3 – DA REPARAÇÃO DO DANO EXISTENCIAL
3.1 Análise Sobre a Eficiência do Atual Modelo de Reparação
A reparação integral dos danos extrapatrimoniais constitui princípio basilar da responsabilidade civil. Está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos V e X, que busca a mais ampla e completa compensação possível pelos danos sofridos pela vítima, com o objetivo, primeiro, de diminuir ou amparar o sofrimento gerado e, também, para inibir a reiteração da prática danosa pelo ofensor ou por terceiros.
Enquanto o dano material é indenizado em equivalência monetária ao prejuízo causado, a lesão imaterial, por não ser passível de aferição econômica, terá sua valoração analisada pela compensação do sujeito lesado, pela sanção que deve ser imposta ao causador e pela prevenção para que novas práticas sejam evitadas.
Existem correntes minoritárias que asseveram que o modelo de reparação monetário não é o ideal para compensar uma lesão extrapatrimonial, entretanto fica evidente ser esse o melhor meio de reparação visto que é impossível se retornar ao status quo ante quando tais prejuízos são causados. A título de exemplo, não pode uma empresa retornar seu empregado à situação anterior que ele integrava após ter-se evidenciado ser ele vítima de dano existencial.
Apesar dos pontos positivos que lhe são atribuídos, a pratica atual gera o suposto fenômeno da “indústria do dano moral”, pela qual se multiplicam as ações indenizatórias por questões das mais variadas. Recebe tal nomenclatura em razão do aumento no número de demandas judiciais que pleiteiam reparação por danos extrapatrimoniais no Brasil, notadamente a partir do início deste século. Os pleitos se referem a diversos fatos supostamente lesivos em searas cíveis, consumeristas e laborais visando unicamente a obtenção da quantia financeira a ser provida em juízo.
Sabe-se que a reparação do dano em estudo se dá por meio de indenização fixada pelo juiz, como forma de gerar uma sensação agradável ao ofendido com o embolso de quantia monetária, cujo objetivo é de compensar o prejuízo sofrido. Mas para tanto, é necessário que sejam preenchidos alguns pressupostos específicos para que seja ajustada uma quantia a título de indenização a ser paga.
Júlio César Bebber (2009, p. 29) elenca os pontos que devem ser observados, a injustiça do dano, a situação presente da vítima com relação ao passado e ao provável futuro, a razoabilidade do projeto de vida e, por fim, o alcance do dano. É preciso que o dano seja causado de forma injusta à vítima para que torne necessária a sua reparação. Deve ser analisada também a situação presente da pessoa ofendida com relação ao momento anterior ao dano. Com essa análise é que se pode dizer que houve um dano existencial que afetou de maneira negativa a vida do empregado em suas perspectivas.
Por fim, um importante critério para a caracterização do dano existencial é a percepção da razoabilidade do projeto de vida da vítima, tendo em vista que é preciso que se faça uma análise sobre a possibilidade e probabilidade de concretização do plano idealizado e posteriormente frustrado. Um projeto que se mostre implausível não pode, obviamente, ser danificado ou obstado, de modo que sua reparação também não se torna possível.
Além disso, é essencial que se busque toda a abrangência de resultados negativos proporcionados pelo dano para que se possa fixar de maneira justa o valor a ser pago a título de indenização.
Mesmo com a utilização de tais critérios, não são uniformes os valores estipulados em condenações por danos existenciais. Em pesquisa realizada no início desta década, a doutora e professora Flavia Portella Püschel (2011) analisou que os valores das indenizações por danos extrapatrimoniais em 57% das decisões de Tribunais Regionais do Trabalho não ultrapassam vinte e cinco mil reais, relativos a diversas causas de pedir. Conclui-se que as decisões sobre danos extrapatrimoniais na seara trabalhista no Brasil possuem atribuições de valores relativamente baixos, ainda mais quando se nota, na mesma pesquisa, que apenas 10% das condenações alcançam valores acima de cinquenta mil reais.
