Resumo: Com o advento da Constituição Federal de 1988, a legislação envolvendo crianças e adolescentes ganhou um enfoque mais protetivo, pautado na doutrina da proteção integral cuja principal característica fora colocar no centro do nosso ordenamento jurídico o infante como sujeito de direito e não mais como objeto de direito. Norteados pelo princípio da prioridade absoluta e da proteção integral, em 1990 entrou em vigor a Lei nº 8069, a qual detalhou e estabeleceu as ações judiciais envolvendo as crianças e adolescentes, como, por exemplo, as ações de colocação em família substituta, quais sejam: a guarda, tutela e adoção, esta última objeto deste trabalho. Buscou-se fazer uma breve análise sobre adoção em nosso ordenamento jurídico, esclarecendo os aspectos gerais que regem o referido instituto, as inovações legislativas sobre o tema, bem como destacar meios de otimizar o processo de colocação definitiva da criança ou adolescente em família substituta.
Palavras-chave: ADOÇÃO. LEGISLAÇÃO. LEI Nº 13.509/2017.
1 Introdução
O presente trabalho versa sobre a evolução legal do instituto da adoção, buscando evidenciar os aspectos positivos das inovações legislativas sobre o tema, bem como explanar os problemas atuais que perpassam o referido instituto.
A adoção tem como finalidade extinguir laços de filiação e fazer surgir uma nova e definitiva relação familiar. Além das concepções jurídicas inerentes ao instituto, existem aspectos sociológicos e afetivos que tornam a temática complexa.
Por intermédio de fontes bibliográficas, jurisprudenciais e das atualizações legislativas, buscou-se analisar de modo geral as inovações legais sobre o instituto da adoção, dentre elas a recente Lei nº 13.509/2017, bem como orientar os operadores do direito que lidam com o tema, para que o analisem de modo a efetivar e otimizar o referido instituto, tendo como norte o princípio da melhor interesse da criança e do adolescente.
2 Breve histórico da adoção no Brasil
A criança e o adolescente, por um longo período, ocuparam papéis secundários no direito brasileiro, diante da doutrina da situação irregular e da doutrina penal do menor, de modo que não havia proteção à infância. Contudo, este cenário veio a ser alterado com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que passaram a ser norteados pelos princípios da proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente.
No tocante à adoção, a evolução legislativa acompanhou o caráter protecionista exarado pela Constituição e pelas leis ordinárias.
A adoção pode ser conceituada como ato jurídico o qual faz surgir uma nova relação parental advinda de um procedimento judicial. Nesse contexto, “A adoção é ato jurídico solene pelo qual uma pessoa humana passa a ter laços de filiação e parentesco com outra, que não decorrem da natureza” (DI MAURO, 2017). Conforme estabelece o Estatuto da Criança e Adolescente, a adoção é o modo irrevogável de colocação de uma pessoa em família substituta, perpassando por diversas inovações no decorrer evolutivo do ordenamento jurídico brasileiro.
De acordo com RODRIGUES (2006, p. 336-339 apud TARTUCE, 2017, p.286):
a adoção talvez seja o instituto de Direito de Família que mais tenha sido objeto de alterações estruturais e funcionais com o passar do tempo, diante de várias leis que o regulamentaram (anteriormente, Código Civil de 1916, Lei 3.133/1957, Lei 4.655/1965, Código de Menores – Lei 6.697/1979, e Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990), o que acabou por gerar uma colcha de retalhos legislativa a respeito do tema de acordo com RODRIGUES (2006, p. 336-339 apud TARTUCE, 2017, p. 286)
O Código Civil Brasileiro, instituído pela Lei nº 3.071/16, sistematizou a adoção em sua Parte Especial, em dez artigos, sendo apenas permitida a adoção para maiores de cinquenta anos que não tivessemk prole legítima ou legitimada.
Com a vigência da Lei nº 6.697/79 instituiu-se o Código de Menores, trazendo a adoção plena em vez da adoção condicional do CC/16, “substituindo a legitimação adotiva da Lei 4.655/65 que foi expressamente revogada e também admitiu adoção simples, regulada pelo Código Civil” (GRANATO, 2010)
O Código de Menores aplicava-se aos menores de até dezoito anos, que se encontravam em situação irregular, desse modo, aqueles que se encontrassem em uma situação regular, poderiam ser adotados nos termos do Código Civil, independentemente de autorização judicial.
A Constituição Federal é marco essencial na proteção das crianças e adolescentes, norteando os novos diplomas legais sobre o tema.[1]
O Estatuto da Criança e Adolescente, inicialmente, concentrou a normatização do processo de adoção no Brasil dos menores (crianças e adolescentes), enquanto o Código Civil de 2016 tratava da adoção dos maiores de idade. Com o advento do Código Civil de 2002, toda normatização da adoção, maiores de idade ou não, ficou a cargo do novo diploma civilista.
Contudo, com o advento da Lei Nacional de Adoção (Lei nº 12010/09), “houve uma reviravolta no tratamento legal, eis que não há mais dispositivos no Código Civil regulamentando o instituto”.(TARTUCE, op. cit. p.286).
Nesse diapasão, as mudanças introduzidas no Estatuto da Criança e do Adolescente provenientes da Lei nº 12.010/2009 passaram a regularizar e detalhar todos os tipos de adoção, estabelecendo o art. 1618 do Código Civil, que o ECA regulamenta, inclusive, o processo de adoção dos maiores de 18 anos.
