Sumário: 1. Introdução. 2. Regras do RDD. 3. Sobre a possibilidade de progressão de regime prisional, estando o preso submetido a regime disciplinar diferenciado. 4. Conclusão.
1. Introdução
Conforme bem salientou o jurista e Magistrado Adeildo Nunes [1]: "A morte de dois Juízes de Execução Penal, no mês de março de 2003, em São Paulo e Espírito Santo, fez ressurgir no âmbito do Congresso Nacional o Projeto de Lei 7.053, enviado em 2001 pela Presidência da República. Em 26-03-2003 o PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, agora modificando vários dispositivos da Lei de Execução Penal, criando, com força de Lei, o Regime Disciplinar Diferenciado".
O projeto tramitou e foi convertido em lei, sendo alvo de
severas críticas advindas de vários juristas, e a ele também se opôs o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, conforme noticia
Maurício Kuehne em excelente artigo [2]. Trata-se da Lei n. 10.792,
de 1º de dezembro de 2003, que alterou a Lei n. 7.210, de 11
de junho de 1984 — Lei de Execução Penal — e o Decreto-Lei n. 3.689, de 3
de outubro de 1941 — Código de Processo Penal [3] —, além de
estabelecer outras providências.
2. Regras do RDD
O regime disciplinar diferenciado é modalidade de sanção disciplinar, conforme elucida o art. 53, V, da Lei de Execução Penal, e as hipóteses em que se faz cabível estão reguladas no art. 52 da mesma lei.
Conforme já anotamos em outra ocasião [4], o RDD
— regime disciplinar diferenciado — possui as seguintes características: 1ª)
duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova
falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; 2ª)
recolhimento em cela individual; 3ª) visitas semanais de duas
pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; 4ª)
o preso terá direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de
sol.
Segundo o disposto no § 1º do art. 52, o
regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou
condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e
a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Por fim, dispõe o § 2º
do mesmo dispositivo que estará igualmente sujeito ao regime disciplinar
diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas
suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em
organizações criminosas, quadrilha ou bando.
3. Sobre a possibilidade de progressão de regime prisional, estando o preso submetido a regime disciplinar diferenciado
Questão intrigante é a de se saber se é possível conceder progressão de regime a sentenciado que se encontre sob regime disciplinar diferenciado (RDD).
Muito embora a primeira impressão seja no sentido da negação, da impossibilidade de se conceder o benefício estando o sentenciado a cumprir pena no "regime fechadíssimo" que decorre da sanção disciplinar em questão, uma análise mais cuidadosa do tema impõe afirmar que, em tese, é possível a concessão de progressão. A questão, todavia, deverá ser analisada com serenidade, cuidadosamente; caso a caso. A afirmação genérica no sentido da negativa é temerária tanto quanto precipitada, e o raciocínio simplista que a fundamenta não resiste aos efeitos de uma reflexão mais profunda e abalizada. O que pode parecer óbvio ao que conclui apressadamente, não o é ao que deita reflexões jurídicas e equilibradas sobre o tema.
Com efeito, são requisitos para a progressão: 1. cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena no regime em que se encontrar o preso; 2. apresentação de atestado de boa conduta carcerária, firmado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Satisfeitos os requisitos acima, estará o preso em condições de obter o benefício da progressão para regime mais brando, observada a ordem: regime fechado; regime semi-aberto e regime aberto; vedada progressão por salto.
A questão que agora se impõe é a de saber se, encontrando-se o preso provisório ou definitivo submetido a regime disciplinar diferenciado, e tendo cumprido 1/6 (um sexto) de sua pena, bem como apresentado pedido de progressão de regime aparelhado com atestado de boa conduta carcerária estará em condições de obter ou não a progressão pleiteada.
Quanto ao requisito objetivo (cumprimento de 1/6 da pena) não há nada a despertar preocupação. Cumprida a fração percentual estará satisfeito.
O problema surge em relação a avaliação do requisito subjetivo, que agora está restrito ao teor do atestado firmado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Por certo, uma visão menos cautelosa enxergará a impossibilidade de progressão, e o argumento justificador decorrerá de uma conclusão simplista: estando o preso sob RDD, resulta evidente que não apresentou bom comportamento carcerário, daí a infidelidade de eventual atestado de boa conduta carcerária, a desautorizar da progressão pretendida.
Mas não é bem assim.
Uma das causas ensejadoras de inclusão no RDD é a prática de fato previsto como crime doloso, quando tal agir ocasione subversão da ordem ou disciplina internas (art. 52, caput, da LEP). De tal forma, é bem possível que o preso pratique a conduta ensejadora de sua inclusão no RDD, e após vários meses venha atingir a fração percentual de 1/6 da pena no regime fechado (p. ex.), e sob regime disciplinar diferenciado apresente boa conduta carcerária.
Sabendo que as faltas não podem ser eternizadas; que seus efeitos não podem se alongar indefinidamente, não podemos negar que diante de determinadas hipóteses será possível a progressão de regime prisional, estando o preso sob RDD, desde que atendidos os requisitos do art. 112 da LEP.
