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A principiologia das relações internacionais brasileiras como óbice à formação de uma comunidade latino-americana

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23/01/2005 às 00:00
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Sumário:

1) Introdução; 2) Comunidade e Sociedade: conceituação; 3) Evolução à comunidade internacional latina; 4) A principiologia das relações internacionais; 4.1) Princípio da prevalência dos direitos humanos; 4.2) Princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; 4.3) Pela Soberania; 5) Adendo Final; 6) Conclusão.

Resumo:

As transformações sócio-econômicas estão conduzindo a humanidade de uma natural comunidade para uma artificial sociedade internacional. A busca constitucional brasileira da formação de uma comunidade latino-americana exige, portanto, a ruptura do superficialismo amparado em codificações nacionais e em acordos e tratados internacionais, que caracterizam a sociedade, para a elevação de fatores culturais, morais e de valores intrínsecos à comunidade. Esta mudança pode validar-se através dos princípios de relações internacionais contidos na Carta Constitucional de 1988, todavia, estes se apresentam como verdadeiros obstáculos à implantação de uma comunidade internacional latina, mormente pela defesa exacerbada à soberania impedindo os avanços supranacionais.

Abstract:

The socioeconomic transformation are conducting of the hamanity from a natural community to na artificial international society. In quest of the formation of a latin american community, require from the brasilian Constitution, the breakage of the superficialism supported by a national codification and in accordance and international agreement, that descrive to the raising of the cultural, ethics and of inerent values that are measure to the community. This change can have value over the principle of the international relation existent in the Carta Constitutional of 1988. However, these principle are showing up as a real impediment to the estabrishment of a Latin International Community, principally for the excessive defense of the sovereing that discourage the supranationals advances.

Palavras-chave:

Comunidade; Mercosul; Princípios; Sociedade Internacional.

Kei-Words:

Community; Mercosul; Principle; International Society.

1) Introdução.

Em décadas pretéritas onde a expressão ''globalização'' ainda era desconhecida, os Estados do hemisfério norte viviam o desenvolvimento acelerado de suas regiões urbanas, enquanto, no hemisfério sul, os rurículas sequer imaginavam outra hipótese de vida que não o labor com a terra; havia uma genuína comunidade de cunho caracteristicamente regional, cuja exceção consistia apenas quanto às grandes capitais e cidades que já aderiam-se ao conceito de metrópoles.

Nesta referida época, a comunidade vivia numa sociedade quase desestruturada, embora sem caos, gerida em grande parte pelo capital rural e pelas ideologias acadêmicas de então, sem porém, haver caracterizado uma internacionalização societária como visível hoje. Passadas a Primeira e a Segunda Guerra, e permeando-se pela Revolução Industrial, constatamos o início de uma forte caracterização da sociedade internacional, marcada pelas transações comerciais entre as denominadas ''multinacionais''. Logo surgiram os computadores que avançam sem cessar até nossos dias, impulsionando as sociedades. Com este veio a ''internet'' e a comunicação instantânea que, somados, constituíram o trampolim para a hodierna globalização, onde já se torna pacífica a existência de uma sociedade internacional, já configurada em ambos hemisférios do globo.

Pari passu a esta gradiente evolução social, política, econômica e tecnológica, também a ciência jurídica esteve materializada no acompanhamento das transformações e acontecimentos que a história registrou para a eternidade, e o Direito regulou através das codificações e legislações nacionais, além dos acordos, convenções, declarações, tratados e protocolos internacionais, na ânsia de impor normas às relações havidas na órbita externa e interna dos Estados.

Contudo, este avanço da comunidade interna para a sociedade internacional gerou um superficialismo amparado tão-somente em leis e tratados, visto não ter fincado raízes entre as comunidades nacionais dos vários Estados, gerando uma ausência das peculiaridades do ser humano (sua cultura, seus valores ético e morais, suas afeições, etc) encontráveis somente numa comunidade.

