7. Conclusões
Conforme afirmado, o Magistrado não deve, em nenhuma hipótese, julgar e nem realizar qualquer processamento para o qual não entenda estar na absoluta plenitude das condições objetivas (impedimento) e subjetivas (suspeição), na exata medida em que cabe ao próprio Juiz velar pela completa imparcialidade e independência em seus julgamentos, como condição básica e fundamental para assegurar a inequívoca presença dos preceitos e garantias, relativos ao processo, consagrados na Constituição Federal.
Neste diapasão, resta importante registrar, - de forma definitiva e derradeira -, que a declaração de suspeição do Magistrado, por razões de ordem íntima, se caracteriza, à luz da doutrina amplamente majoritária (se não unânime) e da jurisprudência pátria, em efetivo direito subjetivo próprio, outorgado ao Juiz, para que este possa, em sua completa inteireza, velar pela absoluta imparcialidade e independência em seus julgamentos, como condição básica e fundamental à garantia constitucional do devido processo legal.
O Novo Código de Processo Civil, ao consolidar no seu texto a desnecessidade de o Magistrado justificar ou explicitar as razões íntimas que o levaram a se declarar por suspeito, bastando apenas a afirmativa de suspeição, demonstrou, de forma inequívoca, tratar-se de uma faculdade sujeita a seu exclusivo arbítrio, condicionada apenas e tão somente à irrestrita defesa pela permanente presença, na sua atividade jurisdicional, dos elementos mínimos imprescindíveis à garantia do devido processo legal.
Referências Bibliográficas
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
COSTA, Lopes da. Manual Elementar de Direito Processual Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Revista Forense, v. 277 – 01, 02, 03 de 1982.
PAULA, Alexandre de. Código de Processo Civil Anotado, vol. I. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.
Notas
[1] Muito embora a previsão normativa da compensação de distribuição considere apenas o aspecto quantitativo, evitando que os diversos juízes de uma determinada Comarca (Justiça Estadual) ou Seção Judiciária (Justiça Federal) tenham para si um número diferente de processos distribuídos em determinado período, não é verdade que o julgador avesso ao trabalho pudesse – de forma segura – “trocar” o eventual processo complexo, originariamente distribuído ao seu juízo, – através da prática distorcida de declaração leviana de suspeição por motivo de foro íntimo –, por outro processo de maior simplicidade, posto que o sorteio – implícito na distribuição – se não considera o aspecto qualitativo das demandas a serem distribuídas uniformemente para os diversos juízos, não deixa de permitir, por considerações de ordem probabilística, que um outro processo – muito mais complexo que o primeiro – seja distribuído, por compensação, ao Juiz que se julgou suspeito para decidir a demanda originária.
[2] Não é por outra razão que o processo de seleção do magistrado deve ser constantemente aperfeiçoado e perseguido em sua própria plenitude. O julgador deve – além da efetiva comprovação de conhecimentos técnico-jurídicos – demonstrar durante o processo de recrutamento a necessária aptidão para o exercício da função, o que corresponde, em outras palavras, à presença de certas qualidades, tais como a moralidade, a ética, a firmeza de caráter, a consciência reta (não perplexa, a hesitar ante as dificuldades dos textos e a contradição entre as alegações e as provas), a serenidade, o domínio absoluto sobre as paixões, a coragem moral e a permanente disposição de enfrentamento diante das contínuas pressões políticas.
Não podemos nos esquecer de que, em grande medida, a observância de um rigoroso processo de seleção e recrutamento de juízes, - quando efetivamente existente -, tem se mostrado, ao longo do tempo, sinérgico mecanismo apto a coibir, de forma preventiva, a indesejável presença, no Poder Judiciário, de magistrados com desvios de caráter suficientemente acentuado para o comprometimento, ainda que parcial, da prestação jurisdicional.
