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Notificação e interpelação

1. Conceito

Para que passemos a conceituação, vejamos primeiro o fim a que se destina o procedimento especial em estudo. Ensina Walter Rodrigues:

Essas medidas não têm o condão de impedir o início ou a consumação de um negócio jurídico, não o declaram nulo ou ineficaz, não tornam os bens do requerido inalienáveis e não estabelecem presunção de fraude. Conseguem, apenas, evitar que o requerido venha a alegar ignorância ou boa-fé quanto ao objeto da comunicação, interromper a prescrição (art. 202, II, do CC) e, por conseguinte, evitar que se consume a decadência - e constituir o devedor em mora nas obrigações sem termo assinalado.[3]

Por sua vez Marinoni, Arenhart e Mitidiero arrematam que:

Os protestos, notificações e interpelações são instrumentos de comunicação da vontade, podendo fazer-se judicialmente ou não. Normalmente, essas medidas ostentam claro caráter de jurisdição voluntária, em que o Judiciário é utilizado apenas como o veículo para a manifestação da intenção do requerente. Eventualmente, porém, como se verá adiante, esses procedimentos podem assumir natureza contenciosa, impondo o estabelecimento de contraditório e efetiva análise judicial “de mérito”.[4]

Partindo então para os institutos, têm-se que a notificação, em síntese, é o ato pela qual uma parte deseja declarar algo juridicamente relevante à outra parte com quem mantém uma relação jurídica. Normalmente, estamos aqui diante de uma obrigação de fazer, onde a parte declarante informa um prazo ao outro polo da relação, sob pena de alguma sanção.

Já a interpelação, assim como a notificação, também se presta a declarar algo juridicamente relevante ao outro polo da relação jurídica, porém, aqui, busca-se constituir a parte interpelada em mora, ou seja, já houve inadimplemento obrigacional (vide art. 397[5] do CC). Assim, têm-se que é uma ciência objetivando ação do interpelado.

Em linhas gerais, o instituto da notificação está previsto no caput do art. 726. Já o instituto da interpelação está previsto no art. 727, ambos do CPC, in verbis:

Art. 726.  Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito.

[...]

Art. 727.  Também poderá o interessado interpelar o requerido, no caso do art. 726, para que faça ou deixe de fazer o que o requerente entenda ser de seu direito.

Já o procedimento especial do protesto, ainda que suprimido da titulação da Seção II, inserida no Capítulo XV, Título III, Livro VI do CPC, continua presente em nosso ordenamento jurídico, prescrevendo o §2º do art. 726 que "aplica-se o disposto nesta Seção, no que couber, ao protesto judicial." Tal instituto destina-se à dar ciência à outra parte de que algum ato por ela praticado não é aprovado pela parte protestante, por exemplo, em casos de necessária outorga uxória, cientificar ao cônjuge que uma alienação não é aceita.

Tauã Rangel assim discorre sobre o tema:

[...] o protesto pode ser direcionado, essencialmente, a três finalidades diversas, a saber: prevenir a responsabilidade, prover a conservação do direito ou prover a ressalva do direito. [...] como exemplo da primeira hipótese a situação em que o engenheiro direciona seu protesto ao construtor que não está seguindo suas orientações, com o escopo de prevenir sua responsabilidade no caso da inobservância do processo acarretar dano para o dono da obra. Situação hipotética em que se observa o protesto com o escopo de prover a conservação do direito é o que objetiva interromper o prazo prescricional. Já o protesto com o fito de prover a ressalva do direito é o estruturado contra alienação de bens.[6]

Essa aliás era a dicção do art. 867 do CPC/73:

Art. 867: todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz, e requerer que do mesmo se intime a quem de direito”


2. Alterações decorrentes do Novo CPC

Primeiramente, constata-se que o CPC/73 não previa resposta do requerido nos mesmos autos do procedimento especial. Atualmente, assim regra o art. 728 do CPC:

Art. 728.  O requerido será previamente ouvido antes do deferimento da notificação ou do respectivo edital:

I - se houver suspeita de que o requerente, por meio da notificação ou do edital, pretende alcançar fim ilícito;

II - se tiver sido requerida a averbação da notificação em registro público.

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Conforme regramento geral dos procedimentos especiais, a oitiva do requerido deverá obedecer ao prazo de 15 (quinze) dias previsto no art. 721 do CPC.

Ou seja, garantiu o novo diploma processual que haja o contraditório em casos de fundada dúvida das pretensões do requerente - visando-se evitar qualquer injusto à parte contrária - ou em casos de já ter sido requerido o respectivo registro público.

A razão para não haver em regra o devido contraditório no procedimento especial em estudo é porque não estamos diante de um contencioso, envolvendo diretamente interesses antagônicos das duas partes. Conforme título que inaugura o Capítulo XV, inserido no Título III, Livro VI do CPC, estamos diante de uma jurisdição voluntária. Acerca deste tipo de ação, segue lavra de Humberto Theodoro Júnior:

[...] o juiz apenas realiza gestão pública em torno de interesses privados [...] Aqui não há lide entre as partes, mas apenas um negócio jurídico-processual envolvendo o juiz e os interessados. Não se apresenta como ato substitutivo da vontade das partes, para fazer atuar impositivamente a vontade concreta da lei (como se dá na jurisdição contenciosa) [...] a interferência do juiz é de natureza constitutiva ou integrativa, com o objetivo de tornar eficaz o negócio desejado pelos interessados.[7]

No mais, o CPC/73 trazia previsão em seu art. 869 de que o magistrado deveria indeferir o pedido em questão quando não se verificasse a legítimo interesse em fazê-lo, não se confundido aqui com as condições da ação.[8]  Embora não haja enunciado semelhante na novel codificação, Marinoni, Arenhart e Mitidiero sustentam que o juiz ainda deve fazer um controle quanto à adequação da adoção da medida por via judicial:

