V – Modelos internacionais e brasileiros na aplicação dos mecanismos econômicos em matéria ambiental.
Para podermos ter uma panorâmica global da evolução, aplicabilidade e eficácia das denominadas "green taxes" na comunidade européia, apresentamos um relatório de 1995, elaborado pela Agência Européia do Ambiente – AEA, sob encomenda da Comissão do Ambiente da Saúde Pública e da Defesa do Consumidor do Parlamento Europeu: (9)
Quadro 1: Resumo de uma avaliação de taxas ambientais seleccionadas
Instrumento | Efeito ambiental | Efeito de incentivo | Observações sobre a eficácia global |
Taxas fiscais ambientais |
|||
Imposto sobre enxofre (Suécia) |
+++ |
+++ |
O teor médio de enxofre dos carburantes baixou consideravelmente (40%), em 2 anos, obtendo-se reduções significativas das respectivas emissões. Embora sendo uma taxa fiscal ambiental, teve um forte efeito de incentivo, provavelmente devido ao seu elevado valor. |
Imposto sobre o CO2 (Suécia) |
?/+ |
? |
Substituição dos combustíveis fósseis por bio-combustíveis no aquecimento urbano, em 2 anos; maior competitividade da produção combinada de calor e electricidade. |
Imposto sobre o CO2 (Noruega) |
++ |
? |
Análises parciais apontam para efeitos como a redução de 3 a 4% nas emissões totais de CO2, em 2 a 3 anos, a partir de uma tendência ascendente. |
Imposto sobre voos domésticos (Suécia) |
+ |
? |
Algum impacte na aceleração da substituição das câmaras de combustão, por uma companhia aérea, e nas emissões em geral, em 1 a 3 anos. |
Imposto sobre os resíduos (Dinamarca) |
++ |
? |
Avaliação em curso; forte aumento da reutilização do entulho de 12 para 82% em 6 a 8 anos e redução da produção de resíduos. O valor da taxa J quase o dobro do custo do tratamento dos resíduos. |
Taxas de incentivo | |||
Diferenciação fiscal da gasolina sem chumbo (Suécia) |
+++ |
+++ |
A diferenciação fiscal contribuiu substancialmente para a erradicação do chumbo em 5 a 7 anos. O diferencial parece ter coberto os custos adicionais da produção de gasolina sem chumbo: forte efeito incentivador. |
Diferenciação fiscal do gasóleo menos poluente (Suécia) |
+++ |
+++ |
A diferenciação fiscal induziu um forte aumento da quota de mercado do combustível menos poluente, cumprindo as normas ambientais mais rigorosas em 3 a 4 anos. A redução das taxas desses combustíveis proporciona fortes incentivos pois reduz os custos de produção para um nível inferior aos dos combustíveis tradicionais. |
Taxa sobre os resíduos tóxicos (Alemanha.) |
++ |
++ |
Redução de pelo menos 15% na produção de resíduos, em 2 a 3 anos. A capacidade de incineração planeada foi consequentemente reduzida. |
Taxa sobre os NOx (Suécia) |
+++ |
+++ |
A concepção e o valor da taxa incentivaram as medidas de monitorização e atenuação nas fábricas responsáveis, contribuindo para reduzir em 35% as emissões de NOx, em 2 anos. Reforço bem-sucedido da política de concessão de licenças. |
Taxa sobre os adubos (Suécia) |
+ |
? |
Um dos factores, no quadro da política de reforma agrícola, que contribuiu para a diminuição do uso de adubos artificiais em 5 a 10 anos. |
Taxa sobre a poluição dos recursos hídricos (França) |
+ |
+ |
O sistema de recompensas fiscais e de contratos sectoriais pode ter tido alguns impactes ambientais positivos em 10 a 12 anos. As verbas geradas por esta taxa são modestas. |
Taxa sobre a poluição dos recursos hídricos (Alemanha) |
+ |
+ |
Impacte positivo na solicitação e concessão de licenças para tecnologias mais "limpas". O seu anúncio precoce contribuiu para o fomento da construção de unidades de tratamento das águas residuais. |
Taxas por serviço prestado: taxas de utilização | |||
Taxa de descarga em meio aquático (Holanda) |
+++ |
+ |
A taxa gerou verbas para o rápido aumento da capacidade de tratamento. Embora o incentivo fiscal fosse baixo, o uso das receitas para esse fim contribuiu para melhorar substancialmente a qualidade da água em 10 a 15 anos. |
Taxa sobre os resíduos domésticos (Holanda) |
+ |
?/+ |
Divisão mais justa dos custos de gestão dos resíduos domésticos; os valores variáveis podem ter incentivado a redução dos resíduos (10 a 20% menos de resíduos per capita). |
Taxas por serviço prestado: taxas reservadas | |||
Taxas sobre as pilhas (Suécia) |
++ |
0 |
Esta taxa viabiliza a reciclagem de pilhas-Pb. O nível de recolha, em 1993, era de 95% (60% em 1989). No caso de outras pilhas, o impacte ainda não J bem conhecido. |
Taxas sobre o ruído dos aviões (Holanda) |
+ |
0 |
Satisfatórias, em termos de geração de receitas. Visam cobrir o custo das medidas de insonorizarão em redor dos aeroportos. |
Legenda:
+/++/+++ = efeito pequeno/médio/elevado
0 = efeito nulo ou insignificante
? = efeito desconhecido
No caso do Brasil, não se tem conhecimento de um estudo similar, até porque, como foi comentado, a tributação resume-se à aplicação de taxas de fiscalização, geralmente estaduais e municipais e algumas iniciativas estaduais de imposto (ICMS) e compensações financeiras como mostram os exemplos a seguir:
- Cobrança pelo Uso da Água em Bacias Hidrográficas por Volume e Conteúdo Poluente: Já existe Lei Federal em fase de regulamentação.