[3] Apesar de ambas as situações – a do magistrado que se acovarda diante das pressões que envolvem o julgamento de uma demanda determinada e que, por conta disso, utiliza-se (levianamente) do expediente da declaração de suspeição por motivo íntimo, e a do Juiz que simplesmente julga parcialmente (com ausência de isenção e independência) a demanda em favor daquela parte que se apresenta como “pessoa poderosa do meio”, em face de seu incontestável prestígio e capacidade político-econômica – se constituírem em motivos igualmente ensejadores de veemente repulsa, sem a menor sombra de dúvida, numa situação de inexorável opção, deve ser preferível a primeira situação (caracterizadora do Juiz covarde) à segunda (evidenciadora da prestação jurisdicional completamente exposta à plena ausência de sua própria legitimidade), até porque, a absoluta isenção, imparcialidade e independência do Juiz (e do julgamento conduzido pelo mesmo) constituem-se em condição sine qua non para o efetivo exercício da função judicante.
Ademais, é importante ressaltar que o comportamento particular – fraco, covarde e pusilânime – do magistrado (condenável em todas as circunstâncias) pode, no máximo, comprometer o julgamento quanto ao caráter de sua própria pessoa, por parte dos jurisdicionados, ao passo que, com toda a certeza, o julgamento tendencioso, conduzido ao sabor da parcialidade (sobretudo em favor da parte visivelmente mais forte) e da ausência de isenção e independência por parte do julgador pode comprometer seriamente toda a estrutura do Poder Judiciário, sua própria legitimação e, acima de tudo, sua indispensável credibilidade social.
Já prelecionava, a respeito, MORTARA que “se os resultados da função jurisdicional não fossem assegurados pela absoluta honestidade, imparcialidade e diligência dos juízes, inútil seria pôr o mais profundo estudo e a mais meditada cautela a serviço de construir, com os mais sólidos materiais e segundo as melhores regras de arquitetura, o edifício da hierarquia judiciária”.
[4] Não obstante a exegese interpretativa do art. 135, parágrafo único, do CPC de1973, bem como a conotação de absoluta intangibilidade da declaração de suspeição do magistrado por motivo de foro íntimo, a Egrégia Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) entendeu por bem editar o Provimento nº 26/1993, aparentemente ressuscitador – através de ato administrativo normativo – do preceito legal registrado no art. 119, parágrafos 1º e 2º, do CPC de 1939:
“Provimento nº 26, de 25 de outubro de 1993
O Vice-Presidente-Corregedor do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no uso de suas atribuições legais;
Considerando que é dever indeclinável do Juiz cumprir e fazer cumprir suas próprias decisões, bem como as do Tribunal a que estiver funcionalmente vinculado (art. 35, I, da Lei Complementar nº 35, de 1979);
Considerando a necessidade de preservar a competência e a autoridade de superior instância;
Considerando que o inconformismo do Magistrado com a reforma de suas sentenças ou decisões pelo Tribunal competente constitui ato de indisciplina;
Considerando que não é correta a conduta do Magistrado que, sob pretexto de suspeição por motivo íntimo, se recusa a cumprir as decisões superiores que contrariam suas convicções jurídicas ou filosóficas, determinando a redistribuição dos autos, imediatamente após seu retorno à primeira instância e antes de qualquer providência;
Resolve:
I – Será considerado como ato de indisciplina a omissão ou negativa do Juiz, que vinha funcionando no processo, em dar imediato cumprimento às decisões ou acórdãos do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ou dos Tribunais Superiores, sob a alegação de suspeição por motivo íntimo.
II – Ocorrendo motivo superveniente à reforma de sua decisão, que o incapacite psicologicamente para o cumprimento do julgado da instância superior, deverá o Juiz, ao determinar a redistribuição do feito, comunicar o fato, em caráter confidencial, ao Vice- Presidente-Corregedor.
III – O Juiz que, mediante redistribuição, receber autos nas condições explicitadas no inciso I, deverá dar conhecimento do fato ao Vice-Presidente-Corregedor para providência correicional cabível.” (grifo nosso)
Vale registrar que, em face de veementes críticas ao aludido provimento, a própria Corregedoria, à época, reconheceu o equívoco e a inadequação de sua iniciativa, revogando, prontamente, o mencionado Provimento.
