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A extradição no Brasil após o julgamento de Cesare Battisti e a quebra do princípio da pacta sunt servanda

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Agenda 21/12/2017 às 13:07

O procedimento de extradição sofreu uma profunda ingerência de discricionariedade a partir do julgamento do Pedido de Extradição 1085 pelo Supremo Tribunal Federal. Com a decisão tomada, o Judiciário lançou ao Executivo a decisão final sobre a extradição

Resumo:O procedimento de extradição sofreu uma profunda ingerência de discricionariedade a partir do julgamento do Pedido de Extradição 1085 pelo Supremo Tribunal Federal. Com a decisão tomada, o Judiciário lançou ao Executivo a decisão final se deve sobre a possibilidade ou não da entrega do extraditando ao Estado solicitante. O problema enfrentado é que se gerou uma instabilidade internacional quanto ao cumprimento dos tratados internacionais do Brasil, eis que o processo de extradição só é realizado mediante compromissos mútuos entre os Estados praticados muito antes das solicitações específicas de extradição. Com base no método lógico-dedutivo a abordagem se tornou precisa e apurou que a decisão tomada, com uma consequente negativa do Executivo na respectiva entrega, gerará inúmeros problemas de ordem política perante a Comunidade Internacional.

Palavras-chave: extradição; battisti; pacta sunt servanda.

Abstract:The extradition procedure has undergone a profound interference of discretion from of the Extradition Request 1085 by the Supreme Court of de Brazil. With the decision, the Judiciary to the Executive launched the final decision on whether or not the possibility of delivery extradited to the requesting State. The problem faced is that generated international instability regarding compliance of international treaties Brazil, behold, the extradition process is only done through mutual commitments between states practiced long before the specific requests for extradition. Based on the logical-deductive method approach became precise and found that the decision, with a consequent negative Executive in its delivery, will generate numerous policy issues before the international community.

Keywords: extradition; battisti; pacta sunt servanda.

Sumário: Introdução. 1. Breve análise de institutos análogos. 2. Falta de paradigma jurídico. 3. Procedimento. 4. Quebra da cogência internacional dos Direitos dos Tratados. Conclusão. Referências.


Introdução

O processo de extradição sofreu um impactante direcionamento após o julgamento do Pedido de Extradição 1085 do italiano Cesare Battisti no final do ano de 2009.

A questão que antes era enfrentada é que caberia ao Supremo Tribunal Federal a verificação ou não da legalidade dos pedidos de extradição realizado ao Brasil decidindo por fim se o estrangeiro poderia ou não ser extraditado.

Contudo, após o referido julgamento, o Supremo entendeu que a decisão final é discricionário do Presidente da República, cabendo a este, após a verificação da legalidade da extradição decidir ou não pela Extradição.

No caso da extradição 1085, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva entendeu que o italiano não deveria ser extraditado.

Portanto, tal questionamento veio a delinear as premissas que antes já eram complexas para tornar o procedimento muito mais intricado.


1. Breve análise de institutos análogos

É assegurado pela Comunidade Internacional o livre-trânsito de pessoas. Tanto os nacionais como os estrangeiros podem livremente circular pelo território de seu Estado e abandoná-los, ingressando em outros, desde que respeitem regras de controle fiscal e aduaneiro.

“Declaração Universal de Direito Humanos, 1948

Artigo 13

1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.

2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.”

O Estado exerce jurisdição exclusiva sobre as pessoas em seu território, o que e denomina competência pessoal do Estado.

A dimensão pessoal do Estado soberano é a Comunidade Nacional, ou seja, o conjunto de seus súditos, incluindo aqueles, minoritários, que se tenham estabelecido no exterior.

Além da saída normal do Estado, o que se dá através de documentos de viagem, aceitos internacionalmente, pode ocorrer à abdução, o banimento, a deportação, a expulsão e a extradição, tema principal deste estudo.

Entende-se por abdução a captura irregular de estrangeiro que se encontra sob a jurisdição de determinado Estado, com o objetivo de julgá-lo em outro Estado.

Neste caso utiliza-se as vias de fato e não as de direito para se recuperar o seu nacional.

Apesar de não haver norma processual que caracterize a abdução internacional, há princípios de Direito Internacional que autorizam o Estado onde ela ocorreu a requerer a devolução da pessoa capturada.

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A vítima da abdução é o próprio Estado asilante é não o fugitivo, cabendo mencionar que inexiste regra que proteja o indivíduo objeto da captura irregular em casos em que não se possa detectar violação de território.

Já o banimento, também conhecido como degredo, é a retirada forçada do nacional do território de seu país de origem.

