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Arbitragem na Justiça Laboral

Agenda 01/02/2005 às 00:00

A Justiça do Trabalho é um ramo sui generis, abraçando princípios próprios além dos constitucionalmente consagrados. Marcada pela informalidade, oralidade e celeridade processual, a justiça laboral, tem avançado e procurado maneiras de se tornar a justiça modelo em nosso país: uma destas formas é a adoção da conciliação como "carro-chefe" de sua atuação, reforçada recentemente pelas Comissões de Conciliação Prévia Trabalhistas (CCPT) que são órgãos paritariamente formados, que vem ganhando força jurisprudencial e doutrinária no sentido de serem passagem obrigatória, onde tiverem sido estabelecidos, antes do campo judicial, configurando-se como verdadeiro pressuposto processual.

Num momento em que se discute o fim do jus postulandi, substituindo-se este pelas Defensorias Públicas Trabalhistas (ALMEIDA, 2005 e COUTO, 2004) e que as vozes pela reforma trabalhista planejam flexibilizar os "indisponíveis direitos trabalhistas", pode parecer até esdrúxulo comentar a recente decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Trabalhista de São Paulo – TRT/SP, que vedou a aplicação da arbitragem na justiça trabalhista, no processo de nº 00958200201602005 (20030321942). Vejamos a decisão (NANCI, 2004):

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP NO: 00958200201602005 (20030321942)
RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO
1º) RECORRENTE: ASSOCIAÇÃO BRAS BANCOS EST REG ASBACE e OUTRA (1)
2º) RECORRENTE: GILDETE VASCONCELOS SÃO FELIX
RECORRIDO: OS MESMOS
ORIGEM: 16ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: (1) JUÍZO ARBITRAL. LEI Nº 9.307/96. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO DO TRABALHO. A Lei nº 9.307/96 está direcionada às relações civis e comerciais e portanto, não tem aplicação subsidiária no âmbito desta Justiça Especializada pelo portal do artigo 8º consolidado, eis que lhe falta a conditio essencial da compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Nem a presença de um sindicato de trabalhadores por trás dessa aparente "negociação" afasta a manifesta fraude (art. 9º, CLT), até porque a entidade que se prestou a esse papel sequer detém o munus representativo dos bancários, tendo a reclamante sido reconhecida como tal, à luz da prova produzida.

Entretanto, não pode ser absurdo afirmar que os tribunais estão indo em direção oposta aos legisladores hodiernos, principalmente se formos analisar os últimos projetos apresentados, quase todos no sentido de flexibilizar ou suprimir direitos trabalhistas.

A arbitragem nos moldes brasileiros é instrumento para discussão de direitos indisponíveis, eis que para os disponíveis apenas o judiciário é competente. Essa discussão é essencial para firmar entendimento sobre a aplicabilidade da arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas, pois a Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) expressamente diz:

Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.

Parágrafo único. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem.

Por oportuno, cabe citar a definição de MORGADO (1998, p. 31) a arbitragem como um meio alternativo de solução de conflitos, através do qual as partes elegem uma terceira pessoa, cuja decisão terá o mesmo efeito que a solução jurisdicional, pois é impositiva para as partes, definição esta extremamente relevante para a apreciação da questão, afirmando que a arbitragem, assim como as comissões de conciliação prévia trabalhistas são meios de solução de conflitos, apesar da controvérsia sobre as CCPT sobre a obrigatoriedade de primeiro nelas ingressar antes da Justiça do Trabalho.

A grande celeuma é com relação especialmente a cláusula compromissória que retiraria a competência da Justiça Trabalhista de reavaliar a questão após exarada sentença arbitral, a não ser com relação a vícios, segundo a lei de arbitragem, vejamos:

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Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

I - for nulo o compromisso;

II - emanou de quem não podia ser árbitro;

III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;

IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;

V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;

VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;

VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e

VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.

Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.

