A obrigação de indenizar os danos causados por acidente de trabalho - que não se confunde com aquela devida pelo órgão previdenciário -, de responsabilidade do empregador, está genericamente assegurada pelo artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, ao dispor que é direito do trabalhador seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Há duas correntes, tanto em sede de doutrina como em jurisprudência, no que concerne à competência para as causas envolvendo acidentes de trabalho, cuja demanda tem como partes o empregado e o empregador, sendo o entendimento prevalecente em jurisprudência o de que aquela é da Justiça Comum.
Não obstante, a doutrina mais abalizada que se tem debruçado, nos últimos anos, sobre este tema, com muito empenho, reflexão e amadurecimento, é quase unânime em reconhecer que a competência é da Justiça do Trabalho, cujos argumentos são atraentes e absolutamente convincentes. Poucos que se deram ao árduo trabalho de estudar com profundidade e seriedade a questão da competência para as causas envolvendo pedidos de indenizações por danos materiais e morais, em razão de acidentes de trabalho, dirigidas contra o empregador, sustentam que a competência é da Justiça Comum.
Há, ainda, é bem verdade, um descompasso enorme entre o pensamento dos estudiosos e as decisões de nossos tribunais, em especial do C. STJ, a quem cabe a última palavra em tema de competência, ao interpretar o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. O E. STF, do mesmo modo, ainda não tem um posicionamento definitivo sobre a matéria, ora pendendo para um entendimento, ora para outro, como se verá de algumas de suas decisões, que serão transcritas mais à frente.
Uma das importantes vozes contrárias à competência da justiça laboral é a do Ministro do C. TST, JOÃO ORESTE DALAZEN, ao afirmar:
(...) Entretanto, entendo que escapa à competência material da Justiça do Trabalho o litígio por indenização civil entre empregado e empregador referente a dano mora advindo de acidente do trabalho a que o empregador der causa, dolosa ou culposamente. Encarta-se na competência da Justiça Estadual, conforme se infere, por exclusão, do texto constitucional (CF/88, art. 109, inciso I e art. 70 do ADCT) e ante o que reza expressamente o art. 19, inciso II, da Lei n. 6.367, de 19.10.76). Esta a jurisprudência sumulada do STJ (n. 15) e do STF (n. 501). (1)
Tem o mesmo posicionamento o juiz do trabalho da 23ª Região, GUILHERME AUGUSTO CAPUTO BASTOS, embora não ofereça em sua obra qualquer fundamento imune à crítica, ou que pelo menos tenha o condão de convencer o leitor do acerto de sua tese, tangendo a matéria de forma superficial. (2)
Esclareça-se que o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, tantas vezes invocado em acórdãos de nossos tribunais, não trata da ação indenizatória do direito comum, proposta pelo empregado em face do seu empregador, em decorrência de danos sofridos por acidente de trabalho, senão cuida de estabelecer que é da Justiça Federal a competência para processar e julgar as causas em que forem interessadas a União Federal, entidades autárquicas e empresa publica federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, ressalvando as causas de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho.
Em outras palavras, não será da competência dos juizes federais, entre outras, as causas de acidentes de trabalho, em que figure em um dos pólos da relação processual ou na condição de assistente ou oponente o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal. Também assim, de forma expressa, não deixando margem à dúvida, dispõe o artigo 129, inciso II, da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. (3)
A Carta Constitucional de 1946, em seu artigo 123, § 1º, e ainda, a de 1967, mesmo depois da EC 1/1969, em seu artigo 142, § 2º, dispunham que os litígios relativos a acidentes de trabalho são da competência da Justiça Ordinária dos Estados (e também do Distrito Federal e dos Territórios, explicitados na CF de 1967).
Portanto, historicamente, a competência para solucionar conflitos envolvendo o segurado e o órgão previdenciário nas causas de acidentes de trabalho sempre foi da Justiça Comum. (4)
Aliás, o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, ora analisado, diz apenas que não cabe à Justiça Federal julgar demandas acidentárias, nada mais que isso, deixando entrever, igualmente que, inegavelmente, nas hipóteses que menciona, a competência também não é da Justiça do Trabalho, caso contrário não faria sentido declarar expressamente que são excluídas as causas de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho, bastava dizer (...) exceto as de falência e as sujeitas a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho. (5)
Logo, a única conclusão plausível é a de que norma constitucional sob comento não tem relevância para o fim de se fixar a competência para as causas relativas a acidentes de trabalho, cujos litigantes sejam o empregado e o empregador e o objeto da demanda seja pedido de indenização com base no direito comum.