Observando os princípios que regem as relações internacionais brasileira, mormente a busca do Brasil na formação de uma comunidade latino-americana, buscamos em nosso singelo estudo responder a indagação de Celestino Arenal1: "estamos, na verdade, diante de uma sociedade internacional envolvida em processo de evolução rumo a uma comunidade internacional?" Para isto, utilizamo-nos da dialética e dos métodos de procedimento para aferir as definições de comunidade e sociedade, e encontrar a resposta ao questionamento formulado por intermédio da principiologia das relações internacionais brasileira, contida no artigo 4º da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.


2) Comunidade e Sociedade: conceituação.

Ao falarmos em comunidade e sociedade, imprescindível conduzirmo-nos à clássica obra de Ferdinand Tönnies2, "Gemeischaft und Gesellschaft", escrita em 1887, em que o autor reduz os grupos sociais a duas formas fundamentais: comunidade e sociedade. O autor alemão definiu a comunidade como o "grupo espontâneo, quase intuitivo, de larga duração, dotado de cultura comum", onde os seus membros estão organicamente integrados sem que haja dependência da vontade individual, pois predomina nela os interesses da comunidade, é o caso da família e da Nação.

Quanto à sociedade afirma que esta "é artificial, fruto do raciocínio utilitário, instituída ou constituída voluntariamente para tender a interesses particulares"3. Observa-se, simplisticamente, que a comunidade é fruto da própria natureza, enquanto a sociedade decorre da perene criação humana. Estas definições possuem importância quando almejamos discutir e distinguir a "comunidade" e a "sociedade" internacional, ou, precisamente, a formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Tönnies tratou de definir a comunidade e a sociedade em sentido lato, mas, verificamos que ao transportarmos ambos grupos sociais para a seara internacional não presenciamos diferenciações relevantes, e isto comprova-se pelas distinções apresentadas pela emérita professora Odete Maria de Oliveira (2001:136) que leciona que nas décadas de 40 e 50 debateu-se prolongadamente sobre a distinção de comunidade internacional e sociedade internacional. Em síntese, a prestigiosa professora apresenta as seguintes diferenças fundamentais: 1)"a comunidade constitui uma unidade natural e espontânea, enquanto a sociedade apresenta-se como uma unidade, de certa forma, artificial"; 2)"a comunidade contempla uma forma de ser do indivíduo nela incorporado e a sociedade, ao contrário, representa uma forma de estar"; 3)"a comunidade forma integração, enquanto que a sociedade é estabelecida pela soma das partes"; 4)"na comunidade regem valores convergentes, éticos, comuns; na sociedade valores divergentes, primando a legislação, a convenção, o normatizado", como observa-se, permanece intocável a lição de Ferdinand Tönnies.


3) Evolução à comunidade internacional latina.

Não há como se falar em comunidade no Direito Internacional sem que se relacione, internacionalmente, as sociedades, com suas peculiaridades sócio-econômicas e jurídicas para o alcance de uma verdadeira comunidade entre Nações. O professor Celso Albuquerque Mello (1992:357), a respeito das teses acerca da integração dos Estados no plano internacional, apresenta a tese de Deutsch, comentando o seguinte: "Karl Deutsch sustenta que a integração depende de uma efetiva comunicação entre os Estados de uma região, o que desenvolve o sentido de ''comunidade'' entre eles. Assim sendo, haveria um aumento das relações entre estes Estados em comparação com as relações com os demais Estados. As finalidades de integração podem ser resumidas nas seguintes: a) manutenção da paz; b) aumentar as potencialidades; c) realizar determinado objetivo; d) possuir uma nova imagem e identidade".