- Tarifa de Esgoto Industrial, baseada no conteúdo de poluentes: Parcialmente implementada desde 1981, no Estado de São Paulo, foi implementada em 1986.
- Compensação Financeira a Estados e Municípios devido à exploração dos recursos naturais (Hidroelétrica, Produção de Óleo, Exploração Mineral): Totalmente implementada desde 1991, na forma de royalties.
- ICMS ecológico: Paraná, Minas Gerais e São Paulo implementaram.
- Preço de Análise de Estudos Ambientais: Implementada em São Paulo desde 2003.
Infelizmente, como não há uma política de controle da aplicação dos instrumentos existentes no Brasil, ainda é cedo para analisar a sua eficácia.
VI – Conclusão
Com esta pequena exposição, tentamos abordar, mesmo que de forma perfunctória, as implicações da aplicação econômica nas soluções ambientais.
As declarações internacionais deixam claro o hibridismo existente na concepção de meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois o considera como fonte precípua de recursos para a vida e bem-estar do homem, ao mesmo tempo em que se preocupa com a harmonia que deve existir entre este e seu habitat, incumbido do dever de proteger a fauna e a flora.
Desta forma, a aplicação dos mecanismos econômicos ao meio ambiente encontram um elemento complicador ao atribuir valor econômico a bens que aparentemente, não se caracterizam por sua utilidade ao homem em si considerado.
Entretanto, ao se ampliar o denominado princípio do poluidor-usuário/pagador, agregando-lhe (sub) princípios, a sua aplicação pode passar a abranger os bens naturais em si considerados e enriquecer as negociações de implantação de atividades.
Trata-se, em suma, de compreende todas as formas de distribuição de custos que visem ao estímulo ou desetímulo de determinadas atividades em busca de um ótimo social.
Quando a política informa o modelo indutivo, não se exige a atividade sancionatória do Estado, mas requer a conscientização em adotar determinadas condutas que sejam mais benéficas ao meio ambiente. Primeiro, para amenizar as relações entre os vários setores da sociedade e, ainda, como uma forma de implementar a própria educação ambiental.
Aparentemente, ao menos na experiência européia, apresenta altos níveis de eficácia, sendo suas distorções pouco sentidas. O Brasil demonstra grande deficiência na implantação dessas políticas que, esbarra na vontade do Poder Executivo, pois, como se sabe, nossa legislação ambiental, além de vanguardeira, é bastante abrangente e dá o suporte necessário para a ação política necessária.
Não se tem conhecimento de estudos de eficácia e estatística na aplicação desses mecanismos, porém,como orienta o processo democrático, é bom que se criem tais mecanismos dentro um conjunto de negociações entre os vários agentes envolvidos para que se evitem o minimizem os desvios ou desigualdades impostas pelo poder econômico, aumentando, ainda mais, os custos sociais e as falhas de mercado.
Notas
-
O fenômeno denominado "smog" foi o surgimento de uma imensa nuvem
negra carregada com poluições industriais que vitimou milhares de ingleses.
O "Mal de Minamata" ocorreu na cidade de Minamata e foi um episódio
em que inúmeros recém-nascidos apresentaram anomalias genéticas, dentre elas,
a anencefalia. Foi constatado que os pais foram contaminados ao ingerir
pescados contaminados pelo despejo excessivo de dejetos qímico-industriais nas
águas, dentre eles, o mercúrio. BENJAMIN, Antônio Herman V. O princípio poluidor-pagador e a
reparação do dano ambiental. In Dano ambiental: Prevenção, reparação e
repressão. Antônio Herman V. Benjamin ( coord.). São Paulo: Ed. RT, 1993.
Esta observação é importante para os casos em que se defenda a
indenização independente da ilicitude da atividade poluente, objeto de ampla
controvérsia, que não será tratada neste trabalho. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 3ª
ed. São Paulo: Ed. RT, 1991. Op. Cit. MARTINS, António Carvalho. A política de ambiente da Comunidade
Económica Europeia. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. No Brasil, foi criada uma taxa de fiscalização ambiental
posteriormente impugnada pelo STF, com fundamento na imprecisão da base de
cálculo. - Relatório extraído do site: http://reports.pt.eea.eu.int/92-9167-000-6sum/pt/page001.html
Bibliografia
BENJAMIN, Antônio Herman V. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In Dano ambiental: Prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Ed. RT, 1993.
Coase, Ronald. The problem of social cost. Chicago:Journal of Law and Economics 3. 1960
DOMINGUES DE OLIVEIRA, José Marcos. Direito Tributário e meio ambiente, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Ed. RT, 1991.
MARTINS, António Carvalho. A política de ambiente da Comunidade Económica Europeia. Coimbra: Coimbra Editora, 1990.
SEROA DA MOTTA, Ronaldo. Manual para valoração econômica de recursos ambientais. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1998