Apresentado o pedido, compete ao magistrado, como já observado, indeferi-lo liminarmente quanto entender que falta ao requerente legítimo interesse ou quando verificar que a medida, por gerar dúvidas ou incertezas, poderá prejudicar a celebração de negócios jurídicos lícitos. Não sendo o caso de indeferir de pronto o pedido, deverá o magistrado encaminhar ao requerido.[9]


3. Atos judiciais e extrajudiciais

Tem debatido a doutrina acerca da obrigatoriedade da utilização destes procedimentos especiais (notificação e interpelação) para que seja alcançado o fim objetivado pela parte. Sobre o tema se manifestou Cristiano Imhof:

Parece-nos que não há mais a exigência de que a notificação seja realizada obrigatoriamente pela via judicial nesses casos [...] bastando, para surtir seus efeitos, que seja encaminhada de forma extrajudicial, via Cartório de Títulos e Documentos ou até mesmo pelo correio (através de correspondência via AR-MP) e dela tome conhecimento o notificado [...] Agora, se a “pretensão for a de dar conhecimento geral ao público, mediante edital”, haverá necessidade da intervenção judicial. Nesses casos, “o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito.”[10]

Ou seja, quando objetivar a parte uma ciência simples, apenas para a outra parte que compõe a relação privada, entende-se não ser necessária a remessa ao judiciário, por outro lado, havendo pretensão de dar conhecimento geral ao público (parágrafo 1º do art. 726 do CPC), havendo interesse social, obrigatório é o crivo do judiciário.


4. Art. 729 do CPC: exaurimento do objeto

O procedimento de notificação, interpelação e protesto não oferece maiores dificuldades ao operador, mostrando-se bem singelo. Realizado o juízo de admissibilidade e, eventualmente, dada a abertura ao contraditório, nos termos do art. 728, proceder-se-á o disposto no art. 729:  "Deferida e realizada a notificação ou interpelação, os autos serão entregues ao requerente."


5. Irresignação das partes

Por fim, cabe aqui apontar situação comum ao dia-dia forense. O ocorre quando a parte a ser cientificada não se contenta com a procedência da jurisdição voluntária? Ou então quando a parte requerente vê indeferido o seu pedido?

Em regra, as decisões terminativas dos juízos de piso são passíveis de revisão por meio do recurso de apelação, porém, em relação ao procedimento em estudo, não é aplicável o art. 724 do CPC, dispositivo que permite tal intento, ou seja, não há recurso contra decisão que defere ou indefere e realização da notificação ou interpelação, haja vista não estarmos diante de sentença.

Resta então à parte inconformada, diante da garantia previsto no art. 5º, inciso XXXV[11] da CRFB/88, a impetração de Mandado de Segurança.[12]


6. Referências

FRANCEZ Junior, Hugo Almeida; RODRIGUES Walter dos Santos. Processos e incidentes nos tribunais: Recursos e ações autônomas de impugnação. 1ª.ed.Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2011, v. 1. Walter dos Santos. Processos e incidentes nos tribunais: Recursos e ações autônomas de impugnação. 1ª.ed.Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2011, v. 1.

IMHOF, Cristiano.  Novo Cpc: Notificação E Interpelação (Análise Artigos 726 Ao 729). Disponível Em: Http://Blog.Sajadv.Com.Br/Novo-Cpc-Notificacao-E-Interpelacao/. Acesso Em: 29 De Out. De 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. [Livro Eletrônico] Vol. III. 3ª Ed. São Paulo. Editora Revistas dos Tribunais. 2016.

RANGEL, Tauã Lima Verdan. Protestos, Notificações e Interpelações: Críticas à Atecnia do Código de Processo Civil. Boletim Jurídico - Publicado na Edição 1150, em 20/03/2014.

THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

WYKROTA, Leonardo. Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária no Novo CPC (Parte 2). Disponível em: http://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=235. Acesso em 29 de out. de 2016.


Notas

[3] FRANCEZ Junior, Hugo Almeida; RODRIGUES, Walter dos Santos. Processos e incidentes nos tribunais: Recursos e ações autônomas de impugnação. 1ª.ed.Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2011, v. 1. Capítulo 2 - Procedimentos cautelares típicos e outras medidas provisionais, p. 278. Walter dos Santos. Processos e incidentes nos tribunais: Recursos e ações autônomas de impugnação. 1ª.ed.Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2011, v. 1. Capítulo 2 – Procedimentos cautelares típicos e outras medidas provisionais, p. 278.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. [Livro Eletrônico] Vol. III. 3ª Ed. São Paulo. Editora Revistas dos Tribunais. 2016, p. 287.

[5] Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

[6] RANGEL, Tauã Lima Verdan. Protestos, Notificações e Interpelações: Críticas à Atecnia do Código de Processo Civil. Boletim Jurídico - Publicado na Edição 1150, em 20/03/2014.

[7] THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 56.

[8] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. [Livro Eletrônico] Vol. III. 3ª Ed. São Paulo. Editora Revistas dos Tribunais. 2016, p. 288.

[9] Ibidem, p. 289.

[10] IMHOF, Cristiano.  Novo Cpc: Notificação E Interpelação (Análise Artigos 726 Ao 729). Disponível Em: Http://Blog.Sajadv.Com.Br/Novo-Cpc-Notificacao-E-Interpelacao/. Acesso Em: 29 De Out. De 2016.

[11] A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[12] RMS n. 9.570-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 25.6.1998.

Sobre os autores
Jordan Tomazelli Lemos

Advogado. Mestrando em Direito Processual pela UFES.

João Pedro Sarmento Dias Turíbio

Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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