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Suspeição por motivo de foro íntimo à luz do novo Código de Processo Civil

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Agenda 21/11/2017 às 16:38

3. Da Absoluta Intangibilidade da Declaração de Suspeição por Motivo de Foro Íntimo

É importante frisar, em tom sublime e de modo a impedir qualquer dúvida a respeito do tema, que a declaração de suspeição do Magistrado, por razões de ordem íntima, caracteriza-se, à luz da doutrina tradicional e amplamente majoritária (se não unânime), bem como da jurisprudência pátria, em efetivo direito subjetivo próprio outorgado ao Juiz, para que este possa, em sua completa inteireza, velar pela absoluta imparcialidade e independência em seus julgamentos, tudo como condição básica e fundamental à garantia constitucional do devido processo legal.

“A regra inscrita no caput do art. 135 do Código de Processo Civil, em relação aos casos de suspeição de parcialidade do juiz, é exaustiva, porque atende a determinada casuística legal. Todavia, na hipótese do parágrafo único, em que a suspeição é jurada pelo próprio juiz, ela se torna exemplificativa e inadmite impugnação pelas partes.” (Ac. unân. da 1ª Câm. do 1º TARJ de 04/05/1982, na exc. de susp. 106, Rel. Juiz Júlio da Rocha Almeida; RT, vol. 585, p. 211) (grifo nosso)

“Não cabe a juiz do mesmo grau, ou sequer ao órgão apto a conhecer de eventual conflito de competência, aquilatar da procedência ou não dos motivos pelos quais outro magistrado jurou suspeição de natureza íntima.” (Ac. 2ª CCTA-RS, C.N. de C. 26/777/Santiago (U.), Rel. Juiz Adroaldo Furtado Fabrício, JB nº 119, Ed. Juruá, p. 79)

“A afirmativa de suspeição por motivo íntimo é de exclusivo arbítrio do Juiz, senhor único da sua conveniência, porque, assim não fosse, o motivo íntimo se enquadraria em uma das hipóteses dos incisos do art. 135 e dependeria de prova.” (Ac. unân. da 8ª Câm. do 1º TARJ de 04/10/1983, na exc. de susp. 104, Rel. Juiz José Edvaldo Tavares)

“A suspeição por motivo íntimo, declarada pelo juiz, é sempre respeitada.” (Ac. unân. da 2ª Câm. do TARS de 16/03/1982, no CC 26.777, Rel. Juiz Adroaldo Furtado Fabrício; JTARS 43/197)

Por outro lado, é importante lembrar que, em nenhuma hipótese, cabe à parte, ou a quem quer que seja, inclusive ao novo Juiz a quem for redistribuída a causa, discutir os motivos que levaram o Magistrado à declaração de suspeição por motivo de foro íntimo, consoante asseveram a doutrina e a jurisprudência clássicas e mais abalizadas sobre o assunto.

“Do ato do juiz, declarando-se suspeito por motivo íntimo e passando a causa ao seu substituto, não cabe qualquer recurso das partes, nem é lícito ao substituto discutir os motivos da suspeição, que o juiz não está obrigado a declarar, nem mesmo ao Tribunal.” (DE PAULA, 1988, p. 606)

Resta também dizer que a faculdade de se declarar suspeito, por motivo íntimo, é um efetivo direito, embora também se constitua em inexorável dever[5] conferido ao Magistrado, pelo qual não é necessário produzir provas.

“Ao juiz confere o art. 135, parágrafo único, o direito (não só a faculdade) de se declarar suspeito, ‘por motivo íntimo’. Motivo íntimo é qualquer motivo que o juiz não quer revelar, talvez mesmo não deva revelar. A lei abriu brecha ao dever de provar o alegado, porque se satisfez com a alegação e não exigiu a indicação do motivo. A intimidade criou a excepcionalidade da permissão: alega-se o motivo de suspeição, sem se precisar provar.” (PONTES DE MIRANDA, 1995, p. 408) (grifo nosso)


4. Da Irretratabilidade da Declaração de Suspeição por Motivo de Foro Íntimo

Muito embora a doutrina defenda o ponto de vista da ampla irretratabilidade da declaração de suspeição, independentemente do motivo elencado, a declaração por razão de ordem íntima, – por se constituir, entre as hipóteses previstas na legislação processual civil em vigor, naquela de maior aspecto subjetivo –, apresenta-se como a mais característica do fenômeno jurídico em questão.

