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A influência da religião na celebração de negócios jurídicos

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Agenda 06/12/2017 às 12:23

4. ALIENAÇÃO RELIGIOSA

Atualmente vivemos em uma sociedade visivelmente alienada, fator este preocupante. Assim dispõe o trecho citado abaixo:

Vivemos numa sociedade em grande parte influenciável, onde meios de comunicação, politicagem, falsas promessas, propagandas enganosas, sensacionalismo estão deixando de certo modo o nosso povo alienado e vazio de significado.[15]

Com isso, trabalhar-se-á, primeiramente, o conceito de alienação.

Etimologicamente falando a palavra alienar descende do latim, dos termos “alienus” e “alius”, que significam a transferência de algo ou poder para um terceiro ou para alguma coisa.

Trazendo esse conceito ao âmbito que nos interessa, no caso a religião, obtém-se o conceito de alienação religiosa, que seria a transferência da consciência humana por parte de um indivíduo para uma entidade religiosa, no qual esta resolveria todas suas aflições e problemas, enquanto esse ficaria encarregado de agradá-la, agradecê-la, realizar algum sacrifício, em prol do que foi recebido. Consoante a esta definição tem-se:

Por isso na religião o homem coloca necessariamente a sua essência fora de si, coloca a sua essência como uma outra essência, necessariamente porque a essência da teoria está fora dele, porque toda a sua essência consciente se converge para a subjetividade prática. Deus é o seu outro eu, sua outra metade perdida; em deus ele se completa; só em deus é ele um homem total. Deus é para ele uma necessidade; falta-lhe algo sem que saiba o que lhe falta - deus é este algo que falta, deus é indispensável para ele; Deus pertence à sua essência. O mundo não é nada para a religião - o mundo que nada mais é que a cerne da realidade, só é revelado em sua impotência pela teoria: os prazeres teoréticos são os mais belos prazeres espirituais da vida, mas a religião nada sabe dos prazeres do pensador, nada sabe dos prazeres do naturalista, nada sabe dos prazeres dos artistas. Falta a ela a contemplação do universo,a consciência do infinito real, a consciência do gênero. Somente em deus supre ela a falta da vida, a falta de um conteúdo consistente que oferece à contemplação para o mundo perdido - deus é para ela a contemplação pura, a vida da teoria.[16]

Pode-se retirar do conceito e da citação acima ligação existente entre a coação e alienação religiosa, mas antes de estudá-la é necessária a análise das fases desta, para assim tornar mais visível o vínculo.

Na primeira fase encontra-se um sujeito completamente “perdido”, cheio de temores e problemas cotidianos, e que por algum motivo passa a buscar apoio na religião. Trata-se de um fato, cujo Leandro Beguoci disse o seguinte:

Várias razões explicam essa expansão. Em boa parte das áreas pobres do Brasil, as Igrejas evangélicas são as únicas instituições presentes. Não há Estado ou outra organização comunitária. Em várias favelas, como mostram os estudos do antropólogo Ronaldo de Almeida, da Unicamp, igrejas são centros comunitários, áreas de lazer e centros de assistência social. Elas oferecem tanto consolo espiritual quanto benefício terrenos. As igrejas fazem até papel de Tinder, ajudando os fiéis a encontrar seu par. Nos momentos de dificuldade, pastores e religiosos atuam como terapeutas e psicanalistas. [17]

Fato também já constatado por Ludwig Feuerbach, vide:

Os cristãos mais verdadeiros e mais profundos disseram que a felicidade terrena separa o homem de Deus e que, por outro lado, as infelicidades, sofrimentos e doenças terrenas reconduzem o homem para Deus e por isso só elas são devidas aos cristãos. Por quê? Porque na infelicidade ele só se relaciona com o que é necessário, na infelicidade Deus é sentido como necessidade do homem. [18]

Percebe-se então, diante dos citados acima, a fragilidade do sujeito que busca a religião.

A partir daí dá-se início a segunda fase, no qual, com o passar dos tempos o indivíduo começa a se entregar completamente a religião e esta, por sua vez, passa a explicar tudo, pois como já mencionava Feuerbach, “a religião nega, condena o acaso ao fazer com que tudo dependa de Deus”,[19]  ou seja, o que acontece ao redor de seus seguidores e terceiros, encontra satisfações na crença ou na religião.

