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A concorrência na vocação hereditária

Agenda 28/02/2018 às 15:00

Por que o cônjuge deve concorrer com os demais herdeiros se já é prontamente favorecido em relação aos bens deixados pelo de cujus no momento em que recebe a meação?

1. Introdução.

O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise acerca da concorrência do cônjuge na vocação hereditária em relação às demais classes, conforme o artigo 1829, I do Código Civil de 2002. Considerando o ano em que estamos não tratar-se de um instituto novo, mas ainda acarreta discussões em meio ao nosso ordenamento jurídico.


2. Sucessão Hereditária.

Sucessão refere-se a um conjunto de regras que regulamenta o ato no qual uma pessoa substitui outra na titularidade de bens em caso de morte, ou seja, este ramo do direito determina a transmissão do patrimônio do de cujus aos seus sucessores.

Há diversos entendimentos históricos acerca desta matéria, entretanto, o que prevalece é aquele no qual compreende a sucessão como uma das formas de aquisição da propriedade, pela qual são atribuídos bens e obrigações aos sucessores causa mortis.

Portanto, a sucessão somente inicia-se no momento da morte do de cujus, deste modo, faz-se imprescindível a determinação do momento exato da morte, pois será a partir deste momento em que se configurará a Saisine, sendo esta a transmissão imediata dos bens para os sucessores.

Carlos Roberto Gonçalves conceitua o direito sucessório da seguinte maneira:

“A palavra sucessão, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. Numa compra e venda, por exemplo, o comprador sucede ao vendedor, adquirindo todos os direitos que a este pertenciam. De forma idêntica ao cedente Sucede o cessionário, o mesmo acontecendo de todos os modos derivados de adquirir o domínio ou o direito”.

Ademais, a sucessão pode ser classificada quanto aos efeitos, ocorrendo pela transmissão do patrimônio do de cujus em sua totalidade, bem como a sucessão pode se dar por meio de bens determinados através do testamento, estas formas são denominadas respectivamente de sucessão universal e sucessão singular.


3. Sucessão legítima e testamentária.

Outrossim, a sucessão poderá verificar-se de forma legítima ou testamentária, conforme artigo 1.788 do Código Civil.

A sucessão testamentária decorre por disposição de última vontade, sendo assim, o de cujus, antes de sua morte, deixa um testamento, no qual expressa para quem gostaria de transmitir suas propriedades, como sendo sua última vontade.

Entretanto, havendo herdeiros necessários, tal disposição possui um limite assegurado pelo artigo 1846, no qual o testador somente poderá dispor de metade dos seus bens conhecido como porção disponível, enquanto que a outra porção destina-se aos herdeiros necessários, conhecido por porção legítima.

A sucessão legítima, por sua vez, dá-se em virtude da lei, ou seja, quando o de cujus não deixa testamento, assim seus bens destinam-se àqueles indicados pela lei, respeitando uma ordem preferencial denominada como ordem da vocação hereditária. A sucessão legítima representa, portanto, a vontade presumida do falecido.

Ademais, poderá ocorrer à sucessão legítima e testamentária simultaneamente, pois se o testamento não abranger todos os bens disponíveis, a sucessão dos bens remanescentes será realizada de forma legítima, seguindo a ordem estabelecida pela lei. 

Atualmente em nosso país a sucessão legítima é a mais comum, tendo em vista razões de ordem cultural e econômica.


4. Vocação Hereditária.

Vocação significa chamamento, deste modo vocação hereditária refere-se ao chamamento dos herdeiros para receber os bens que ficaram de herança, entretanto, a convocação dos sucessores é realizado de acordo com uma sequência prevista em lei, salvo se houver testamento, denominada de ordem da vocação hereditária.

O chamamento é realizado de acordo com a ordem da vocação hereditária, ou seja, através das classes estabelecidas pelo artigo: 1829 incisos I, II, III e IV, sendo estas, as classes dos descendentes, ascendentes, cônjuge e colateral, nas quais a mais próxima exclui a mais remota, sendo, portanto uma ordem preferencial. A priori, não havia qualquer tipo de concorrência entre as classes, mas aos poucos, foram sendo criadas exceções possibilitando ao cônjuge supérstite alguns direitos, conforme seu regime matrimonial, sendo tais direitos, por exemplo; o direito real de habitação.

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Com a promulgação do Código Civil de 2002, tais exceções, possibilitaram a concorrência dos cônjuges e companheiros supérstites com as demais classes, sem prejudicar a classificação dos herdeiros advinda da ordem da vocação hereditária. O que não se confunde com a meação, tendo em vista que os herdeiros necessários não concorrem com o cônjuge na meação por tratar-se de outro ramo do direito, denominado direito de família. Portanto o cônjuge, variando de acordo com seu regime de bens, receberá cinquenta por cento dos bens do de cujus pelo direito de família, e os outros cinquenta por cento será destinado aos herdeiros necessários, respeitando a linha sucessória.

O cônjuge de acordo com o Código civil de 2002 concorrerá com os herdeiros necessários na parte destinada ao direito sucessório. Entretanto, somente poderá concorrer se respeitar os requisitos previamente previstos, sendo este o regime patrimonial em que constitui seu casamento. Logo, conforme o artigo 1829 incisos I, II, III e IV, o cônjuge será concorrente se for casado em qualquer outro regime patrimonial de bens, salvo o regime de comunhão universal, ou de separação obrigatória, bem como, regime de comunhão parcial caso o falecido não tenha deixado bens particulares. Vejamos:

“Art. 1.829 CC. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único);

ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 

III - ao cônjuge sobrevivente; 

IV - aos colaterais”.


