INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda o regulamento da tutela provisória – tutela de urgência e tutela de evidência – no âmbito do Novo Código de Processo Civil (NCPC), Lei nº 13.105/2015, em vigor desde 18 de março de 2016, visando estabelecer comparativo entre a sistemática processual que vigeu desde o CPC/73 (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) e a nova sistemática para destacar eventuais modificações e implementos promovidos pelo novo Código quanto à tutela evidência.
Assim, no presente ensaio, desenvolveu-se estudo de natureza qualitativa, na forma de pesquisa bibliográfica, abrangendo aspectos relativos à tutela provisória no NCPC, em especial, à sua espécie – tutela da evidência, distribuído nos três tópicos que se seguem.
1 A TUTELA DE EVIDÊNCIA
A tutela de evidência, que independe da demonstração de dano ou de risco ao resultado útil do processo, está baseada numa demonstração do direito da parte com grau de probabilidade tão elevado, que o torna desde logo evidente, resulta em tratamento diferenciado pelo juiz, a fim de evitar o sacrifício do direito do autor frente ao tempo do processo.
Porquanto, a tutela de evidência é fundada na evidência do direito e, embora seja tutela provisória, não o é tutela de urgência, razão pela qual não se cogita do periculum in mora.
Assim, quanto à tutela objeto de estudo, no momento em que se possa verificar que, pelo menos aparentemente, o direito do autor demonstre mais força, o juiz pode deferi-la, por meio de cognição sumária.
Após sua concessão, o réu deve continuar se defendendo no processo. E, se for o caso, pode lançar mão do seu direito de interpor recurso contra a tutela provisória, que é passível de ser revogada.[1]
A tutela de evidência é uma espécie de tutela provisória e, ao contrário do que parece, ela não é de forma absoluta uma novidade de Novo Código de Processo Civil – NCPC, pois o Código de Processo Civil de 1973 – CPC/73 já previa algumas hipóteses.[2] [3]
2 OS REQUISITOS DA TUTELA DE EVIDÊNCIA
Por sua vez, são requisitos da tutela de evidência o requerimento da parte e, além desse, a comprovação de evidência do direito material da parte autora (qualquer das quatro circunstâncias de evidência elencadas no art. 311 do NCPC).
2.1 Requerimento da parte interessada
Assim como na tutela de urgência, na tutela de evidência cabe à parte interessada formular o pedido, bem como expor as razões ao juiz competente para o deferimento da medida.
2.2 Circunstâncias de evidência
A circunstância de evidência dá-se quando da ocorrência de qualquer das situações enumeradas no art. 311 do NCPC (que apresenta rol com quatro incisos heterogêneos).
Em cada inciso o legislador considera situação que reputa como de evidência. Assim, são incisos autônomos ou não-cumulativos, bastando que qualquer deles esteja configurado para que seja deferida a tutela de evidência mediante apreciação do magistrado em decisão fundamentada.
Nas quatro hipóteses a medida pode ser deferida depois da efetiva participação do réu no processo, mas somente em duas delas pode sê-lo inaudita altera parte (inc. II e III), como se verá adiante (parágrafo único, do art. 311[4] e do art. 9, do NCPC[5]), pois independem da oitiva prévia do réu.
Dessa forma, tem-se como requisitos da tutela de evidência o requerimento da parte interessada, assim como as situações definidas como de evidência no art. 311 do NCPC.
E, em razão de os incisos desse artigo serem autônomos, cumpre, nessa oportunidade, trazer a comento cada uma dessas situações autorizativas, como segue.
2.2.1 Abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório da parte (inciso I)
Na prática, o requerido pode adotar medidas para frustrar a prestação jurisdicional e/ou estender o lapso temporal normal do processo utilizando-se de instrumentos processuais de forma excessiva, abusiva, inadequada.
Isso significa fazer uso desvirtuado de medidas processuais, por exemplo, usar de incidentes para retardar o regular desenvolvimento do processo como o requerimento de prova testemunhal sobre fatos já demonstrados por prova documental ou pericial (art. 443, inciso II, do NCPC), comprometendo a economia processual e a própria celeridade.
O que não pode ser admitido em respeito ao postulado de que aquele que participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva e a cooperação (arts. 4º, 5º e 6º do NCPC).