Na terceira fase começam-se os pedidos e se caso concretizados a entidade causadora de tal feito deve ser retribuída e é nesta retribuição que encontra-se a quarta e última fase, em que as “explicações” obtidas na segunda fase e as graças alcançadas na iter anterior a essa devem ser agradecidas. A partir daí inicia-se a pressão psicológica séria (coação) para que o indivíduo realize algo para que ele ou sua família não sofram nenhum “castigo” por ingratidão e assim, conforme o que fez Abraão, o sujeito realiza um sacrifício e este costuma ser em dinheiro ou algum bem que possa ser revertido em pecúlio.

A coação, acima mencionada, já era bem conhecida por Feurbach que relatou:

A religião associa a suas doutrinas maldição e bênção, condenação e felicidade. Feliz é aquele que crê. Portanto, ela não faz apelo à razão, mas à afetividade, ao instinto de ser feliz, aos sentimentos de medo e esperança. Não está no estagio teórico, caso contrário deveria ter a liberdade de expressar as suas doutrinas sem associar a elas as consequências práticas, sem de certa forma forçar a sua crença; pois quando se diz: estou condenada se não creio, é isto uma sutil coação da consciência para a que se creia; o medo do inferno me obriga a crer. Mesmo que a minha fé devesse ser livre quanto à sua origem, o medo sempre se mistura com ela; a minha afetiva está sempre presa; a dúvida, o princípio da liberdade teórica, me aparece como um delito. Mas o conceito mais elevado, a essência mais elevada da religião é Deus: o supremo delito é, portanto, a dúvida em Deus ou a dúvida s, se existe Deus. No entanto aquilo de que eu não ouso duvidar, não posso duvidar sem me sentir intranquilo em meu espírito, sem atrair para mim uma culpa, não é uma questão de teoria, mas de consciência, não pé uma entidade da razão, mas da afetividade.[20]

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Dessa citação fica claro a coação realizada a fim de fazer com que o indivíduo doe evitando-se assim uma suposta condenação.

Das fases da alienação percebe-se claramente a ligação existente entre a coação e a alienação é o medo, pois este tem o condão de levar o indivíduo a buscar a religião e o que o faz celebrar o contrato de doação também é o temor extremo. E ainda pode-se concluir mais, a coação não é um fator separado da alienação, elas estão bem mais que vinculadas, uma vez que, com a terceira fase percebe-se que a coação encontra-se dentro da alienação, sendo-lhe então elemento essencial.

A fim de comprovar essas alegações realizadas aqui serão analisados alguns casos que demonstram bem toda a discussão deste trabalho.


5.CASOS CONCRETOS

Ao analisar os casos é possível identificar uma série de fatores em comum em todos os eles.

O primeiro ponto semelhante está ligado ao emocional do sujeito, o qual, chega parecer que seria até um padrão, pois todos aqueles atuantes no polo passivo dos casos estudado sempre estão com problemas familiares, financeiros ou fragilizados devido a algum acontecimento. Isto é, os indivíduos que buscam consolo nas instituições religiosas encontram-se sempre vulneráveis, descrentes da vida, tornando-se assim um alvo fácil para a alienação religiosa e seus aliados.

O seguinte fator em comum diz respeito à influência daqueles que pregam os “ideais de Deus”, em que, sempre se observa que estes agem de uma forma um tanto quanto rude e cativante, pois fazem com que os fiéis acreditem que há um dever em doar, para assim receber as dádivas divinas, sendo que do contrário jamais irão recebê-las e ainda serão castigados, tanto na terra “quanto no céu”.

Os problemas advindos das doações também são pontos em comum, uma vez, que muitas vezes os fiéis realizam a oferta escondido de seus familiares, a pedido da própria instituição religiosa, e quando descoberta a doação tem-se mais discórdias e sofrimentos naquele âmbito familiar.

Quanto à ação o pedido costuma sempre ser de danos morais. Fato este que só comprova o grande prejuízo que essa doação traz para o sujeito e sua família.

Na contestação observa-se sempre a mesma defesa, a qual, a igreja alega que suas condutas estão protegidas constitucionalmente não podendo o Estado intervir, e que na doação há apenas a livre manifestação de vontade dos fiéis sem coação.

