nos levar necessariamente ao tortuoso e debatido art. 166, do Código Tributário Nacional. Isto porque corresponde justamente ao debate sobre repercussão jurídica e financeira de tributos.

            O citado dispositivo assim dispõe:

            "Art. 166. A restituição de tributos que comportem por sua natureza transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebâ-la."

            Diante do já avançado nível de estudo que gravita em torno do tema, nos limitamos a concluir que o dispositivo se refere aos casos em que haja "transferência jurídica" do tributo, e não mera "transferência financeira" que, a rigor, ocorre com qualquer tributo.

            Assim, o art. 166, do CTN, estaria se referindo àqueles casos em que a lei expressamente transfere o encargo a outrem e ainda àqueles que por sua natureza são "construídos" juridicamente para repercutir (tributos indiretos).

            A pacífica jurisprudência do STJ assim dispõe:

            TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. COMPENSAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO. TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO O CONSUMIDOR FINAL. ART. 166, DO CTN. ILEGITIMIDADE ATIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA. SALDOS CREDORES ESCRITURAIS. MATÉRIA DE DIREITO LOCAL. PRECEDENTES.

            (...)

            3. A respeito da repercussão, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 10/11/1999, julgando os Embargos de Divergência nº 168469/SP, nos quais fui designado relator para o acórdão, pacificou o posicionamento de que ela não pode ser exigida nos casos de repetição ou compensação de contribuições, tributo considerados diretos, especialmente, quando a lei que impunha a sua cobrança foi julgada inconstitucional. (...)

            5. Tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência.

            6. Somente em casos assim aplica-se a regra do art. 166, do Código Tributário Nacional, pois a natureza, a que se reporta tal dispositivo legal, só pode ser a jurídica, que é determinada pela lei correspondente e não por meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, a aludida transferência.

            7. Na verdade, o art. 166, do CTN, contém referência bem clara ao fato de que deve haver pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito, identificação se o tributo, por sua natureza, comporta a transferência do respectivo encargo financeiro para terceiro ou não, quando a lei, expressamente, não determina que o pagamento da exação é feito por terceiro, como é o caso do ICMS e do IPI. A prova a ser exigida na primeira situação deve ser aquela possível e que se apresente bem clara, a fim de não se colaborar para o enriquecimento ilícito do poder tributante. Nos casos em que a lei expressamente determina que o terceiro assumiu o encargo, necessidade há, de modo absoluto, que esse terceiro conceda autorização para a repetição de indébito.

            8. O tributo examinado (ICMS) é de natureza indireta. Apresenta-se com essa característica porque o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mercadoria, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumidor de seus produtos. Não assume, portanto, a carga tributária resultante dessa incidência. Em conseqüência, o fenômeno da substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, ocorre na exigência do pagamento do imposto do ICMS.

            9. A repetição do indébito/compensação do tributo debatido não pode ser deferida sem a exigência da repercussão. Ilegitimidade ativa ad causam das empresas recorridas configuradas. (...)

            (AgResp 436.894/PR - STJ – 1ª Turma – Min. Relator José Delgado – Dezembro/2002)

            Observando a sistemática de regulamentação de preços dos derivados de petróleo à luz do que se interpreta do art. 166, do CTN, chega-se a seguinte conclusão:

            A central petroquímica é quem recolhe o tributo, sendo considerada o contribuinte de direito. Conforme a disposição das normas instituidoras da PPE (Portarias Interministeriais dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda nº 03/98 e 149/99), a exação é um plus acrescido ao montante do preço de realização, que remunera todos os custos oriundos do refino e a margem de lucro correspondente. Assim, a central petroquímica, a despeito de ser contribuinte da exação, não arca com o ônus financeiro da PPE, pois já tem todos os seus custos e lucros cobertos. Seu papel é de adicionar a PPE, incluindo-a no preço praticado com as distribuidoras.

            As distribuidoras, por sua vez, adquirem os produtos da central petroquímica com a PPE embutida. Nessa etapa da cadeia produtiva, a parcela é absorvida, compondo os custos gerais da atividade de distribuição.

            Tais empresas acabam arcando com o encargo tributário transferido da etapa anterior. Comportam-se, pois, como contribuintes de fato.

            Observe-se que esse caso enquadra-se justamente nas hipóteses previstas pela a doutrina e pela jurisprudência de repercussão jurídica, diferente da mera repercussão financeira.

            A lei expressamente transfere ao terceiro o ônus do tributo quando prevê uma sistemática de tabelamento governamental que separa todo o custo e lucro do contribuinte de direito (central petroquímica) do encargo financeiro tributário (PPE), remetendo, assim, para o ente posterior da cadeia, o ônus da exação.

            A repercussão jurídica da PPE é assaz cristalina que nos permite, inclusive, não adentrar na análise mais complexa da repercussão que se dá nos tributos indiretos, como IPI e ICMS.