A razão desta assertiva é relativamente simples: a subjetividade implícita na razão de foro íntimo, – e, acima de tudo, a intangibilidade desta declaração (que se manifesta, em última instância, de forma pouco concreta) –, não permitem uma criteriosa aferição, admitindo, ao contrário, uma razoável dose de arbítrio do Juiz que deve ser, de algum modo e em algum momento, restringida.

“A imparcialidade do juiz é princípio básico do processo, pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. O juiz que se declara suspeito por motivos de natureza íntima, fica afastado definitivamente do processo e não mais pode retornar ao mesmo.” (Ac. da 1ª Câm. do TARS de 06/09/1983, Ap. 183.023.969, Rel. Juiz Lio Cézar Schmitt, JTARS, vol. 48, p. 443)

“O juiz, uma vez que se declara suspeito, fica impedido definitivamente de prosseguir no processo, ainda quando ao seu substituto pareça infundado o motivo da suspeição jurada. Não importa que, ao declarar-se suspeito, o magistrado tenha agido certa ou erradamente.” (Ac. 1ª T./TRF – 3ª R., Ap. 91.03.04179/SP (U.), Rel. Juiz Jorge Scartezzini, Rev. Adcoas, BJA 25 (10/09/1991), 133.337, p. 384)

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Todavia, não podemos deixar de registrar, por dever de ofício, algumas vozes discordantes, particularmente na jurisprudência processual penal[6].

“As causas ensejadoras da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo podem ser reavaliadas pelo magistrado, a quem compete averiguar se elas persistem ou não.”

(STJ, REsp nº 1.109.148/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 03/09/2010)

“As razões da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo não podem ser aferidas objetivamente. Apenas o magistrado que a declarou pode reconhecer que ainda persiste, ou o que não mais subsiste. [...].”

(STJ, REsp nº 785939/ES, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 28/09/2009)


5. Impossibilidade de Arguição, pela Parte, de Suspeição do Juiz por Motivo de Foro Íntimo

Consoante entendimento praticamente unânime da doutrina, inexiste a possibilidade de haver arguição, pela parte, da suspeição fundada em razão de foro íntimo, isto porque, como a própria expressão sugere, foro íntimo possui natureza de cunho estritamente pessoal. Ademais, a declaração, pelo Magistrado, de suspeição por razão íntima, configura facultas de seu exclusivo arbítrio (e, em grande medida, dever indeclinável de sua consciência zeladora da imperatividade da absoluta isenção de seus julgamentos), condicionado apenas e tão somente à irrestrita defesa pela permanente presença, na sua atividade jurisdicional, dos elementos mínimos imprescindíveis à garantia do devido processo legal.

“[...] É obvio que a parte não pode argüir suspeição do juiz por foro íntimo, pois isto só o magistrado pode fazer. [...].”

(TRF/2ª Região, REO 200202010349629, 2ª T., Rel. Des. Fed. Antonio Cruz Netto, DJU 14/10/2003)

Sob o mesmo diapasão, a jurisprudência também aparenta ser unânime em afirmar quanto à efetiva impossibilidade de arguição de exceção de suspeição do Juiz, fundada em motivação de foro íntimo, concluindo pela possibilidade apenas nas demais hipóteses expressamente contempladas na lei processual.