Por isso, esse primeiro inciso do art. 311[6], que trata do abuso do direito de defesa e do manifesto intuito protelatório, não parece abordar, ao menos de forma direta, a evidência propriamente dita do direito do requerente, mas uma espécie de sanção para o réu que age fora dos liames da boa-fé no processo.
Dessa forma, somente após a efetiva participação do réu, o magistrado pode extrair dos atos processuais praticados e dos argumentos apresentados se esse age ou não como quem abusa do direito de defesa ou tem manifesto intuito protelatório. Daí porque a medida não pode ser deferida, nessa hipótese, liminarmente inaudita altera parte, pois pressupõe a participação do réu na relação processual.[7]
Oportuno lembrar, que esta hipótese estava prevista no CPC/73, como ensejadora da tutela antecipatória (inciso II, do art. 273). No entanto, pela nova sistemática, enseja direito à tutela da evidência ao autor (por pedido incidente, apenas).[8]
2.2.2 As alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (inciso II)
O inciso II do art. 311[9], ao prever hipótese na qual “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”, apresenta situação bem característica de evidência.
Quanto à parte desse inciso que dispõe “[...] em julgamento de casos repetitivos [...]”, leia-se em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) (arts. 976 a 987 do NCPC) e recursos repetitivos (arts. 1.036 a 1.041 do NCPC).
Nesse sentido, o Código novel autoriza o deferimento de tutela de evidência, nos termos do inc. II do art. 311, no caso de tese firmada em jurisprudência, por meio de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), nos Tribunais de Justiça (TJs) ou nos Tribunais Federais (TRFs); ou de tese firmada em precedente, por meio de recurso repetitivo, no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, além disso, em Súmula Vinculante (incluída pela EC nº 45/2004).
Os conceitos de jurisprudência e precedentes não podem ser confundidos, mas o principal, por ora, é saber que segundo a nova sistemática, assim como as súmulas vinculantes, o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos repetitivos têm força vinculante (inc. III do art. 927).
Daí a importância de se identificar a parte vinculante dessas decisões (ratiodecidendi ou holding), posto que aos ministros, aos desembargadores e aos juízes a elas vinculados cabe observância dos seus parâmetros de formação, assim como aplicar ao caso concreto a parte vinculante do acórdão que resolveu o caso paradigma.[10]
Destaque-se que somente as Cortes Supremas (STF e STJ) formam precedentes – firmados em recurso extraordinário e especial. E que somente as Cortes de Justiça (TRFs e TJs) dão lugar à jurisprudência em IRDR – no caso em estudo.
Porém, segundo o NCPC, para a instauração de IRDR, não pode estar pendente de análise recurso repetitivo já afetado por Tribunal Superior[11], o que leva a concluir que o precedente (em recursos repetitivos) tem força hierárquica superior à jurisprudência (em IRDR).
O tema é novo e exige estudo mais verticalizado para melhor compreensão do IRDR e dos recursos repetitivos, mas, por ora, basta saber que para o deferimento de tutela da evidência faz-se necessário que o autor apresente fatos comprovados por documentados (sem necessidade de demonstração por outro meio), bem como que a tese de direito apresentada esteja firmada em casos repetitivos ou súmula vinculante.
Por fim, convém abordar o seguinte questionamento: na hipótese de as alegações de fato poderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, seria o caso de o magistrado julgar procedente de plano? Não.
Segundo o ordenamento jurídico pátrio, o magistrado pode julgar apenas improcedente de plano nessas hipóteses (art. 332, inc. II e III), hipótese em que o mérito é resolvido contra o autor, independentemente da citação do réu – decisão que pode ser atacada por apelação, que, excepcionalmente, viabiliza o juízo de retratação do juiz de primeiro grau (§3º do art. 332).
2.2.3 Pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa (inciso III):
A hipótese do inciso III do art. 311[12] é situação bem específica, pois trata de pedido reipersecutório – realizado pelo proprietário do bem que não está na sua posse – fundado em prova documental do contrato de depósito.
Como sabido, no texto do CPC/73 constava, em meio aos procedimentos especiais (arts. 901 a 906, do CPC/73), a previsão da ação de depósito (desse modo, caso não fosse cumprido o contrato de depósito firmado, a parte poderia interpor a referida ação e formular pedido liminar).
Todavia, o NCPC não renovou a previsão de ação de depósito como ação de procedimento especial. O que não significa dizer que a ação de depósito não existe mais no ordenamento jurídico, mas tão somente que pertencerá ao procedimento comum.
