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A principiologia das relações internacionais brasileiras como óbice à formação de uma comunidade latino-americana

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Agenda 23/01/2005 às 00:00

5) Adendo Final.

A doutrina do humanismo social que busca integrar o homem ao Estado está sofrendo uma inversão pelo que até então se pode verificar, pois entre o indivíduo e o poder político existem grupos naturais, tais quais a família, que estão intrinsecamente relacionados ao conceito de comunidade, no entanto, as transformações sócio-econômicas estão conduzindo esta comunidade, essencialmente natural, a um artificialismo concentrado na sociedade internacional. Ecoa, desta forma, as palavras de Rousseau6, segundo o qual ''o homem nasce livre e em toda parte se acha aprisionado''.

Verificamos isto com a prisão que a sociedade impõe através de sua codificação nacional e também internacional, por intermedio da soberania, aos brasileiros e estrangeiros. Em épocas pretéritas, mas não muito longínquas, o ser humano vivia verdadeiramente em família, sem os rebuscos da famigerada –mas necessária hoje– globalização. Com o progresso da humanidade a comunidade passou a se relacionar mais, surgindo a sociedade. E a globalização, e tudo o que está subjacente a esta palavra, pacificaram a existência de uma sociedade internacional.

Nesta mutação, o homem deixou de ser homem para ser representado por papel. Sua existência não está mais no que "é", mas no que "tem" ou no que pode "comprovar ser". Surgiram as legislações e as codificações em cada Estado, regulando o que a comunidade poderia fazer dentro da sociedade. A lei intrincou-se no cerne da população de tal forma que a comunidade foi relegada a segundo plano. Em seguida os Estados começaram a se relacionar entre si, assim, as ciências jurídicas logo resolveram de criar tratados, convenções, princípios... que regulassem a convivência e as diversas relações existentes entre as sociedade formando uma autêntica sociedade internacional como está hoje, agrupada em blocos econômicos (NAFTA, MERCOSUL, CEE), sobrepondo as relações comerciais aos valores culturais na Nação, que transcende o conceito de povo, como já dizia Emmanuel Joseph Sieyès7, em seu clássico Qu''est-ce que le Tiers État?.

Percebe-se que o mundo está vivendo um caos justamente por desprestigiar a sua natureza, seus conceitos primordiais, que estavam bem alicerçados na arcaica comunidade. Desta forma, necessário a implantação de uma comunidade internacional, que motive os valores ora relegados. Neste sentido, a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 4º, parágrafo único, ensejou a formação de uma Comunidade Latino-Americana de Nações, para isto arrolou princípios de relações internacionais que serviriam como norte para a realização deste objetivo, visto ser a principiologia adequada para a relação exterior, mas que, infelizmente, não encontrou êxito em seu escopo.


6) Conclusão.

É de se concluir que a principiologia arrolada no artigo 4º, da Constituição Federal brasileira, de 5 de outubro de 1988, opôs-se à formação da ensejada Comunidade Latino-Americana de Nações, pois obstaculizou, com a axiologia exacerbada da Soberania, a viabilização dos princípios que realmente promoveriam os anseios do referido parágrafo único do Texto Constitucional.

A formação de uma comunidade internacional exige que os Estados cedam um pouco de sua Soberania, permitindo a interação de valores ético, morais e culturais, dentre outros humanísticos, se insiram no seio dos povos latinos, fomentando a junção dos povos numa única comunidade. As diferenças culturais não são obstáculo, mas fatores de encontro, pois é nestas peculiaridades de cada Estado que se forma uma sociedade comunitária, que, motivados pelo laço existente desta relação harmoniosa, conseguirá, com maior afinco, o desenvolvimento de outros setores como, inclusive, o econômico e o político, sem contar as áreas de ciência e tecnologia que já seriam beneficiadas, até mesmo independente de cooperação política.

O Mercosul é um instrumento firmado que poderia ser readequado aos anseios da comunidade por ele abrangida, e não tão-somente à discussões econômicas. Talvez se desde sua formação tivéssemos considerado os ideais do parágrafo únicos do art. 4º supra, nosso irmãos argentinos e a própria República Federativa do Brasil não estivesse passando por tanto caos financeiro e apertos sociais.

A solução para o panorama até então exposto é uma incógnita, no entanto, no intuito de apenas contribuir, entendemos que a priorização dos princípios da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, bem como os similares existentes nos países-irmãos, produziriam uma reviravolta positiva no cenário internacional para os países do Cone Sul. Não se trata de um abandono da Soberania nacional, mas da busca de um objetivo maior do que apenas assegurar o que não precisa ser assegurado. O ser humano não pode ser aprisionado por "papéis", pois ele próprio já se aprisiona consideravelmente. Os Estados deveriam promover a integração cultural, a troca de intercâmbios tecnológicos e científicos, através de maciço incentivo às universidades nacionais e estrangeiras, bem como solidificando as estruturas educacionais básicas, com a utilização de línguas latinas. Note-se que os princípios acima mencionados conduzem justamente à materialização de tais objetivos.

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Por derradeiro, diante da indagação de Celestino Arenal em nossa introdução, somos obrigados a afirmar que, infelizmente, não estamos envolvidos no processo de evolução rumo a uma comunidade internacional, pois não conseguimos superar o egocentrismo social, político, econômico e jurídico existente em nossas sociedades, que se esqueceram de que o homem não é um animal para ser domado, persistindo na realização de um aprisionamento deste pela obstaculização de sua vontade no território nacional, e pelo impedimento dos brasileiros na interação com outros povos, através dos óbices promovidos pela principiologia das relações internacionais pátria que buscou priorizar a Soberania, trancando o acesso à supranacionalidade.


Referências bibliográficas:

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GARCIA, Maria. A Integração dos Estados: O Brasil no Mercosul: implicações e abrangências na ordem interna e internacional. in Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 9, n.º 35, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. de 2001, p. 16-23.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos & Relações Internacionais. 1. ed., Campinas: Agá Juris, 2000. 502p.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional: uma introdução. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000. P. 123-177.

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OLIVEIRA, Olga Maria B. A. Monografia Jurídica: orientações metodológicas para o trabalho de conclusão de curso. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 27-34.

SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. Direito Constitucional do Mercosul. 1. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 267-278.


Notas

1 ARENAL Celestino. apud OLIVEIRA, Odete M. Relações Internacionais: estudos de introdução. Curitiba: Juruá, 2001. p. 137.

2 TÖNNIES, (Gemeinschaft und Gesellschaft). apud GUSMÃO, Paulo D., Manual de Sociologia, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 78.

3Id. ibid., p. 170.

4 WATSON, Adam. apud OLIVEIRA, Odete M. Relações Internacionais: estudos de introdução. Curitiba: Juruá, 2001. p. 138.

5 CRETELA Jr., José. Comentários à Constituição de 1988. 1. v., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 170.

6 ROUSSEAU, Jean Jacques. In Do Contrato Social. Hemus, 1997.

7 SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa, trad. Norma Azeredo, 3. ed., Lumem Juris, 1997.

Sobre o autor
Alexandre Sturion de Paula

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito do Estado, mestrando em Direito Negocial pela UEL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Alexandre Sturion. A principiologia das relações internacionais brasileiras como óbice à formação de uma comunidade latino-americana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 565, 23 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6211. Acesso em: 19 dez. 2024.

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