Esta prática é vedada no Brasil pela Constituição Federal, tal como estabeleceu o artigo 5º, XLVII: “não haverá penas: [...] d) de banimento”.

A deportação, por sua vez, consiste na saída compulsória do estrangeiro para o país de sua nacionalidade ou procedência, ou para outro que consinta em recebê-lo e ocorre nas hipóteses de entrada ou estada irregular no Brasil (Art. 57 e seguintes, Lei 6.815/1980), por exemplo, no caso de entrada sem visto consular.

Por fim, a expulsão é o fato administrativo que consiste na retirada forçada de estrangeiro do território nacional, motivada pela prática de atos que atentem contra a ordem interna ou as relações internacionais do Estado que as promove (CRETELLA NETO, 2007, p. 119).

A consequência é que o estrangeiro expulso não pode retornar ao Brasil até que seja perdoado pelo Presidente da República (Art. 7º, III e Art. 66, Lei 6.815/1980).

O brasileiro não pode ser expulso do Brasil.

Tanto a deportação como a expulsão são medidas político-administrativas.

A deportação compete à polícia federal, que acompanhará o deportado até a alfândega, embarcando-o de volta a seu Estado ou ao Estado de sua última procedência, a expensas do estrangeiro, da empresa que transportou, de seu Estado natal, ou em último caso, será custeada pelo Tesouro Nacional (Art. 59, Lei 6.815/1980).

Já a expulsão ocorrerá por processo investigatório com decisão final da Presidência República.

Como bem se observa, todos estes procedimentos se operam mediante a discricionariedade do Executivo, não havendo decisão vinculante do Judiciário.

Antes do julgamento do Pedido de Extradição 1085, entendia-se que a extradição era a única forma de retirada forçada do estrangeiro que era decidida pelo Judiciário, o que foi severamente modificado.

Tecidos os comentários iniciais necessários para diferenciar a extradição de institutos análogos, passa-se diretamente ao tema em análise.


2. Falta de paradigma jurídico

A extradição trata-se de medida de cooperação internacional e justiça social, consistente no ato pelo qual um Estado entrega uma pessoa que se encontra em seu território às autoridades de outro, para que seja julgada por delitos nele cometidos (Ext. 974 e 1.079, julgadas em 06/08/2009) ou para que cumpra pena por um delito pela qual já tenha sido condenado, caso em que é imprescindível haver sentença transitada em julgado ou mandado de prisão (Art. 76, Lei 6.815/1980) e reciprocidade entre os Estados envolvidos.

De 1990 até 2008, o Supremo Tribunal Federal julgou 1.304 pedidos de extradição, sendo que 706 deles – ou quase a metade – foi julgada nos últimos cinco anos deste período. No ano de 2008, chegaram à Corte 48 novos pedidos.

Conforme estabelece o princípio do “aut dedere aut judicat/punire”, “ou se dá, ou se julga”, ou seja, havendo tratado ou promessa de reciprocidade, o Estado que analisa o processo de extradição se compromete a julgar a pessoa extraditada, como se tivesse praticado o delito em seu próprio território, usando o Direito interno, no caso de negar a extradição.

Fato é que até o momento não houve nem a punição do italiano e sequer o mesmo foi entregue a Itália, onde já foi julgado e condenado.

A situação ainda piora, eis que a Itália ameaça ajuizar na Corte Internacional de Justiça, em Haia, um pedido contra o Brasil.


3. Procedimento

O processo de extradição é um instrumento processual de cooperação internacional, no qual há interferência do Executivo e do Judiciário.

O Brasil assinou em 17 de outubro de 1989 um tratado de extradição com a Itália, o qual foi internalizado pela promulgação do Decreto 863 de 1993.

O processo de extradição é medida político-jurisdicional mista ou híbrida, eis que possui uma fase administrativa, uma judicial e uma executiva.

A primeira fase é administrativa e inicia-se por escrito e por via diplomática através dos Ministérios das Relações Exteriores dos Estados ativo e passivo, incumbindo ao Ministério da Justiça a execução dos atos necessários para implementação destas medidas (Art. 80, Lei 6.815/1980).

A documentação necessária deverá ser fornecida em duas vias, uma no idioma do Estado ativo outra na do passivo (Art. 80, §2º).

Não é necessário que quem solicite a extradição seja o país de origem, pode ser outro país onde o acusado tenha cometido o crime.

Contudo, prevalece às regras processuais do Estado ativo, observado o princípio da territorialidade em que só é apto a pedir extradição o Estado no qual o delito foi cometido pelo extraditando (Art. 79).