A regra de competência que resulta da Constituição diz respeito às demandas em que uma das partes é o órgão previdenciário, responsável pelo pagamento da indenização contemplada pela legislação própria, caso não tenha sendo satisfeita ou tenha sido negada.
Não teria mesmo sentido que um artigo que regula a competência dos juizes federais servisse de fundamento para amparar estudos que objetivam determinar a competência material da Justiça do Trabalho, em uma situação específica, quando o tema é tratado, de forma coerente, em outro dispositivo da Constituição (artigo 114 e §§).
No terreno da doutrina faz-se mister distinguir entre o que é e o que deveria ser. Com efeito, muitos juristas sustentam que inexiste razão válida para justificar a exclusão desta matéria do campo daquelas afetas a Justiça do Trabalho, porque a controvérsia fundada em acidente de trabalho é de natureza trabalhista, sem, contudo, defender abertamente que a competência é daquela, como se observa das exposições dos professores AMAURI MASCARO NASCIMENTO e WAGNER D. GIGLIO. (6) (7)
Outros sustentam, com firmeza, que a competência é do Judiciário Trabalhista, entre eles VALDIR FLORINDO. (8)
Também pensa assim, quando as partes na relação jurídica de direito processual se identificam com as da relação jurídica de direito material (empregado e empregador), ainda que não de forma explícita, o saudoso VALENTIN CARRION. (9)
Destaque-se que o artigo 643, da CLT, diz que os dissídios oriundos da relação entre empregados e empregadores serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, ao passo que o seu parágrafo segundo exclui as causas que digam respeito a acidentes de trabalho, sem distinguir, repita-se, entre as ações em que os sujeitos em conflito são o empregado e o empregador e aquelas em que são o segurado e a autarquia federal (INSS), as primeiras em face da relação de emprego e as segundas em razão da vinculação obrigatória do trabalhador ao regime geral da previdência social. (10)
O acidente de trabalho, invocado como causa de um pedido de indenização, é oriundo da relação de direito material entre empregado e empregador. É regra básica de hermenêutica de que o parágrafo de um artigo deve ser interpretado em consonância com o seu caput, havendo uma relação necessária entre eles. Neste diapasão é razoável concluir que o parágrafo segundo do artigo 643 da CLT diz respeito às causas em que são partes o empregado e o empregador, decorrentes da relação de emprego, uma vez que a sua cabeça trata deste assunto, não sendo razoável, de outro lado, entender que uma norma legal que cuida de regular a competência da Justiça do Trabalho estaria a tratar, também, de demandas em que o conflito estabelecido entre as partes não tem como sujeitos o empregado e o empregador, e sim, o segurado e a autarquia federal (INSS). (11)
Destarte, certamente que a finalidade do precitado parágrafo segundo era excluir da Justiça do Trabalho as causas relativas a acidentes de trabalho entre empregado e empregador, conferindo competência à Justiça Comum.
Em harmonia com este entendimento são as normas constitucionais posteriores à promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943), ou seja, as Constituições de 1946 e de 1967 (esta última, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969), que no caput dos artigos 123 e 142, respectivamente, estabelecem a competência da Justiça do Trabalho e nos parágrafos primeiro e segundo, respectivamente, faz a ressalva de que os litígios concernentes a acidentes de trabalho são de competência da Justiça Comum. Tanto a norma legal como a constitucional somente poder estar se referindo aos litígios que têm como partes o empregado e o empregador, jamais aqueles em que um dos litigantes é o órgão previdenciário.
Assim compreendida a questão, a interpretação de VALDIR FLORINDO está fundamentada em argumentos consistentes. Sustenta este autor, comparando o artigo 142, caput e par. 2º, da Constituição de 1967 com o artigo 114 da Constituição de 1988, que o silêncio do legislador constituinte foi de propósito, uma vez que o caput daquele dizia que compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os litígios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho. De outro lado, a regra que declarava ser da Justiça Comum a competência para apreciar e julgar as causas relativas a acidentes de trabalho estava inserida no mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, ao dispor que os litígios relativos a acidentes de trabalho são da competência da Justiça Ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. O artigo 114 da Constituição de 1988, por sua vez, nada menciona sobre este assunto, entendendo este autor que obviamente porque o legislador constituinte originário não quis mais destinar à Justiça Ordinária dos Estados os litígios relativos a acidentes de trabalho. (12)
A Súmula 15 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, publicada em 1990, não é clara o suficiente para a formação de um convencimento seguro sobre o tema, na medida em que não diferencia as causas decorrentes de acidentes de trabalho, em que as partes na demanda são o empregado e o empregador e aquelas em que são o segurado e a autarquia federal (INSS), sendo por demais lacônica, ao enunciar que compete a Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidentes de trabalho. Em quais causas? Entre segurado e INSS? Entre empregado e empregador? Em ambos os casos?