Uma explicação utilizada para justificar a aplicação de valores baixos para indenização das vítimas é a da vedação ao enriquecimento sem justa causa, previsto no artigo 884 do Código Civil. Devido a este dispositivo a vítima não pode auferir indenização superior ao dano sofrido.
Por outro lado os valores baixos nas condenações de danos existenciais demonstram que os empregadores causadores do prejuízo não experimentam da função punitiva de maneira eficiente, tornando ineficaz a função pedagógica da indenização, o que consequentemente mantem a relação de emprego lesiva ao elo mais fraco.
Sendo assim, tal pesquisa não condiz com a ideia da “indústria do dano moral”, na qual indivíduos ajuízam demandas reparatórias com o intuito de enriquecer indevidamente. Pelo contrário, a justificativa para a existência de tantos processos envolvendo discussões sobre danos extrapatrimoniais no âmbito trabalhista parece ter conexão com o fato da baixa punibilidade dos agentes causadores.
Os agentes causadores ao receberem condenações em valores baixos, calculam o lucro que obtiveram em cima do dano causado e passam a analisar se é mais viável economicamente prevenir ou impedir a ocorrência do dano ou simplesmente aguardar uma condenação dentro dos valores médios estabelecidos em decisões judiciais, não se atentando ao fato que desse dano, podem advir consequências nocivas duradouras ou permanentes, que afetam a dignidade humana e a esfera existencial do indivíduo.
Observa-se que as condutas que dão causa ao surgimento do dano existencial geram lucro ao empregador, que explorou a mão de obra dos empregados de maneira ilícita. Tais valores recebidos em função da exploração danosa são frutos de uma lesão injusta e, portanto, deveriam ser calculados e posteriormente acrescentados ao quantum indenizatório, de modo a cumprir as funções punitiva e pedagógica da indenização. Tal medida serviria também para influenciar tanto o condenado quanto os demais agentes causadores a empreenderem esforços para minimizar as possibilidades de novos casos de dano existencial, já que teria um custo relativamente elevado.
Em relação ao quantum indenizatório do dano existencial, o ex-Desembargador José Felipe Ledur, fortalece o entendimento dos seguintes parâmetros:
A condenação em reparação de dano existencial deve ser fixada considerando-se a dimensão do dano e a capacidade patrimonial do lesante. Para surtir um efeito pedagógico e econômico, o valor fixado deve representar um acréscimo considerável nas despesas da empresa, desestimulando a reincidência, mas que preserve a sua saúde econômica. (2013, online)
Assim, além dos valores para compensação financeira do dano, o ideal seria que se calculasse os valores aproximados que foram auferidos pela produção do empregado em situação de dano. Dessa maneira, os empregadores passariam a temer as condenações que lhes seriam impostas tomando as devidas precauções para tornar o ambiente de trabalho um local em que se preza pela proteção à dignidade humana, do contrario os valores das indenizações a serem pagas poderia ter um forte impacto nas finanças empresariais.
Há uma corrente no direito brasileiro, que diz respeito a função sancionatória da indenização, na qual defende uma espécie de sanção exemplar, como ocorre nos Estados Unidos, onde além da quantia fixada a título de reparação do dano, há outra, cumulada, chamada de exemplary damages, cujo objetivo é punir o ofensor para que ele não repita o ato e, a um só tempo, dissuadir a sociedade da ideia de agir da mesma forma.
O juiz deve, ao valorar o caso concreto, equilibrar a punição a ser dada ao ofensor e a compensação oferecida à vítima, baseado em critérios de razoabilidade. Impõe-se, pois, que o magistrado, na fixação do quantum reparatório, não atribua valor excessivamente baixo, já que, agindo assim, além de possivelmente reforçar o dano já causado ao ofendido, pode estimular a prática da conduta lesiva por parte do agente causador, bem como de terceiros. Assim como ocorre no direito americano, poderia tal prática ser adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, observadas as diferenças existentes entre os países e seus respectivos sistemas jurisdicionais, de forma que houvesse uma espécie de punição significativa para empregadores que sejam reiteradamente causadores de danos existenciais nas relações empregatícias.