O fato é que a Lei de Execução Penal não estabelece prazo para os efeitos das faltas disciplinares que regula, e na ausência de regulamentação geral é de se levar em conta o estabelecido nas regras previstas nos estatutos e regulamentos penitenciários, e sabemos que em relação ao tema em questão (duração dos efeitos das faltas disciplinares) tais normas particulares não são uniformes; não há um prazo único.
É urgente a necessidade de se regulamentar por lei a matéria.
Mesmo em relação às hipóteses de inclusão no RDD previstas nos §§ 1º e 2º do art. 52 da LEP é possível pensar-se genericamente em progressão de regime.
Não é o fato de ter sido submetido em certa data ao "regime fechadíssimo" em razão de apresentar, naquele tempo, alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, que estará afastada de plano a hipótese de progressão. Poderá, também aqui, tempos depois e ainda sob RDD, atender aos requisitos do art. 112 da LEP e fazer jus à passagem para regime mais brando. Diga-se o mesmo em relação ao preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando, e que sob tal fundamento tenha sido submetido ao regime disciplinar diferenciado.
Mesmo diante da reconhecida ausência de especificidade das duas últimas hipóteses de inclusão aventadas, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 52, o que, aliás, já fundamentou conclusão quanto a inconstitucionalidade do RDD por parte do Conselho Nacional de Política Criminal de Penitenciária (CNPCP), e admitida a gravidade genérica das situações reguladas, ainda assim permanece possível a progressão de regime, pelas mesmas razões acima aventadas quando da análise da primeira hipótese (art. 52, caput).
Há mais. É preciso reconhecer o limite temporal de ambas as causas indicadas, pois admitir que seus efeitos não sofrem limitações temporais corresponde dizer que a progressão sempre estará proibida durante o tempo de punição disciplinar quando o preso sofrer sanção consistente em inclusão no RDD sob tais fundamentos, o que afronta o sistema progressivo determinado na Constituição Federal e leva ao raciocínio autofágico que deságua na própria inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado, sob tal aspecto.
4. Conclusão
Não há vedação expressa à progressão de regime prisional durante o tempo de cumprimento da sanção disciplinar denominada regime disciplinar diferenciado (RDD).
Não é possível alcançar tal vedação por qualquer forma de interpretação, notadamente a ampliativa, já que a conclusão seria sempre em prejuízo do preso, e bem por isso não autorizada.
Seria ilógico admitir que em razão do crime pelo qual foi condenado o preso poderia obter progressão, mas que em razão de ter sido submetido a regime disciplinar diferenciado num determinado tempo, estaria proibida a progressão de regime por todo o período de duração da sanção disciplinar.
É de se admitir, portanto, a possibilidade de progressão de regime prisional estando o preso submetido a regime disciplinar diferenciado, devendo cada caso ser apreciado com especial atenção, ficando afastada, portanto, a genérica e superficial conclusão no sentido da impossibilidade do benefício por incompatibilidade.
De se observar, por fim, que mesmo recebendo a progressão, por exemplo, para o regime semi-aberto, o preso deverá cumprir a sanção disciplinar integralmente, antes de ir, de fato, para o novo regime. Vale dizer: deverá cumprir todo o tempo restante de regime disciplinar diferenciado antes de ver efetivada sua transferência para o novo regime.
No que tange ao livramento condicional o mesmo raciocínio acima apresentado se impõe, naquilo que for compatível, para admiti-lo como viável àqueles que se encontrem sob regime disciplinar diferenciado, observados os requisitos específicos do livramento.
Notas
1 Adeildo Nunes. O regime disciplinar na prisão. Disponível na Internet: http://www.ibccrim.org.br,28-7-2003.
2 Maurício Kuehne. Alterações à execução penal. Primeiras impressões. Disponível na Internet: http://www.iusnet.com.br/webs/IELFNova/artigos_lido.cfm?ar_id=231.
3 Sobre as modificações no Código de Processo Penal,
veja-se: Renato Marcão, Interrogatório: primeiras impressões sobre as
novas regras ditadas pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de
2003, http://www.jus.com.br; http://www.saraivajur.com.br;
http://www.juridica.com.br; http://www.direitopenal.adv.br;
http://www.ibccrim.org.br; Boletim do Instituto de Ciências Penais (ICP - Minas
Gerais), dezembro-2003, ano III, n. 42, p. 4-7; Revista Forense Eletrônica (www.rfe.inf.br),
v. 370; Revista Jurídica - Notadez, dezembro/2003, n. 314, pág. 84/91; Revista
do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n. 51, 2003, p. 247/256; Revista
Síntese de Direito Penal e Processual Penal, ano IV, n. 23, dez.-jan./2004, p.
44/50; Revista da Escola Paulista da Magistratura - Cadernos Jurídicos,
jan./fev. 2004, ano 5, n. 19, p. 67/73; Informativo INCIJUR – Publicação
Oficial do Instituto de Ciências Jurídicas, ano V, nº 59, junho/2004, p. 7.
4 Renato Marcão. Curso de Execução Penal. 1ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 37.