Realizando-se uma pesquisa junto aos precedentes do C. STJ, que deram origem à Súmula 15, constata-se que a orientação diz respeito apenas às causas entre o segurado e o órgão previdenciário, em razão de dúvidas surgidas na interpretação do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, que diz não ser da Justiça Federal a competência para as demandas relativas a acidentes de trabalho, mas não diz explicitamente de quem esta é, como nos mostra com profundo conhecimento, VALDIR FLORINDO:
Ademais, a menção à Súmula n. 15 do Tribunal Superior de Justiça (...), sempre mencionada no estudo da presente questão, data venia, representa um equivoco, pois esta se refere, exclusivamente, a responsabilidade civil objetiva do INSS, limitando-se, obviamente ao direito previdenciário postulado. A historia revela que esta súmula foi editada, tendo em vista ações previdenciárias típicas decorrentes de acidente de trabalho, é dizer, aquelas propostas contra o Órgão Previdenciário. Importa dizer, que referida súmula originou-se do julgamento de inúmeros conflitos de competência (...), o q eu implica dizer que não estava em discussão a aplicabilidade do art. 114 do mesmo texto constitucional. Como se vê o alvo não eram as ações de acidente do trabalho propostas em face do Empregador. Portanto, a Súmula n. 15 do STJ jamais poderia respaldar decisão contrária à ‘thesi’ de que o Judiciário Trabalhista é competente para julgar a presente ação acidentaria, estando presentes empregado e empregador. (13)
VALDIR FLORINDO, em abono de suas afirmações, cita em nota de rodapé alguns conflitos de competência que deram origem à Súmula 15 do C. STJ, que ora se reproduz: CC 0196-RJ (1ª Seção 30.05.89 – DJU de 07.08.89), CC 0439-RJ (1ª Seção 05.09.89 – DJU de 02.10.89), CC 0950-RJ (1ª Seção 20.03.90 – DJU de 16.04.90), CC 0263-RJ (2ª Seção 27.09.89 – DJU de 30.10.89), CC 0137-RJ (1ª Seção 13.06.89 – DJU de 14.08.89), CC 0377-RJ (1ª Seção 12.09.89 – DJU de 02.10.89) e CC 1.057 – RJ (1ª Seção 10.04.90 – DJU de 14.05.90). (14)
Todos estes conflitos de competência, como provam os respectivos autos, mediante consulta da página do C. STJ na internet, envolvem como suscitante ou como suscitado juiz de direito e juiz federal, e sendo uma das partes o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ou seja, não se trata de ação proposta pelo empregado contra o empregador, mas sim, aforada pelo segurado em face do INSS. (15)
A Súmula 15 do C. STJ, que expressamente indica como precedente o CC 1057-RJ, em que o suscitado é um juiz de direito (3ª Vara de Acidentes de Trabalho do Rio de Janeiro - RJ) e o suscitante um juiz federal (10ª Vara Federal do Rio de Janeiro - RJ), então, não orienta quanto à competência do juízo nos casos de demandas entre empregados e empregadores. Trata das demandas acidentárias (segurado x INSS). Não diz respeito a conflitos de competências surgidos entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum. Por isso, não soluciona o problema. (16)
A partir do advento da Constituição de 1988, o § 2º, do artigo 643, da Consolidação das Leis do Trabalho, entendido como norma que exclui do âmbito de competência do Judiciário Trabalhista as causas dos acidentes de trabalho entre empregado e empregador, está irremediavelmente revogado, porque incompatível com aquela, cujo artigo 114 não faz qualquer restrição, atribuindo-lhe competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. As ações que tenham por objeto pedido de indenização por acidente de trabalho, propostas por empregados contra empregadores, decorrem do contrato de trabalho, sendo suficiente para sustentar esta posição a primeira parte do artigo 114 da Constituição. O caso ora estudado não se constitui em outras controvérsias, como diz o texto legal, que está limitado a outras situações inerentes ao mundo do trabalho subordinado, a exemplo das demandas envolvendo sindicato de trabalhadores e empregadores, para cobrança de contribuições fixadas em convenções ou acordos coletivos de trabalho. Neste caso, aí sim, há necessidade de lei atribuindo competência à Justiça do Trabalho para o conhecimento e julgamento do litígio.