Podem ocorrer conflitos de jurisdição quando mais de um Estado se acha no direito de requerer a Extradição da mesma pessoa, e aí, diversas regras deverão ser seguidas para a resolução destes conflitos:

  1. pelo mesmo fato, terá preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida (Art. 79 e EXT 1079, julgado em 06.08.2009);
  2. Se os crimes foram praticados em diversos Estados, qualquer dos Estados é apto a solicitar a extradição, sendo que, em caso de mais de um pedido, será considerado apto aquele:
  3. no qual foi cometido o delito mais grave, segundo a lei brasileira (Art. 79, §1º, I);
  4. o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica (Art. 79, §1º, II);
  5. o Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos (Art. 79, §1º, III);

Nos casos não previstos em lei, decidirá sobre a preferência o Governo brasileiro (Art. 79, §2º) e se houver tratado ou convenção com algum dos Estados requerentes, prevalecerão suas normas no que disserem respeito à preferência de que trata este artigo (Art. 79, §3º).

A segunda fase é judicial e tem início após a prisão do extraditando realizada pela Polícia Federal (Art. 82, §2º).

Formalizado o pedido pelo Estado Requerente, o processo segue para o Supremo Tribunal Federal (Art. 102, “g”, CF e Art. 77, §2º, Lei 6.815/1980), que concede ou nega o pedido, analisando formalmente o pedido realizado pelo Estado estrangeiro (Art. 83).

Se apoiado em promessa de reciprocidade, o governo deve usar seu poder de consentimento – discricionariedade – ou recusa da promessa antes de qualquer envolvimento do Judiciário.

O Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e requisitará a sua apresentação (Art. 209, Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF).

No interrogatório, ou logo após, intimar-se-á o defensor do extraditando para apresentar defesa escrita no prazo de dez dias (Art. 210, RISTF).

A defesa versará sobre (Art. 85, §1º):

  1. a identidade da pessoa reclamada;
  2. defeito de forma dos documentos apresentados;
  3. ou ilegalidade da extradição.

O Supremo não entra no mérito, só se admitindo discussão sobre a matéria disposta na defesa.

Negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato (Art. 88).

A terceira fase é do Executivo terá possibilidade de ter duas direções:

No caso de indeferimento do pedido de extradição, o Estado ativo será notificado, por nota diplomática, pelo Estado passivo.

O extraditando será imediatamente posto em liberdade e não poderá ser feito novo pedido de extradição daquela pessoa com base no mesmo delito, mesmo que se obtenham novas provas.

Contudo, o extraditando poderá ser submetido a processo de expulsão se o motivo da extradição assim o recomendar (Art. 87, Lei 6.815/1980).

Entretanto, concedida a extradição pelo Supremo, caberá ao Presidente da República decidir sobre a entrega ou não do extraditando (Processo 08000.003071/2007-51, Parecer no AGU/AG-17/2010, referente ao pedido de Extradição no 1.085, requerido pela República Italiana sobre Cesare Battisti).

Assim, o STF verifica a legalidade do pedido e o Presidente da República defere ou não a extradição, por ser este um “ato de soberania nacional” a cargo do Presidente da República tal como decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do italiano Cesare Battisti (Ext. 1.085, julgada em 16.12.2009, e reanalisado, por 6 votos a 3com alvará de soltura autorizado pelo STF, , em 08/06/2011).

A entrega do extraditando é feita pelo Itamaraty.

No caso de deferimento do pedido de extradição o Estado ativo será comunicado por nota diplomática e o extraditando é posto à disposição da Justiça deste Estado, que terá o prazo improrrogável de sessenta dias para efetivar a extradição, sob pena de não mais poder fazê-lo (Art. 86).

A despeito deste prazo de sessenta dias ser improrrogável, o STF entende que, antes do arquivamento do processo, a comunicação ao Estado Requerente deve ser reiterada, e em se tratando de pessoa inclusa na relação de pessoas mais procuradas da Interpol – denominada esta lista de “Difusão Vermelha” – deve-se comunicar ao menos três vezes o Estado Requerente para que efetive a extradição (STF, Plenário, PPE 623-QO/República do Líbano, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.7.2010).

Por fim, o Estado concedente elabora um “múltiplo compromisso”, documento que reafirma os princípios que vigem na extradição (Art. 91, Lei 6.815/1980).

Em nenhum momento da história brasileira o Supremo Tribunal Federal lançou à Presidência da República à decisão final sobre a extradição.

Sobre o autor
Everson Manjinski

Professor do Departamento de Direito das Relações Sociais, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR.

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