Assim, sendo a comunidade o alicerce da sociedade, exsurge a necessidade de se erigir um elo entre a comunidade nacional à comunidade de nações, que deve permear pela comunidade nacional, até atingir a sociedade nacional, esta criará uma sociedade internacional, até aterrar-se na comunidade internacional, onde, então, existirá uma legitima inter-relação entre os países latino-americanos, não por força de acordos, pactos e princípios, mas oriundo, sobretudo, de uma sólida fraternização cultural, moral e de valores intrínsecos à comunidade. Igualmente, é requisito imprescindível à formação de uma comunidade latino-americana de nações, o cumprimento de diretrizes que se consubstanciam sinteticamente nos princípios de relações internacionais expostos no mencionado artigo 4º, da Carta Magna de 1988, incisos I a X.

Oportuno considerar, contudo, que Adam Watson4 constatou que na sociedade mundial mais do final do século XX, um grande número de Estados se aproximavam, tão-somente por aspectos reguladores, isto é, acordos, pactos e princípios, sem, contudo, se sentirem ligados por valores e códigos morais, ou seja, sem nenhum fator cultural de valores, somente através de elites diplomáticas, mas sem raízes compartilhadas. Significa dizer, então, que há apenas uma sociedade internacional que é utilizada como instrumento de comunicação entre comunidades e sociedades nacionais.

O Brasil "buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações", assim dispõe o parágrafo único do art. 4º da Lex Fundamentalis brasileira. O eminente jurista Valério de Oliveira Mazzuoli (2000:28) salienta que "a proposta revisional (PRE) n.º 001079-1, de autoria do Deputado Adroaldo Streck, (na revisão constitucional de 1994), apresentou a substituição do referido parágrafo único do art. 4º da Constituição, pelo seguinte texto: 1.As normas de direito internacional são parte integrante do direito brasileiro; 2.A integração econômica, política, social e cultural visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, constitui objetivo prioritário da República Federativa do Brasil; 3.Desde que expressamente estabelecidos nos respectivos tratados, as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais, de que o Brasil seja parte, vigoram na ordem interna brasileira", ressalta ainda que, mesmo após modificações do relator-geral do processo de revisão constitucional, o PRE foi rejeitado.

No entanto, como verificado acima, indiscutível que a sociedade mundial está ligada artificialmente por acordos, pactos e princípios, desta forma, para se atingir a comunidade internacional, uma vez já existente a sociedade internacional, imperioso a condução, sobretudo dos princípios, rumo a formação da almejada comunidade latino-americana.

O Constituinte brasileiro erigiu dez princípios de ralações internacionais que devem ser hermeneuticamente estudados e aplicados com o escopo de atingir a meta prevista no citado parágrafo único, mesmo sem a aprovação da relevante substituição então proposta. Os princípios são: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Estes consistem verdadeiros desafios das relações internacionais rumo a efetiva implantação de um comunidade latino-americana de nações.

Os princípios acima consistem desafio das relações internacionais para a formação de uma comunidade latino-americana justamente por sintetizar a elaboração de uma sociedade internacional, ou melhor dizendo, não ultrapassa o artificialismo dos acordos, pactos e princípios, pois não objetiva a inserção de instrumentos que fomentem a criação de mecanismos culturais, ético e morais entre os povos das diversas comunidades nacionais.

O Brasil e, principalmente, os demais países do Mercosul precisam sair do superficialismo formado pela sociedade internacional, artificial portanto, que formaram na América do Sul, para ingressarem numa verdadeira comunidade internacional que motive as potencialidades do bloco sulista, não apenas na seara econômica, mas principalmente, no campo cultural e humanístico. Os países do Cone Sul devem apresentar-se para o Continente Europeu e para os países anglo-saxãos como uma única Nação. Para que isto aconteça, entretanto, imperioso que cada país mude sua postura protecionista e de resguardo exacerbado à Soberania, desobstruindo a efetivação da necessária supranacionalidade, motora do desenvolvimento entre nações.

As mudanças que se fazem urgentes, podem vir através do cumprimento de princípios constitucionais. Ressaltamos que hodiernamente os países se aproximam tão-somente por aspectos reguladores, ou seja, através do acatamento de acordos, pactos e princípios, como constatado por Adam Watson. Assim, os princípios podem levar a sociedade internacional à efetiva formação de uma comunidade latino-americana.