Por fim, cumpre consignar que o atual Regimento Interno do TRF/2ª Região expressamente prevê, em seu art. 226, parágrafo único, que “a suspeição por motivo de foro íntimo independe de qualquer justificação”, pacificando de vez a questão no âmbito deste Tribunal.
[5] É importante esclarecer que, para parcela significativa da doutrina, não é correto afirmar que o magistrado possui simplesmente o direito derradeiro de se afastar do processo por motivo de foro íntimo (ou por qualquer outro que lhe deixe em posição de suspeição). Em essência, o Juiz possui, na verdade, o dever, a obrigatoriedade de assim proceder, especialmente quando não se sinta plenamente livre para atender às condicionantes constitucionais de um julgamento absolutamente isento, impessoal e independente, como exige a nossa Lei Maior.
[6] É importante registrar que, diferentemente da disciplina processual civil – onde a possibilidade de o magistrado declarar-se suspeito, por razões íntimas, é previsão expressa do Código em questão e resultado de uma incontestável evolução do instituto em relação, sobretudo, à anterior previsão do vício no Código de Processo Civil, de 1939 –, a matéria normativa da espécie, no processo penal, se encontra consignada, acima de tudo, em algumas leis de organização judiciária, não obstante a maior parte dos doutrinadores defender o ponto de vista segundo o qual é possível, in casu, a utilização da analogia – como fator de integração (e não simples interpretação) da norma –, para permitir a aplicação do dispositivo legal expresso no art. 135, parágrafo único, do CPC de 1973 e, agora, a nova previsão legal ínsita no art. 145, §1º, do CPC de 2015, ao Direito Processual Penal.
“Muito embora a suspeição por motivo íntimo não esteja prevista no Código de Processo Penal, se o Juiz criminal se sentir, em consciência, impedido de presidir determinado feito, poderá jurar suspeição por motivo íntimo.” (MIRABETE, 2003, p. 643)
[7] Em essência, as razões, - e a consequente motivação (fundamentação) -, da decisão em que o Juiz declara-se suspeito por motivo de foro íntimo encontram-se exatamente na própria natureza do “foro íntimo” consignado expressa e obrigatoriamente pelo Julgador, revelando-se, desta feita, uma verdadeira impropriedade técnica a expressão registrada no novo texto legal, “sem necessidade de declarar suas razões”, posto que as mesmas estão implicitamente declaradas na própria expressão legal “por razões de foro íntimo”, tanto é assim que, acaso o Julgador venha a, voluntariamente, declinar o conteúdo do “foro íntimo” alegado, o poder discricionário que lhe permite, em última análise, a autêntica facultas de se declarar suspeito por motivo de foro íntimo sem ter de justificar sua conduta, se descaracteriza, transmutando em autêntico poder vinculado, passível, por efeito, de julgamento pelo grau jurisdicional superior.
“[...] O Magistrado não precisa dizer porque se declara suspeito por motivo íntimo. Entretanto, desde que declarou o fato causador da suspeição, no meu entendimento, tenho que a Câmara pode apreciar este fato.” (Des. Túlio Medina Martins, RJTJ-RS, vol. 122, p. 207).
[8] É importante frisar que muitas Faculdades de Direito do Brasil sequer possuem, em seus respectivos currículos escolares, a disciplina hermenêutica jurídica, relegando esta importantíssima matéria de formação interpretativa a simples conteúdos de Introdução ao Estudo do Direito. Neste sentido, tivemos a grata satisfação de, na qualidade de Professor Titular da Universidade Veiga de Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, ter introduzido a mencionada disciplina na grade obrigatória do curso de Direito daquela instituição de ensino.
Abstract: This article analyzes the normative discipline, previous and current, of the judicial disqualification - also referred to as recusal -, examining the criticism regarding this institute. Subsequently, it focuses on the absolute inviolability of such recusal and its irreversibility, highlighting the impossibility of complaint, by the part, in what regards the disqualification.
Keywords: Judicial Disqualification. Recusal. Inviolability. Irreversibility.