“As hipóteses em que a parte pode arguir a suspeição do juiz são as taxativamente enumeradas no CPC.” (Ac. unân. da Câm. Esp. do TJSP, de 15/10/1981, na exc. de susp. 1.000-0, Rel. Des. Dalmo do Valle Nogueira; RT, vol. 565, p. 95)

“Os dispositivos referentes à suspeição, por constituírem normas de exceção, não admitem interpretação extensiva e as causas que a justificam são exclusivamente as enumeradas em lei.” (Ac. unân. da 1ª Câm. do TJMT, de 22/08/1983, na exc. de susp. 87, Rel. Des. Carlos Avalone, RT, vol. 590, p. 232)

“A exceção de suspeição é matéria de direito estrito. Assim, só podem ser invocadas, para a recusa do julgador, as hipóteses previstas em lei.” (Ac. unân. da 2ª Câm. Crim. do TJGO, de 27/05/1980, na exc. de susp. 128, Rel. Des. Arinan de Loyola Fleury; Rev. Goiana de Jurisp., vol. 16, p. 9)


6. Do Novo Texto Legal Introduzido com o Código de Processo Civil de 2015

De certa forma, - após toda a sorte de considerações expostas -, o Novo CPC (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) consignou (expressamente) a desnecessidade de o Juiz declinar as respectivas razões de sua suspeição por motivo de foro íntimo, conforme previsão contida no art. 145, parágrafo 1º:

“Art. 145. Há suspeição do juiz:

[...].

§1º.  Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.” (grifo nosso)

Tal dispositivo legal, como se vê, reflete a jurisprudência mansa, pacífica e tranquila a respeito do tema, corroborando o lamentável fato de que a jurisprudência, mesmo quando oriunda de tribunais superiores e da própria Suprema Corte, revela-se como uma fonte do Direito brasileiro constantemente negligenciada, quando não simplesmente desprezada, quer pelo fato de seu simples desconhecimento, quer pelo fato de uma persistente desobediência judiciária.

Também não se pode olvidar que uma das razões decisivas que ensejaram a (redundante) inserção da expressão “sem necessidade de declarar suas razões”[7] no novo texto legal repousa justamente na reconhecida carência de conhecimentos técnico-processuais por parte dos atuais e mais jovens operadores do Direito (juízes, membros do Ministério Público e advogados), problemática que é fruto de um ensino jurídico de péssima qualidade e que negligencia a importância da disciplina hermenêutica, reduzindo-a a condenáveis debates político-ideológicos[8].

Nada obstante a clareza da regra consubstanciada no Novo CPC, o CNJ, por meio do Ofício Circular nº 22, de 3 de junho de 2016, determinou a observância da Resolução nº 82/2009, o que ensejou o ajuizamento de Mandado de Segurança Coletivo (nº 34.316) junto à Corte Suprema, tendo o Ministro Teori Zavascki, em sede de pedido de liminar, decidido da seguinte forma:

“DECISÃO: 1. Trata-se de mandado de segurança coletivo, com pedido de liminar, impetrado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) contra ato da Corregedora Nacional de Justiça ‘consubstanciado no Ofício Circular n. 22, de 3 de junho de 2016, que determinou a observância da Resolução nº 82 do CNJ’ (fl. 1). Inicialmente, as impetrantes apresentam os seguintes fatos: (a) por meio da Resolução 82, havia o Conselho Nacional de Justiça criado norma exigindo dos magistrados que informassem às corregedorias a que estivessem vinculados as razões do ‘foro íntimo’ invocado nos processos em que afirmassem suspeição; (b) essa resolução foi atacada por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.260), tendo, a Relatora, Min. Rosa Weber, determinado a observância do rito do art. 12 da Lei 9.868/1999, o que inviabilizou a apreciação do pedido de medida cautelar; (c) assim, apresentaram Pedido de Providências perante o CNJ para suspender a eficácia dessa resolução, o qual não foi apreciado; (d) em seguida, impetraram mandado de segurança nesta Corte (MS 28.215), tendo o então Relator, Min. Ayres Britto, deferido o pedido de liminar; (e) em 2015, o mandado de segurança teve seu pedido negado com base na Súmula 266/STF, o que resultou na revogação da liminar; (f) intimados pela autoridade impetrada para que se manifestassem nos autos do referido Pedido de Providências, postularam a suspensão da eficácia da resolução ante a superveniência do novo código de processo civil (CPC/2015), o qual dispensa o magistrado de declarar as razões da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo; (g) distribuídos os autos ao Conselheiro Arnaldo Hossepian Júnior, o pedido foi indeferido pelo fundamento de que a matéria fora judicializada na ADI 4.260; (h) em 3/6/2016, a autoridade impetrada expediu o Ofício Circular 22 determinando a observação da Resolução 82, sendo esse o ato atacado no presente mandado de segurança. Quanto ao mérito, sustentam as impetrantes que: (I) o CPC/15 (Lei n. 13.105/2015), indo além do CPC/73, deixa claro que, ao declarar a suspeição por motivo íntimo, o magistrado assim o fará sem necessidade de declarar suas razões; (II) nos termos do § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ‘a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior’; (III) ‘o § 1º do art. 145 não apenas regulou inteiramente a matéria de que trata a Resolução nº 82, como também a nova redação da lei se mostra incompatível com o da Resolução n. 82’; (IV) também nos processos de natureza penal a norma aplicável sobre a suspeição por motivo íntimo era e continua sendo a do CPC (fl. 9). No mais, informam que (i) ‘há procedimento em curso perante o CNJ visando a obter o pronunciamento do seu Plenário sobre a ocorrência ou não da revogação da Resolução n. 82’; e (ii) o Grupo de Trabalho formado no CNJ para discutir o novo CPC sugere a revogação dessa resolução (fl. 7). Requerem a concessão de liminar para a suspensão dos efeitos do Ofício Circular 22/2016 até o final julgamento do mandado de segurança, invocando, a título de periculum in mora, o conteúdo do ato impetrado, que reitera a exigência dos termos da Resolução 82 do CNJ. Pedem, ao final, seja concedida a ordem para ‘declarar inexigível aos magistrados as normas contidas na Resolução n. 82 do CNJ, uma vez que foi revogada pelo § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil de 2015’ (fl. 12).

Atendendo a despacho da Presidência proferido em 25/7/2016, a autoridade impetrada prestou informações (doc. 31).

2. O deferimento de medidas liminares pressupõe presentes a relevância jurídica da pretensão, bem como a indispensabilidade da providência antecipada, como forma de garantir a efetividade de futuro e provável juízo de procedência. No caso, está configurada a relevância do direito afirmado pelas impetrantes, tendo em vista que o ato normativo que a autoridade coatora exige seja cumprido tornou-se, à primeira vista, incompatível com a superveniência do novo código de processo civil (CPC/2015), segundo o qual ‘Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões’ (art. 145, § 1º). Nessas circunstâncias, deve ser suspensa a eficácia do ato impetrado (Ofício Circular 22/2016, da Corregedora Nacional de Justiça), ressaltando-se, ademais, que não está o CNJ impedido de examinar, em procedimento próprio, o tema da revogação da Resolução 82 pelo CPC/2015.

3. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos do Ofício Circular 22/2016 da Corregedora Nacional de Justiça. Solicitem-se informações, procedendo-se aos demais atos previstos no art. 7º, I e II da Lei 12.016/09. Dê-se vista, oportunamente, ao Procurador-Geral da República.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 22 de agosto de 2016.”

Cumpre registrar, por derradeiro, que o CNJ, na 18ª Sessão do Plenário Virtual (25/08/2016 à 30/08/2016), finalmente revogou a malsinada Resolução, tendo o Relator, o Conselheiro Gustavo Alkmim, expressamente reconhecido que “o legislador, quando modificou o normativo processual sobre o tema, buscou preservar a intimidade do Magistrado, garantindo a sua independência e imparcialidade, sem presumir, de plano, o uso abusivo do seu direito de se afastar do processo por motivo de foro íntimo.”

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Suspeição por motivo de foro íntimo à luz do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5256, 21 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62138. Acesso em: 2 nov. 2024.

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