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4) A principiologia das relações internacionais.

Como a Constituição de um país representa a norma fundamental que indicará, determinará ou apenas programatizará o que os seus Poderes deverão fazer no âmbito interno e externo, é dela que deve ser extraído os princípios que nortearão o Estado em suas relações internacionais. E estes, por sua vez, conduzirão o país a uma maior ou menor abertura social, política, econômica e jurídica diante das relações exteriores, conforme o grau de resguardo que os princípios derem à ''Soberania'', que exerce relevante papel na formação do Estado e na sua ação frente a seus pares. Os princípios, portanto, permitirão ou não que o Brasil deixe o artificialismo da sociedade internacional e forme a comunidade latino-americana juntamente com seus pares.

Ao erigir a principiologia das relações internacionais, o legiferante constitucional demonstrou ora um acompanhamento com os ordenamentos jurídicos modernos, ora um anacronismo por manter princípios que não se compatibilizam com as exigências internacionais atuais, e que à época, 1988, já se tornavam consideravelmente visíveis. Os avanços consistiram, em síntese, quanto à solidificação do país na defesa da paz, na solução pacífica dos conflitos, na igualdade entre os Estados, na cooperação e na defesa dos direitos humanos, que, considerando-se as turbulências historicamente existentes na América Latina representam respeitável posição. Entretanto, o mesmo Constituinte obstaculizou, de certa forma, não só a formação de uma comunidade latino-americana, como a aplicação dos próprios princípios que beneficiam a relação internacional brasileira, quando fez marcar indelevelmente a perene e reverberadora presença do resguardo exacerbado à Soberania, através dos princípios da independência nacional, da autodeterminação dos povos, não-intervenção, e subjetivamente, nos princípios da igualdade entre os Estados, repúdio ao terrorismo e concessão de asilo.

Verifica-se que os princípios da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, acabam por sintetizar os princípios que não estão isolados na restrita defesa da Soberania, por abrirem-se à inserção de conceitos e diretrizes para a fomentação de fatores culturais, compartilhando-se, desde a sua gênese, os mais diversos valores que promovam a elaboração de uma efetiva comunidade intrinsecamente ética e moral. O professor Celso A. Mello (2000:131) observa que o nosso Texto Maior consagrou "uma antinomia da ordem internacional: a soberania e a cooperação internacional, vez que esta só se realiza às expensas daquela", por isto ressalta o emérito professor carioca, que "a tendência atual é a da soberania existir como um conceito meramente formal". Frise-se que a cooperação está arraigada na ''moral internacional'', caminhando tenuamente com o princípio da solidariedade e auxílio mútuo. Desta forma, conveniente um singelo dizer sobre ambos princípios.

4.1) Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos.

Relevante a lição de Pedro Dallari (apud Mazzuoli, 2000:132) acerca deste princípio: "a prevalência dos direitos humanos, enquanto princípio norteador das relações exteriores do Brasil e fundamento colimado pelo País para a regência da ordem internacional não implica tão-somente o engajamento no processo de edificação de sistemas de normas vinculados ao Direito Internacional Público. Impõe-se buscar a plena integração das regras de tais sistemas à ordem jurídica interna de cada Estado". Cremos que não estaríamos equivocados em dizer que a lição do professor Dallari que buscar a aplicação dos direitos humanos do genérico regramento transnacional para a efetiva aplicação em solo nacional, ou seja, abstrair da sociedade internacional para implantar na comunidade regional.

O professor Fernando Barcellos de Almeida (1996:24), acerca deste tópico, tece o seguinte conceito: "Direitos humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais". Inegável que dentre todos os princípios este é o mais abrangente, além de nele estar sintetizado todos os demais direitos fundamentais, uma vez que respeitados os direitos humanos estar-se-á homenageando os demais princípios, que de certa forma, estão intrinsecamente alicerçados nele.