A doutrina brasileira encontra-se dividida no tocante à aplicabilidade da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas. Também diverge bastante sobre a indisponibilidade das normas trabalhistas, porque conceito direito público e norma de ordem pública, para alguns, tem diferenças, como assenta VASCONCELOS (1999, p 238):

Ambas as situações traduzem graus diferentes de interesse público. A presença do Estado como parte da relação jurídica e o respectivo conteúdo definem a relação de direito público. Já a norma de ordem pública, apresenta-se como limitação da autonomia da vontade das partes na definição do conteúdo da relação jurídica objeto da avença (de natureza privada) celebrada entre as mesmas. Assim as normas cogentes incidentes na relação jurídica de direito individual de trabalho, celebrada entre particulares (trabalhador e empregador), são normas de ordem pública, em função do grau de interesse público vislumbrado nesta espécie de relação jurídica. Mas, a relação de trabalho é de natureza privada, não tendo lugar a objeção quanto à impossibilidade de adoção do instituto da arbitragem neste campo, sob a alegação de que se trata de ramo de direito público, cuja indisponibilidade é característica fundamental.

Essa dissonância doutrinária contribui para a valorização do tema e para brotarem várias especulações doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Como assenta RAMOS (2002):

Embora reconhecido constitucionalmente no âmbito dos dissídios coletivos de trabalho, a arbitragem exige maiores considerações quando aplicada a dissídios individuais, sendo razoável a inclusão de cláusula compromissária em convenção ou acordo coletivo de trabalho, por força da representação sindical da categoria profissional que visa a atender aos anseios dos trabalhadores. De qualquer sorte, certo é que a arbitragem, ainda que prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho não pode jamais prescindir dos princípios fundantes do direito material do trabalho.

A decisão ora comentada parece, sob melhor juízo, fundada em alguns "pré-conceitos", o primeiro deles de que a arbitragem é campo para fraudes e má-fé, o que não pode prosperar sob nenhum ângulo, uma vez que o próprio judiciário tem sido utilizado nas lides comuns para homologar absurdos e encobrir tudo com manto da coisa julgada. Cabe também dizer, acerca da decisão, que este posicionamento não tem sido o do Tribunal Superior do Trabalho – TST, que vem sedimentando jurisprudência em sentido diverso.

O argumento que ao nosso ver mais pesa na questão é a posição de hipossufiência que o legislador quis colocar o empregado, sendo inclusive comentado por MORGADO (1998, p. 46):

considerando a posição desvantajosa da grande maioria dos trabalhadores em relação aos empregadores, a arbitragem, nos dissídios individuais, deverá se revestir de algumas cautelas, para que não se transforme num meio de burlar as normas trabalhistas de proteção ao empregado, ou mesmo de imposição a este do meio alternativo de solução.

Nota-se que a referida doutrinadora não afastou a possibilidade da arbitragem ser aplicada, entretanto ad cautela reputou necessários cuidados especiais para que esta possível aplicação não se reverta num prejuízo ao trabalhador.

E há magistrados trabalhistas que também defendem a aplicação da arbitragem na justiça trabalhista a exemplo de OLIVEIRA (1996), o que demonstra que até dentre os juízes trabalhistas encontramos vozes a favor da utilização da arbitragem em dissídios individuais, vejamos:

Concluindo, a arbitragem instituída pela Lei 9.307/96, como faculdade das partes à submissão de controvérsias à decisão de árbitros e não como preceito de cunho obrigatório (senão após cláusula compromissória entre as partes interessadas), não afronta o artigo 5º, XXXV e LV, da Constituição, eis que continua a permitir o acesso ao Judiciário, ainda que então restrito para discussões sobre defeitos ou nulidades da arbitragem prometida ou instituída, e, em relação às controvérsias trabalhistas e sindicais, não se restringe ao campo dos dissídios coletivos, eis que o artigo 114 apenas elenca a necessidade de recusa à arbitragem como elemento de admissibilidade da ação concernente a tais controvérsias, sem caráter impeditivo de sua instituição no campo dos dissídios individuais.

PASTORE (2002) elaborou um quadro comparativo da arbitragem com a justiça trabalhista que é interessante para termos uma base se análise sobre os dois institutos:

Itens de análise

Arbitragem trabalhista

Justiça do Trabalho

Prazo para marcação de audiência

10 dias após a apresentação da reclamação

6 meses após a entrada da ação (em média)

Tempo para resolver o caso

No máximo 30 dias, em audiência única.

De 2 a 7 anos, se não resolvido na primeira audiência.

Custo do procedimento ou ação judicial

R$ 130 (média), geralmente pagos pela empresa (dados de 2000)*.

