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A influência da religião na celebração de negócios jurídicos

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Agenda 06/12/2017 às 12:23

6.ANULAÇÃO DOS CONTRATOS DE DOAÇÃO

Como apontado nos capítulos anteriores os contratos de doação firmados entre particular e instituição religiosa que contenham os vícios da coação e alienação religiosa podem ser anulados sim. Contudo, o único defeito apto a ensejar isto é a coação, uma vez, que a alienação não é vista como capaz de anular um negócio jurídico. 

O art. 171 do Código Civil de 2002 dispõe:

Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, COAÇÃO, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.(Grifo próprio).[25]

Diante disso conclui-se que constatada a coação nos contratos pode-se sim pleitear a anulação dos mesmos. A questão gira em torno de quem são as pessoas capazes a realizar este feito.

De acordo com o art. 177 do Código Civil de 2002:

[...] anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.[26]

Isto é, em tese, por disposição expressa, só aquele que quis doar e aquele que aceitou poderiam pleitear a anulação do contrato como forma de expressão das vontades. Assim, também dispõe o art. 560 do Código Civil de 2002, vide: “O pedido de revogação de doação é ato personalíssimo e somente pode ser requerido pelo próprio doador, mas seus herdeiros podem dar continuidade à ação.” [27]

Entretanto, em muitos casos as pessoas que doaram nem sempre optam pela anulabilidade, pois o medo de algum “castigo divino ou social” a perseguem, então cogita-se a possibilidade do familiar do doador pleitear essa anulação.

A priori isso seria impossível, pois é ato de disposição voluntaria de quem doou, logo apenas este poderia requerer a anulação. Porém, deve-se levar em conta alguns aspectos; primeiro, aquele indivíduo encontra-se extremamente alienado, segundo, essa doação exagerada com certeza atingiu significativamente o patrimônio familiar, logo atingiu, pelo menos, as expectativas de direito de sua família. E por último o Estado tem o dever constitucional de proteger os cidadãos de eventuais abusos.

Como foi abordado no capítulo anterior, na maioria dos casos concretos estudados encontram-se indivíduos completamente alienados, colocando uma divindade hipotética acima da própria razão. Por este motivo fazer com que eles enxerguem o erro que estão cometendo é difícil, ainda mais quando o temor de um sanção está presente. Logo, fazer com que estes pleiteiem a anulação e enxerguem o malefício que este contrato lhes trouxe é uma atividade árdua. Devido a isto haveria a possibilidade do familiar pedir a anulação desse contrato vem à tona, mas a regra geral é clara, só os “interessados podem alegar a anulabilidade”. Contudo, há que se fazer uma análise dessa regra geral levando-se em conta o princípio da função social.

De acordo com este princípio os contratos devem ser vistos como uma relação social e não como uma relação individual.

Os contratos de doação firmados entre o particular e a Instituição religiosa não fogem a esta regra, a doação não atinge apenas e exclusivamente o patrimônio daquele que doou e àquele que recebeu afeta diretamente todos que convivem com eles - a família. Devido a isto negar a possibilidade do familiar de requerer a anulação é por um lado querer negar a função social do contrato é dizer que os interessados são apenas as partes do contrato, e isto não é verdade. As partes do contrato, nesses casos, são todos aqueles que sofrerão a repercussão da diminuição patrimonial, logo a família. Então a ideia de que só aquele quem doou, no caso o alienado, que pode pleitear a anulação contratual é um tanto quanto ultrapassada, levado-se em conta o contexto que este se encontra de total incapacidade racional e o próprio princípio da função social.

Dentro desse contexto, há uma medida excepcional que os familiares podem tomar a fim de salvaguardar o patrimônio do indivíduo afeto pela alienação religiosa. Trata-se da curatela que se dá através da ação de interdição.

Dispõe o art. 747, inciso II do Código de Processo Civil de 2015 que os parentes têm legitimidade para propor a ação de interdição desde que comprovada por documentos que o sujeito não está na sua plena capacidade de agir. Esta incapacidade deve ser demonstrada de forma a ficar claro que esse indivíduo ora denominado de interditando não pode administrar seus bens e em alguns casos atos da vida civil. Assim prevê o artigo 749 do mesmo diploma legal supracitado.

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É uma providência adequada ao caso uma vez que trata-se de uma “medida prioritariamente funcionalizada ao campo estritamente patrimonial.”[28]  Isto é, a curatela é uma medida judicial mais voltado ao campo patrimonial, seu objetivo é proteger o patrimônio daquele incapacitado de zelar por esse. E nos casos em questão o que vemos é exatamente isso, o sujeito se desfazendo de parte de seus bens em prol da Instituição religiosa a fim de receber bênçãos, ou seja, está faltando a proteção ao patrimônio próprio.

O procedimento dessa medida encontra-se disposto nos artigos 747 a 758 do Código de Processo Civil de 2015, em que após a propositura da ação o interditando será citado para comparecer em juízo o qual o juiz irá realizar com ele uma entrevista a fim de saber mais sobre a vida desse indivíduo para chegar a uma conclusão acerca de sua capacidade; podendo o pedido ser impugnado por aquele que se deseja interditar em um prazo de 15 dias, o qual decorrido este o juiz determina a produção de provas para que estas indiquem sobre quais atos da vida civil recairá a curatela. Após isso o juiz proferirá a sentença.