5. Concorrência.

Com o implemento da concorrência no Código Civil Brasileiro, o  cônjuge assumiu uma posição favorável em relação aos demais herdeiros, pois além de ser herdeiro necessário instituído na terceira classe sucessória, posição anterior a dos colaterais e posterior as dos ascendente, ainda concorre com os descendentes ou com os ascendentes na falta do primeiro.

Com esta nova ordem, pode-se afirmar que o cônjuge equipara-se ao herdeiro descendente na linha sucessória, obtendo, portanto, vantagem demasiada em relação aos coerdeiros, pois, conforme o artigo 1832 do CC, o cônjuge concorrerá à totalidade da herança. Em específico a lei prevê que em concorrência com os descentes, ao cônjuge caberá o quinhão igual ao dos herdeiros que herdarem por cabeça e se deles for ascendente, sua quota não poderá ser inferior à quarta parte da herança.

Entretanto, para o cônjuge herdar em concorrência com os ascendentes, em nada irá interferir o regime de bens em que constituiu o casamento, bastando o cumprimento dos requisitos estabelecidos pelo artigo 1830 do CC. Assim, concorrendo com o ascendente em primeiro grau, o cônjuge receberá um terço da herança e, se houver apenas um ascendente, ou se maior for aquele grau, recolherá metade da herança conforme estabelece o artigo 1837 do CC.

Para o cônjuge receber o título de concorrente é de suma importância verificar o regime de bens em que constituía seu casamento, pois como já mencionado anteriormente há determinados regimes de bens em que não permitem ao cônjuge concorrer com as demais classes, bem como altera a forma de divisão da herança.

Logo, de acordo com o regime de bens adotados, a forma de divisão da herança é alterada, por exemplo, a divisão para o cônjuge que versar sobre o regime de separação voluntária de bens será na totalidade da herança, ou seja, concorrerá ao total da herança, sendo representada pelos bens particulares do falecido, mas se o regime adotado for o de participação final de aquestos o cônjuge concorrerá de modo diferente, pois neste não há o instituto da meação, prontamente, não há lógica na concorrência do cônjuge ao total da herança.

Assim, compreendemos que a concorrência não deveria existir, pois o cônjuge prontamente é favorecido em relação aos bens deixados pelo de cujus no momento em que recebe os bens na meação, pelo direito de família, haja vista que neste instituto é reservado a ele metade de todos os bens deixados pelo falecido. Contudo, considerando a intenção do legislador em preservar e proteger o cônjuge e não havendo alternativa se não a concorrência, ainda mantemos um posição contrária a implementação deste instituto, mas de modo que tal proteção deva abranger apenas os bens particulares, pois se equipara ao regime de comunhão parcial de bens, uma vez que não é coerente o cônjuge concorrer na totalidade dos bens, tendo em vista já ter recebido sua parte pelo direito de família. 


6. Conclusão.

A vista disso, concluímos que a sucessão é o meio de transmissão do patrimônio do de cujus  aos seus sucessores. O direito sucessório realiza tal transmissão através do princípio da Saisine, ou seja, no momento da morte, sendo, portanto, imprescindível à determinação do momento exato em que esta ocorreu.

A sucessão pode ter dois efeitos, sendo este a sucessão universal, abrangendo todos os bens e a sucessão singular, abrangendo bens determinados. Em relação à forma da sucessão ela pode variar de sucessão testamentária e sucessão legítima, a primeira refere-se aos bens que são destinados a quem o de cujus informar no testamento, respeitando o limite testamentário; e a segunda refere-se aos herdeiros legítimos quando não há testamento, sendo destinados os bens aos herdeiros determinados pela lei.

Os bens são destinados aos herdeiros legítimos, respeitando a ordem da vocação hereditária mencionada no artigo 1829, salvo se houver testamento, pois na existência deste os bens deverão ser destinados a quem o de cujus informar. A priori, o cônjuge não concorria com os demais herdeiros legítimos, o instituto da concorrência surgiu somente com o Código Civil de 2002, pelo qual o legislador visou trazer maior proteção e segurança ao cônjuge.

Com o surgimento da concorrência o cônjuge passou a obter vantagem em relação às demais classes sucessórias, pois além de estar presente na terceira classe sucessória, ainda concorre com os descendentes e com os ascendentes na falta do primeiro. Porém, para o cônjuge ser concorrente é necessário verificar o regime de bens em que constituía seu casamento com o falecido, pois determinados regimes não permitem que haja a concorrência.

Por fim, compreendemos que a concorrência acarretou em vantagem demasiada ao cônjuge em relação às demais classes, de forma que a concorrência não deveria existir, pois o cônjuge possui um lugar garantido na ordem sucessória, a qual pertence à terceira classe. Ademais, dependendo do regime de bens adotados no casamento com o de cujus, o mesmo recebe metade dos bens pela meação, ramo do direito de família. Contudo, não havendo alternativa para garantir a proteção do cônjuge, a concorrência deveria abranger apenas os bens particulares, por não ser coerente que o mesmo receba pela totalidade de bens, uma vez que já recebeu pelo direito de família.


Bibliografia:

MONTEIRO, Washington De Barros. Curso de Direito Civil 6 - Direito Das Sucessões. Saraiva, 2011. 38ª edição.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 7 – Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva 2015 – 9ª edição.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Taynara. A concorrência na vocação hereditária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5355, 28 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62080. Acesso em: 22 dez. 2024.

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