            O eterno professor Hugo de Brito Machado, em intocável Parecer assim ementado "CIDE. LEI N.º 10.336/2002. DISTRIBUIDORES E VAREJISTAS DE COMBUSTÍVEIS. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM", traz brilhante exposição sobre a questão da repercussão jurídica que ocorre com a "CIDE-Combustíveis" (Lei 10.336/02) exatamente no momento da transação entre refinaria e distribuidoras, in verbis:

            "De fato, as refinarias têm o chamado "preço de realização do produtor", o qual remunera todos os seus custos, inclusive tributários (tributos diretos), e sua margem de lucro. Como um plus sobre esse "preço de realização", de sorte a formar o preço exigido dos distribuidores de combustíveis, incidem ICMS, PIS, COFINS e CIDE, em clara demonstração de transferência jurídica de seu ônus financeiro para os compradores. São as próprias regras da Agência Reguladora (ANP) que viabilizam a incidência de tais encargos como um plus que, por isso mesmo, não é suportado pela refinaria (vendedora), mas pelo distribuidor (comprador), parte vinculada à operação de comercialização que consiste no fato gerador do gravame. (4)

            Não resta dúvida, pois, de que as distribuidoras são contribuintes de fato do tributo, tendo que "acomodá-lo" dentre os seus custos com a atividade de distribuição.

            Com relação à etapa seguinte, a distribuição para os postos varejistas, não há que se falar em repercussão jurídica, pois não há previsão legal de transferência, nem há ônus direto a ser embutido no preço, senão financeiramente em virtude da etapa anterior.

            Mais uma vez é cristalina a lição de Hugo de Brito Machado:

            "Na comercialização, por seu turno, percebe-se que a CIDE onera uma operação, ou um fato realizado entre duas pessoas. Afinal, a venda do combustível pela refinaria (fato gerador) não ocorre sem que haja um comprador, e as condições nas quais ocorre citada operação viabilizam o integral repasse do encargo financeiro para aquele que adquire o produto. Tudo ocorre nos exatos termos em que a jurisprudência do STJ considera haver repercussão jurídica do encargo financeiro. Essa repercussão ocorre juridicamente entre a refinaria e o distribuidor, os dois sujeitos envolvidos no fato gerador, e de modo meramente financeiro do distribuidor para o varejista, e deste para o consumidor final, pois a CIDE, nesses momentos subseqüentes, não mais onera diretamente o preço praticado, estando nele embutida apenas financeiramente, em virtude de operação ocorrida etapas antes."

            Por fim, ratificando o esposado vale relembrar que a PPE é substituta do antigo FUP (Frete de Uniformização de Preços) que foi parcela adicional ao preço de faturamento da refinaria para ressarcir as distribuidoras.

            Veja-se que as distribuidoras "pagavam mais caro" pelos produtos (acréscimo do FUP), mas, em contrapartida, eram ressarcidas a posteriori. Com a extinção do FUP e criação da PPE em seu lugar, as distribuidoras continuaram "pagando mais caro", sem entretanto, serem ressarcidas, visto que o transporte dos produtos passou a sua responsabilidade.

            Isso demonstra que foram justamente as distribuidoras que tiveram que arcar com a instituição da Parcela de Preço Específica, pois perderam o ressarcimento de tais valores oriundo do FUP.

            Assim, como conclusão final, tem-se, decididamente, que a legitimidade ad causam é das distribuidoras de combustíveis.


Notas

            1

Revista Brasileira de Energia Vol. 8 N° 1 - 1° Sem/2001. A Formação de Preços dos Derivados de Petróleo no Brasil. Márcio Werner Lima Sathler e Maurício Tiomno Tolmasquim.

            2

Art. 4º A diferença entre o preço de faturamento de cada produto, de que trata o art. 1º, e a soma do respectivo preço de realização, a que se refere o art. 2º, com as contribuições PIS/PASEP e COFINS, constitui-se em parcela de preço específica (PPE) destinada a assegurar o ressarcimento de despesas objeto da alínea "c" do inciso I, e das alíneas "a", "b", "d" e "h" do inciso II do art. 13 da Lei nº 4.452, de 5 de novembro de 1964, com alterações posteriores, a qual terá seu valor calculado, mensalmente, de acordo com a seguinte fórmula:

            Parcela de preço específica n = PFAT n - [PR n + (PIS/PASEP + COFINS)], onde:

            Parcela de preço específica n = valor da parcela de preço específica do produto no mês n;

            PFAT n = preço de faturamento do produto, na condição à vista, nas refinarias produtoras no mês n, exclusive ICMS;

            PR n = preço de realização do produto, nas refinarias produtoras, no mês n;

            PIS/PASEP = valor (R$/(1 ou kg)) da contribuição PIS/PASEP;

            COFINS = valor (R$/(1 ou kg)) da contribuição COFINS

            3

"Art. 8º A CPQ (central petroquímica) obriga-se a recolher a diferença de que trata o art. 4º, da Portaria Interministerial nº 149, de 23 de junho de 1999, dos Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia, com amparo no art. 13 da Lei nº4.452, de 5 de novembro de 1964, e de outros dispositivos legais que vieram a sucedê-los, relativamente à gasolina comercializada."

            §1º O recolhimento referido no caput deste artigo deverá ser feito pela CPQ diretamente à Secretaria do Tesouro Nacional – STN, mediante depósito em conta do Banco do Brasil S/A, em conformidade com os mecanismos instituídos pela Instrução Normativa STN nº 4, de 31 de julho de 1998."

            4

In "http://www.hugomachado.adv.br/pareceres/cidelegi.doc"
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BENEVIDES NETO, Hermes Alencar. Parcela de preço específica: sua natureza tributária.: A legitimidade "ad causam" das distribuidoras de combustível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 561, 19 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6192. Acesso em: 22 dez. 2024.

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