Diversas inovações legislativas ocorreram durante esses quase de 30 anos de vigência do Estatuto. No entanto, no que tange à adoção e a colocação da criança e adolescente em família substituta, a mudança mais recente foi a proveniente da Lei nº 13.509/2017.
3 Primeiras inovações trazidas pela Lei Nacional de Adoção no ECA
A vigência da nº 12.010/2009 acarretou diversas inovações na seara da adoção, além de determinar a aplicação das normas estabelecidas no Estatuto da Criança e Adolescente a todos os tipos de adoções, sejam dos maiores de idades ou dos menores, edificou mudanças na parte geral do estatuto, dentre elas:
3.1 A adoção como medida excepcional e irrevogável
Nos termos do art. 39, §1º da Lei 8069/90, a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 do mesmo diploma legal. Ademais, estabeleceu-se no parágrafo segundo, a vedação da adoção por procuração, segundo Flávio Tartuce justifica-se a proibição diante do caráter personalíssimo do instituto, “ainda a respeito da adoção, o art. 39, § 2.º, do ECA veda a adoção por procuração, justamente diante do seu caráter personalíssimo” (TARTUCE, op. cit p.292).
3.2 Adoção conjunta e a possibilidade da adoção quando do falecimento do adotante
A nova nomenclatura 'adoção conjunta' substituiu a antiga 'adoção bilateral'. De acordo com o art. 42, §2º do ECA, para a concretização da adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
Destaca-se, ainda, que com a decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4277, reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar, esclarece Tartuce: “Diante da tendência inafastável de reconhecimento de novas entidades familiares, seguida por esta obra, o casamento e a união estável podem ser homoafetivos, sendo viável a adoção em casos tais, sem qualquer discriminação” (TARTUCE, op. cit p. 288)
Ressalta-se que, excepcionalmente, o Superior Tribunal de Justiça, buscando o melhor interesse da criança possibilitou, mediante decisão paradigmática, a adoção realizada por irmãos[2].
Ademais, a adoção post mortem restou-se devidamente consagrada pela Lei Nacional de Adoção, diante da previsão constante no art. 42, §6º da Lei 8069/90, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos no mencionado artigo.
3.3 Estabeleceu-se o estado de convivência;
O estado de convivência tem por objetivo estimular e fomentar a adaptação do ambiente familiar entre o adotante e o adotado, o referido instituto foi estabelecido inicialmente pela lei nº 12.010/2009 sofreu considerável alteração com o advento da Lei nº 13.509/2017, tendo em vista que antes da referida inovação legislativa, o período de convivência entre o adotado e o adotante era estabelecido discricionariamente pelo magistrado; no entanto, atualmente, estabeleceu-se um período de 90 (noventa) dias, podendo ser dispensado em casos determinados, bem como ter sua duração alterada.
Vejamos as alterações realizadas em relação ao referido tema:
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 1o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 2o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 2o-A. O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 3o-A. Ao final do prazo previsto no § 3o deste artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no § 4o deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 5o O estágio de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
Sobre o estágio de convivência aquilata Nucci:
“(...) é o período no qual adotante e adotando convivem como se família fossem, sob o mesmo teto, em intimidade de pai e filhos, já devendo o adotante sustentar, zelar, proteger e educar o adotando. É um período de teste para se aquilatar o grau de afinidade entre ambos os lados e, se, realmente, fortalecem-se os laços de afetividade, que são fundamentais para a família.”
Conforme apercebe-se, o estágio convivência passou por diversas modificações legais.
3.4 Registro da sentença de instituição do vínculo da adoção e acesso irrestrito ao adotado acerca do processo judicial
O artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu expressamente que a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6º do art. 42 da referida Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito.
Contudo, outrossim, restou-se evidenciado que o processo de adoção será mantido em arquivo para consulta a qualquer tempo, com a finalidade de garantir a execução do comando normativo estabelecido no artigo 48, o qual preleciona:
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
3.5 Cadastros estaduais e nacional de adotantes e de menores aptos à adoção
O artigo 50 estabeleceu expressamente a criação do cadastro regional para adoção, só podendo nele figurar os interessados que satisfizessem as determinações legais e que passassem por um período de preparação psicossocial e jurídica.
A função do referido cadastro seria otimizar e regularizar, efetivamente, o processo adotivo, o que não ocorreu na prática jurídica, como veremos a seguir. No entanto, o cadastro de adoção recebeu grande proteção normativa, senão vejamos:
A Lei 12.010/09 foi bastante exigente quanto à operacionalização deste cadastro, tanto que qualificou como crime contra a criança e o adolescente o ato omissivo da autoridade competente que deixar de providenciar a instalação, operacionalização e cadastramento, podendo sofrer pena de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais).[3]
3.7 Adoção internacional
A colocação do infante em família substituta estrangeira tornou-se caráter subsidiário e como ultima ratio. A lei nacional de adoção estabeleceu o trâmite a ser seguindo para ocorrência da adoção internacional. Deu-se clara preferência à adoção por nacionais, exigindo-se, inclusive, prévia consulta de adotantes interessados com residência permanente no Brasil, quando da hipótese de interesse postulado por estrangeiro.