O objetivo de tais medidas é mais que a indenização a ser recebida pela pessoa que tenha sofrido o dano existencial. É necessário que se volte o olhar para o ser humano, sob a ótica de sua dignidade, superando questões meramente patrimoniais e econômicas, e chegando à tutela do homem naquilo que há em si como essência, a sua própria existência. Por isso o foco deve ser a segurança, incolumidade física e psíquica e, enfim, sua vida, consubstanciada nos projetos que elaborou livremente, nas relações sociais que mantém e nas atividades realizadoras que exerce.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho estruturou-se, inicialmente, com uma exposição acerca da relação de emprego, com uma breve explicação sobre suas características, especialmente no que se refere ao poder diretivo do empregador e sua adequação à coexistência com o princípio da dignidade humana.
Como foi visto, o ambiente de trabalho é bastante propício para a ocorrência de danos à existência e dignidade humana. Nesse sentido, em formulação da Organização Internacional do Trabalho no final do século XX, surgiu a ideia da promoção do trabalho decente, que seria o labor em condições de liberdade, segurança e com capacidade para prover ao trabalhador uma existência digna, com respeito à sua dignidade, na esfera de sua existência.
Daí implicaria a responsabilidade vinculada ao empregador de fornecer condições dignas aos seus empregados, de maneira que a interferência das obrigações profissionais na vida pessoal não pode tomar proporções que venham a causar danos e eventuais efeitos negativos que podem ter caráter permanente e afetar de modo negativo o desenrolar próprio do indivíduo.
Visto isso, surge, no direito italiano, o dano existencial que, tomando como partida o dano biológico e o dano moral, ficou concebido como aquele que importa em uma sequência de alterações prejudiciais ao cotidiano, com a consequente perda da qualidade de vida do trabalhador, visto que obstado o direito do trabalhador de exercer uma determinada atividade e/ou participar de uma forma de convívio inerente à vida privada.
Observou-se que a dimensão existencial do ser humano é dividida metodologicamente em projeto de vida e vida de relação. As situações de dano existencial afetam prejudicialmente essas projeções do indivíduo, importando na frustração de um plano de vida, consubstanciado nas atividades que se tem prazer em praticar, chamadas de realizadoras, ou impedindo a realização pessoal construída com base nos critérios de razoabilidade.
Posterior à caracterização, conceituação e distinção do instituto com outros, foram listadas situações de alto potencial para causar dano existencial aos empregados nas relações empregatícias, como a imposição de jornada excessiva, sem a concessão dos descansos legalmente previstos ao trabalhador, quais sejam intrajornada, a não concessão de férias, as doenças ocupacionais do trabalho, os assédios e as condições precárias de labor.
O último capítulo versou sobre o atual modelo reparatório dos danos existenciais, fazendo uma análise da dupla finalidade de sua indenização, ou seja, a função compensatória e a função pedagógico-punitiva, que é até hoje considerada a melhor forma de se compensar a vítima de forma mais satisfatória possível, visto a impossibilidade de se retornar ao status quo ante.
Conclui-se que este trabalho sobre o dano existencial nas relações empregatícias mostrou-se relevante, porque se vê, atualmente, uma supressão dos direitos trabalhistas por parte dos empregadores, não apenas os previstos na legislação trabalhista, mas principalmente os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.
Fica claro que este tema, por ser relativamente recente no Brasil, deve ser mais estudado pela doutrina, já que há um aumento significativo nos tribunais trabalhistas de demandas judiciais pleiteando indenização pela ocorrência de dano existencial. Ao fazê-lo, é preciso que se volte o olhar para a dignidade do ser humano, tendo como principal objetivo a tutela dos direitos do indivíduo naquilo que há em si como essência, a sua própria existência.