De R$ 2 mil (s/recursos) a R$ 25 mil (c/recursos) (média em 2000)

Gastos para o trabalhador

Nenhum

Honorários advocatícios: 20% do valor da causa (média)

Prazos processuais

Flexíveis e remarcáveis

Rígidos e sujeitos a perdas

Decisão

Laudo é terminativo

Sentença é sujeita a recursos

Acesso ao processo

Sigiloso

Público

(*) Em 2002, o custo médio está em torno de R$ 350 cada procedimento.

LEMES (2003) faz uma análise do uso da arbitragem nos conflitos trabalhistas, ressaltando a presteza e rapidez para a solução final do conflito:

arbitragem renovada pela Lei nº 9.307/96, que singelamente oferece a possibilidade de solucionar conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis fora do Judiciário. Atualmente é a área em que a arbitragem mais se prolifera. Em Centros de Arbitragens idôneos, que se dedicam também à área laboral, bem aparelhados, com profissionais capacitados, que oferecem ao trabalhador assistência gratuita de advogado, quando necessário, e que conta com a participação do representante sindical da categoria, as sentenças arbitrais são expedidas quase sempre em um mês.

Em São Paulo (Capital) onde se tem notícia que a Justiça Trabalhista está afogada em milhares de processos sem esperança de retorno à condição de exemplo na rapidez da prestação jurisdicional a aceitação da arbitragem de modo inequívoco poderia significar o desafogamento da instância judicial e a satisfação e pacificação social que são as razões da existência da estrutura do Judiciário.

O quadro apresentado elucida e demonstra que a arbitragem seria benéfica ao empregado, principalmente no tocante ao sigilo, uma vez que acabaria a perseguição a trabalhadores que recorrem ao Judiciário, pois todos sabemos que ficam "marcados" como mão-de-obra que não compensa porque exige seus direitos.

A arbitragem na seara trabalhista é algo novo e que provocará ainda muita discussão. A visão de que a arbitragem ameaça o campo de atuação de advogados, procuradores e magistrados é uma barreira a ser transposta para que possa haver aplicação da arbitragem nos dissídios individuais, uma vez que as comissões são permitidas não há razão justificadora para negar que o direito arbitram poderia auxiliar e muito a justiça trabalhista, principalmente agora, após Emenda Constitucional nº 45, que ampliou significativamente a competência da justiça trabalhista.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Dayse Coelho de.A quem interessa a continuidade do Jus Postulandi na Justiça do Trabalho?Justilex, Brasília, a. IV, n. 37, jan. 2005.

COUTO, Alessandro Buarque. A Defensoria Pública na Justiça do Trabalho. Jus Vigilantibus, 5 outubro de 2004. Disponível em: <http://www.jusvi.com/site/p_detalhe_artigo.asp?codigo=2182&cod_categoria=&nome_categoria=>. Acesso em 15/01/2005.

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A arbitragem e os conflitos coletivos de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 1990, p. 32.

LEMES, Selma Ferreira. O Uso da Arbitragem nas Relações Trabalhistas. Artigo Publicado no Jornal Valor Econômico 15.08.03 - Legislação & Tributos, p. E- 2.

MENEZES, Iure Pedroza. Arbitragem no Direito do Trabalho e a Constituição Federal de 1988. Âmbito Jurídico, 2002. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/dtrab0053.htm>. Acesso em: 15 jan. 2005.

MORGADO, Isabele Jacob. A arbitragem nos conflitos de trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

NANCI, Luciana. Ser ou não ser. Arbitragem não pode ser aplicada em conflitos trabalhistas. Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2004. Disponível em: <http://conjur.uol.com.br/textos/250428/>. Acesso em 15 jan. 2005.

OLIVEIRA. Alexandre Nery Rodrigues de. Arbitragem e justiça do trabalho: análise da lei 9.307/96. Universo Jurídico, 5 de novembro de 1996.Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=482>. Acesso em 15 de janeiro de 2005.

PASTORE, José. Arbitragem trabalhista. Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/06/2002. Disponível em:<http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/162.htm>. Acesso em: 15 de janeiro de 2005.

RAMOS, Augusto Cesar. Mediação e arbitragem na Justiça do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2620>. Acesso em: 15 de jan. 2005.

VASCONCELOS, Antonio Gomes de. Núcleos intersindicais de conciliação trabalhista. São Paulo: LTr, 1999, p. 238

Sobre a autora
Dayse Coelho de Almeida

Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe - UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados - ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Coautora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Dayse Coelho. Arbitragem na Justiça Laboral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 574, 1 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6254. Acesso em: 21 nov. 2024.

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