            Vale ressaltar que esses indivíduos alienados se encaixam no artigo 4°, inciso III do Código Civil de 2002 que teve sua redação recentemente modificada pela Lei 13.146/15, vide:

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:             

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. [29]

Esses indivíduos tratam-se de pessoas que devido à alienação estão transitoriamente impedidos de exprimir sua vontade, principalmente no âmbito patrimonial.

Posto isso, vê-se que os familiares, usando dessa medida excepcional, podem interferir nos contratos. Essa interdição será cessada a qualquer momento desde que comprovado que a causa que a determinou se extinguiu (art. 756 CPC/15).

Nos casos em questão a causa da interdição pode ser afastada com acompanhamentos terapêuticos, tratamentos psicológicos e até psiquiátricos que visem reequilibrar aquele sujeito que ora se encontra dominado por uma ideologia hipotética.

Vale lembrar que trata-se de uma medida mais voltada à proteção patrimonial. Mas, no caso em que os parentes desejam uma medida mais protetiva da pessoa, seria interessante o uso de um novo instituto que nas palavras de Nelson Rosenvald “não se trata de um modelo limitador da capacidade de agir, mas de um remédio personalizado para as necessidades existenciais da pessoa”,[30] é a denominada Tomada de decisão apoiada (TDA). Seu objetivo é distinto da curatela, em que esta atenderia mais a sociedade e os familiares, uma vez que seu foco não é o indivíduo em si, e sim o seu patrimônio, seus bens, já a TDA objetiva a liberdade e dignidade da pessoa humana.

Ambas são medidas que podem e devem ser utilizadas, mas sempre observando caso a caso, uma vez que o objetivo e procedimento delas são diferentes. 

Ademais, o Ministério Público poderia também arguir a anulação, por mais que ele só possa fazê-lo diante de nulidade absoluta, ele poderia requerer isso devido à função deste órgão Público. Verbis:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.[31]

Deste conceito do Ministério Público retira-se que ele tem como função defender o cumprimento das leis que protegem o patrimônio nacional e os interesses sociais e individuais. Lendo-se este em diálogo com o disposto no art. 5º, XXXV em que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[32], obtém-se o seguinte: nos contratos de doação em questão vê-se de fato um abuso das Instituições religiosas, logo, o Estado, em obediência ao art. 5º, deve prestar a função jurisdicional; então caberia àquele que  tem como função a defesa dos interesse sociais, no caso o Ministério Público, a pleitear a anulação contratual, nos casos em que o doador alienado e coagido não o fizer, os familiares não se manifestarem e esse ato estar de fato trazendo malefícios à vida digna desse sujeito.

Entretanto, tem-se, infelizmente, por disposição legal que caberia apenas àquele quem doou pleitear a anulação. Contudo, a possibilidade de intervenção de familiares e do Ministério Público não podem ser absolutamente afastadas.

O Ministério Público também tem legitimidade para propor a ação de interdição, não obstante o artigo 748 do Código de Processo Civil de 2015 afasta por completo a possibilidade de interdição nesses casos, pois sua legitimação só se dá em face de doença mental grave, o que não é o caso.


7.CONCLUSÃO

A partir de toda a análise dos casos e conceitos dispostos neste artigo, conclui-se que a forma que as Instituições Religiosas conduzem as religiões, podem ser prejudiciais ao ser humano, causando-lhe uma série de transtornos e muitas vezes tornando-o um ser alienado, sem vontade própria, sem ânimo, agindo somente pela Igreja e para a Igreja. Isto é, o sujeito deixa de viver a sua vida conforme sua vontade, uma vez que, esta já não lhe pertence.

Transferir algo que lhe é ínfimo para uma crença e passar a acreditar que esta trará melhoras para a vida terrena e também para a “vida no paraíso” é um tanto quanto preocupante para seres racionais.

Pode-se afirmar diante da análise dos casos concretos que tal fato é muito prejudicial à sociedade, tanto é que, verificando-se a influência exagerada da religião, o Judiciário pode e deve ser acionado, mesmo em se tratando de um Estado Laico protegido constitucionalmente, pois, quando há lesão ou ameaça de lesão a direito, o Estado irá intervir nas relações entre os particulares e a Igreja, uma vez que, “os atos praticados pela Igreja não estão imunes ou isentos ao controle jurisdicional”.

De qualquer forma, antes até da prestação jurisdicional tem-se o dirigismo contratual que não fere o princípio da autonomia da vontade, que ainda existe, mas, limitado e condicionado ao bem estar comum.

Sendo assim, o Estado intervirá, nos contratos em geral, por meio do dirigismo contratual, não estando as instituições religiosas isentas deste controle.

Posto isso, conclui-se que o Estado irá intervir nos contratos tanto em prol do bem comum, por meio do dirigismo contratual, quanto em benefício privado, prestando a atividade jurisdicional.

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