A prevalência dos direitos humanos na América Latina consiste, contudo, num desafio ardoroso, visto que historicamente os países latinos são marcados por caudilhismos, ditaduras que foram extintas recentemente, golpes de Estado que persistem até o presente milênio, além dos eternos movimentos guerrilheiros e sociais de luta armada e da inconstante efetividade constitucional dos países deste Continente, conforme leciona o professor Paulo Napoleão Nogueira da Silva (2000:267s). A efetivação de uma comunidade latino-americana de nações não subsistiria paralelamente a tais anacronismos. Portanto, pejorativo que os países sul-americanos promovam com autenticidade e veemência a aplicação dos direitos humanos que é o berço da democracia e da completa e plena configuração de uma comunidade internacional.

O princípio da prevalência dos direitos humanos, contido na Carta Magna de 1988 do Brasil, deve ser engendrado como requisito ou princípio do Mercosul para os países que o compõe e para os que nele pretendem inserir-se, de forma que haja uma democratização política na América de um modo geral. Uma sociedade pode suportar as diferenças existentes noutra sociedade vizinha, mas jamais isto aconteceria numa única comunidade, e o nosso escopo é de que haja uma comunidade internacional, portanto, imprescindível a existência intrínseca, perene e incomodadora, se for o caso, dos direitos humanos e dos direitos subjacentes que este comporta, em todas as Nações que pretendam harmonizar-se numa só comunidade internacional. Os países latino-americanos poderiam aplicar os Tratados, Convenções, Protocolos, etc, já existentes em relação aos direitos humanos como, por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica, que aliás, já foi ratificado pelo Brasil através do Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992.

4.2) Princípio da Cooperação entre os Povos para o Progresso da Humanidade.

Sobre o mencionado princípio, previsto no art. 4º da Lei Maior, Tupinambá Miguel C. do Nascimento (1997:219) afirma que a "cooperação indicada no inciso IX do artigo em comento é finalística. Há a cooperação com o objeto de alcançar o progresso da humanidade. Não é uma simples cooperação; é o ato de cooperar altamente positivo", isto por, como sabemos, poder existir uma cooperação entre países para um fim destrutivo, aliás, bem visível hodiernamente, tanto nos interesses estadunidenses quanto nos conflitos do Oriente Médio. O mencionado doutrinador salienta ainda, que "esta cooperação pode se realizar de duas formas diferentes: como ato unilateral brasileiro, colaborando e ajudando outros Estados em sua tentativa de progredir, e como ato bilateral".

O Brasil, diga-se, possui várias relações internacionais de cooperação, reflexo do princípio em questão, citamos, apenas a título de exemplo: a Declaração de Princípios sobre a Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá para a Manutenção da Paz e da Segurança Internacionais, realizado em Brasília, em 15 de janeiro de 1998, e o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, aprovado pela Resolução da Assembléia da República n.º 83/2000, de 14 de dezembro de 2000. O próprio Tratado de Assunção, de 1991, não deixa de ser uma cooperação entre os países do Cone Sul.

Há de estender as relações internacionais no sentido de promover a cooperação cultural, sócio-econômica, tecnológica e científica, e o intercâmbio educacional, entre outras diversas áreas, no seio da comunidade latino-americana, pois possuem características mais próximas que os europeus conosco. Entre os países da comunidade latina, não deve pairar o artificialismo, a mera camaradagem existente na cooperação entre sul-americanos e europeus, asiáticos ou anglo-saxãos, mas sim, um efetivo enraizamento cooperativo entre as nações aqui presentes, que além de vizinhos, necessitam viver numa fraternidade política, econômica, jurídica e social, harmonizando as peculiaridades culturais inerente a cada um.

4.3) Pela Soberania.