E por fim, nos casos em análise o judiciário tomou a mesma decisão de não aceitar os recursos interpostos pelas instituições religiosas e manter a sentença que é: Anulação da doação devido à coação moral irresistível e a concessão de danos morais.

As conclusões mencionadas acima foram retiradas dos seguintes casos: Apelação Cível Nº 1.063.110-2, do foro regional de São José dos Pinhas da Comarca da região metropolitana de Curitiba – 2º Vara cível; apelação cível Nº 70039957287 da nona câmara cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e apelação cível Nº 70051621894 da nona câmara cível, da comarca de Lajedo, do Estado do Rio Grande do Sul.

Através dos casos analisados, além dos fatores mencionados nos parágrafos anteriores, consegue-se perceber um fator que a priori está recôndito, mas observando-se bem os fatos consegue-se percebê-lo, que é a alienação religiosa, mencionada no capítulo anterior a este.

Para demonstrar a presença da alienação nesses negócios jurídicos será trabalhado pequenos trechos dos casos concretos que comprovarão a existência deste perigoso elemento nos contratos firmados em prol de instituições financeiras. Tem-se então o seguinte:

O autor se deixou dominar pela pregação e, ao aceitar o desafio da fé, perdeu seu único patrimônio.  A entrega do autor ao evento de fé denominado “Fogueira Santa”, restrito a fiéis que demonstram desapego dos bens materiais, com oferta de valores aos desígnios evangélicos, é prova do seu estado de espírito abalado, que levou a proceder a busca de uma razão religiosa que soluciona-se seus problemas.(Grifo próprio). [21]

Ambos os trecho foram retirados de um caso de grande notoriedade ocorrido no Estado do Paraná, com o seguinte registro: Apelação cível N° 1.063.110-2, do foro regional de São José dos Pinhais da comarca da região metropolitana de Curitiba – 2ª vara cível.

A partir da análise de dois verbos presentes no trecho já é possível notar a alienação religiosa, são eles: dominar e entregar.

No segundo trecho temos exatamente o conceito de alienação apresentado no capítulo IV deste artigo, que é a transferência de algo para um terceiro e vemos exatamente isto, o fiel se entregou, transferiu sua consciência para a fé deixando que esta fosse a sua guia, ou seja, ele se deixou dominar pela crença pregada pela instituição religiosa e passou a reger-se pelas diretrizes desta, no qual, a sua vontade não era patrimônio seu e sim de sua fé; “[...] não se oferta dinheiro e sim o seu coração a sua vida, que Ele vai mudar a sua vida [...] a requerente foi procurar ajuda junto à demanda em razão dos problemas financeiros que ela e seu esposo vinham sofrendo.” [22]

Os trechos acima foram retirados da Apelação Cível N° 70051621894 do Tribunal do Rio Grande do Sul, o qual, novamente, percebe-se a presença da alienação, pois o sujeito, extremamente vulnerável, procura a Igreja para se fortalecer, e ao chegar lá obtêm a seguinte resposta: “ofertarás sua vida” É um tanto quanto absurdo isto, pois o que o sujeito deseja é um alento, uma “ajuda” de como encontrar motivação e seguir sua vida e não transferir esta a um terceiro para obter alguma dádiva decorrente disto, fora que essa “doação da vida” não bastaria por si só, uma vez que, esta sempre estaria acompanhada de outras doações.

E por fim tem-se os seguinte trechos retirado do último caso analisado de registro N° 70039957287 do Estado do Rio Grande do Sul, no qual temos:

Percebo que a autora não manifestou sua vontade de forma natural porque sofreu interferência do discurso religioso, o qual, nesses anos todos de culto maníaco, adquiriu aptidão para lhe incutir temor legítimo de sofrer as consequências nefastas pelos pastores.[23]

[...] tu vai e vende as tuas roupas, tu vendes o que não tem, o que dá, tira tudo que você tem e dá pra Deus. Quanto mais tu te desfizeres, mais rápido e com certeza tu vais alcançar teu objetivo, que vai ser dado por Deus.[24]

Novamente é possível ver a alienação religiosa, pois nenhum ser humano em prefeitas condições se sujeitara a vender até o que não tem para dar a Deus, mesmo que sob um discurso maníaco.

Um sujeito não alienado conseguiria limitar a sua fé e resistir aos discursos religiosos, mas um alienado e desesperado para solucionar seus problemas com ajuda divina doaria até o que não tem. 

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