Uma vez que, a ação de depósito no NCPC é ação de procedimento comum. Assim, se o autor comprovar por escrito a existência do contrato de depósito, o juiz pode deferir, em cognição sumária, a tutela de evidência nos termos desse inc. III do art. 311, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa.
Pode-se, inclusive, concluir que essa hipótese de tutela de evidência surgiu para suprir a eventual falta de liminar em ação de depósito, posto que o novo Código não traz previsão de procedimento especial dessa ação.[13]
2.2.4 Petição inicial instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (inciso IV)
Esta situação do inciso IV do art. 311[14], ao prever hipótese em que “a petição inicial instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”, se assemelha àquela do inciso I, quanto à comprovação por documento. Porém, neste inciso, exige-se que o réu não oponha impugnação capaz de gerar dúvida razoável.
Assim como na hipótese do inciso I, essa hipótese do inciso IV não pode ser deferida de plano, ou melhor, antes da citação e da manifestação do réu, uma vez que pressupõe fase processual em que o réu esteja integrado formalmente à relação processual.
Tem-se que essa hipótese ocorre nos casos em que – embora não seja comum – o réu já tenha contestado, mas sua impugnação não foi capaz de convencer o juiz. E este, por sua vez, entende que não é o caso de julgamento antecipado total ou parcial do mérito (situação de dispensa de dilação probatória e de pedido incontroverso – art. 355, inc. I e art. 356, inc. I, ambos do NCPC) e, por isso, defere a medida de evidência.
Assim, concomitantemente, o juiz dá prosseguimento ao feito para produção de outras provas e, somente ao final, após consolidado o seu livre convencimento, profere sentença, que faz coisa julgada material – contra a qual cabe apelação então.
No entanto, a decisão que defere medida de evidência pode ser atacada por agravo de instrumento, posto que se trata de decisão interlocutória (art. 1.015, inc. I).
Destaque-se, para o autor é mais vantajoso que a sentença confirme a tutela de evidência concedida anteriormente (o mesmo raciocínio se aplica caso o juiz conceda a tutela de evidência na própria sentença – em capítulo de sentença, o qual é impugnável por apelação também – art. 1.009, 3º e art. 1.013, §5º), pois isso dará à sentença eficácia imediata.
Isso porque o efeito suspensivo desaparece quando o magistrado confirma ou concede na sentença uma tutela provisória (art. 1.012, §1º, inc.V).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A classificação quanto à fundamentação da tutela provisória abrange a tutela de urgência (arts. 300 a 310) e a tutela de evidência (art. 311). E se presente uma dessas duas situações (urgência ou evidência), a depender do caso, o juiz pode deferir – mediante provocação da parte interessada – a medida adequada à efetiva tutela do direito pleiteado. Ou seja, é suficiente que uma – e apenas uma – dessas duas circunstâncias estejam presentes, o que significa dizer que não são cumulativas, pois têm natureza e requisitos distintos.
De fato, o CPC/73 não estabelecia distinção entre tutelas de urgência e de evidência como o fez o legislador do NCPC. E o critério de distinção utilizado pelo legislador do novo Código entre essas duas espécies de tutela provisória é a urgência.
Como sabido, para que reste configurada a tutela de urgência, fazem-se necessárias evidências da probabilidade do direito e o perigo de dano ou de riscos ao resultado útil do processo, nos termos do caput do art. 300 - que destina-se a situações inadiáveis.
Por outro lado, para que reste configurada a tutela da evidência, deve estar presente uma das quatro hipóteses do art. 311 do NCPC (rol taxativo ou numerus clausus), reconhecida independentemente da demonstração de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
Por fim, a tutela de evidência destina-se, às formas de tutela não urgentes, mas apreciadas por meio de decisão sumária em razão da evidência do direito.
REFERÊNCIAS
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
Notas
[1]MARINONE. Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 332 e 333.
[2]Art. 273, CPC/73: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
[3]Art. 1.102-A, CPC/73: A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.
[4]Parágrafo único do art. 311. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
[5]Art. 9. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Paragrafo único: O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; à decisão prevista no art. 701.
[6]Inciso I do art. 311. ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; [...]
[7]Parágrafo único do art. 311. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 333.
[9]Inciso II do art. 311. as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; [...]
[10]MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 873 e 874.
[11]§ 4º do art. 976. É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.
[12]Inciso III do art. 311. Se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
[13]MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 323.
[14]Inciso IV do art. 311. A petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.