Noutro pólo, temos que os referidos princípios são tolhidos pelos princípios que resguardam a Soberania, que merecem brevíssimo comentário. O princípio da independência nacional a bem da verdade retrata, redundantemente, segundo Cretela Jr [5], a afirmativa da soberania como fundamento da República, como previsto no artigo 1º da Lex Legum, embora Tupinambá Miguel do Nascimento (1997:209s) entenda que não houve repetição pois entende que o Constituinte deixou a aplicação de tal princípio como se discricionário o fosse. Por mais merecedor de atenção que seja as palavras do ilustre autor, indizível que o princípio in quaestio é cópia fiel do artigo 1º, ou seja, apenas veio solidificar a soberania nacional. Aliás, Celso Albuquerque Mello (2000:134) afirma que a expressão ‘independência nacional’ é uma expressão que não possui definição no campo do direito a não ser que se entenda como sinônimo da palavra soberania no seu aspecto externo".

Este princípio é o carro-andor dos demais princípios que irão realizar uma defesa inquestionada e irracional da Soberania. A conseqüência desta principiologia restritiva é a obstaculização da aceitação da supranacionalidade, pejorativa para a formação de uma comunidade latino-americana, assim, o Mercosul pode estar ameaçado pelas políticas conservadoras e restritivas, reflexo desta principiologia. Tratados, acordos, convenções,... acabam comprometidos com a adoção de princípios refletores da Soberania, como, por exemplo, a própria Área de Livre Comércio das Américas, sem discutirmos o mérito dos benefícios que a implantação da Alca traria aos países latinos.

O princípio da autodeterminação dos povos também está marcado pela Soberania. Trata-se da rejeição a todo e qualquer poder colonizante, ou seja, o presente princípio visa dar a cada Estado o direito de livre condição política, além da liberdade quanto ao desenvolvimento cultural, econômico e social dos povos. Aparentemente não oferece nenhum óbice à formação de uma comunidade internacional mas, em suas entrelinhas, podemos constatar o isolacionismo que pode surgir através do fiel e dogmático seguimento deste princípio, uma vez que o mesmo pode redundar num trancamento não apenas de uma nação a outra, mas pior que isto, pode gerar vários microestados dentre de um único Estado, como ocorreria facilmente na África e em alguns países latinos, como a própria Colômbia.

O princípio da não-intervenção, embora esteja associado à soberania, não apresenta um verdadeiro obstáculo aos anseios comunitários, uma vez que almeja, a bem da verdade, a liberdade dos países pelos demais, ou seja, um Estado não deve intervir nos assuntos de outro, o que não ocorre na América Latina, máxime pelo imperialismo norte-americano. Este princípio possui uma face oculta que é de que a não-intervenção está em sentido lato, o que pode ocasionar um entrave para intercâmbios culturais, por exemplo, ou apoio econômico, etc. Cremos que não haverá a existência de tais obstáculos na prática, mas preferível que este princípio fosse excluído ou melhor redigido pelo Constituinte, dado a abrangência que este suscita, pois não se resume tão-somente ao colonialismo.

Os princípios do terrorismo e racismo e asilo político, entendemos que ambos princípios não deveriam estar no rol principiológico das relações internacionais brasileira, uma vez que tanto o terrorismo, quanto o racismo e o asilo já estão pacificamente sedimentados na ordem jurídica internacional, de forma que não há afetação à soberania de nenhum país a sua adoção, por isto redundante a sua previsão no Texto Constitucional, bem como, não obstaculizam a formação de uma comunidade latino-americana pois ao se falar em prevalência dos direitos humanos e cooperação para o desenvolvimento da humanidade já se está inserindo implícita e explicitamente tais princípios, motivo de nossa escusa quanto a inserção destes princípios como fomentadores ou não de uma comunidade internacional.

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Sobre o autor
Alexandre Sturion de Paula

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito do Estado, mestrando em Direito Negocial pela UEL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Alexandre Sturion. A principiologia das relações internacionais brasileiras como óbice à formação de uma comunidade latino-americana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 565, 23 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6211. Acesso em: 22 dez. 2024.

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