RAIMUNDO SIMÃO DE MELO, procurador do trabalho, estudando meticulosamente a matéria, conclui:
A competência acidentária, agora, está dividida entre a Justiça Ordinária e a Justiça do Trabalho. É da Justiça do Trabalho quando o pleito de indenização material (art. 7º, XXVIII/CF) ou por dano moral (art. 5º, X) for dirigido ao empregador, que tenha, por dolo ou culpa, sido o responsável pelo evento – culpa subjetiva. É da Justiça Comum Estadual, quando os pedidos de indenização, auxílio-doença, auxílio-acidentário, aposentadoria por invalidez e outros benefícios legais forem dirigidos ao órgão previdenciário – culpa objetiva. (17)
O professor e juiz do trabalho em Minas Gerais, em excelente obra que versa sobre a proteção jurídica à saúde do trabalhador, SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA, aborda a matéria nos seguintes termos:
Enquanto vigia a Constituição da República de 1967, era inquestionável o entendimento de que a competência para julgar as controvérsias referentes à indenização por responsabilidade civil decorrentes de acidente do trabalho era da Justiça Comum Estadual. Isso porque o art. 142, que fixava a competência da Justiça do Trabalho, contemplava uma exceção no § 2º (...). Com o advento da Constituição da República de 1988, a questão mereceu tratamento diverso, que não pode ser ignorado. Primeiramente, porque o art. 114 não repetiu a ressalva acima registrada, não devendo o intérprete criar distinção onde a lei não distinguiu; em segundo lugar, porque a indenização a cargo do empregador, proveniente do acidente do trabalho, foi incluída no rol dos direitos dos trabalhadores, como expressamente prevê o art. 7º, XXVIII. Conseqüentemente, os dissídios individuais entre empregados e empregadores, referentes às indenizações derivadas do acidente do trabalho, estão no âmbito da competência da Justiça do Trabalho. (18)
O professor ENOQUE RIBEIRO DOS SANTOS, compartilha desse entendimento, assim: (...) Compactuamos com a tese da reparação por acidente de trabalho (...), na órbita da Justiça do Trabalho, com base no art. 114 da Constituição Federal. (19)
O professor JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO é da mesma opinião: (...) Considerando-se não haver na Constituição atual nenhuma norma conservando essa exclusão da competência trabalhista para conhecer dissídios de acidentes no trabalho, parece-nos fora de dúvida que eles devem passar a ser julgados pelos órgãos da Justiça do Trabalho, em harmonia com a regra geral e natural da competência em razão da matéria. (20)
Igualmente, o professor MAURICIO GODINHO DELGADO, ao escrever sobre os direitos da personalidade e o contrato de trabalho, sustenta que deve ser da Justiça do Trabalho a competência para conhecer e julgar todas as lides que tenham como sujeitos ativo e passivo as figuras de empregado e empregador, oriunda da situação fático-jurídica empregatícia vivenciada por ambos (...), independentemente da especifica natureza dos pedidos veiculados. (21)
PAULO EMILIO RIBEIRO DE VILHENA, também entende que a competência é do Judiciário Trabalhista, assim: (...) Afigura-se indiscutível a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar as ações de empregados que pleiteiam a indenização por dano material ou moral resultante da lesão causada em acidente de trabalho. (22)
Ainda, o professor e juiz do trabalho, RODOLFO PAMPLONA FILHO (in O dano moral na relação de emprego):
Enquanto a ação de acidentes do trabalho, em que figura o INSS, numa típica hipótese de responsabilidade civil objetiva, é da competência da Justiça Comum, a ação de reparação de dano moral decorrente de acidente de trabalho, causado dolosa ou culposamente pelo empregador, somente pode ser da competência da Justiça do Trabalho, eis que o sujeitos da lide, figuram em função da qualidade jurídica de empregador e empregado, numa discussão de controvérsia decorrente da relação de emprego, em que se vai discutir a responsabilidade subjetiva do empregador (...). (23)
O juiz do trabalho da 5ª Região, JOSÉ CAIRO JUNIOR, tanto quanto Valdir Florindo, faz estudo comparativo das Cartas Constitucionais de 1946 e 1967 com a de 1988, para chegar a igual conclusão, afirmando que o artigo 114 desta última não restringe a competência da Justiça do Trabalho, para excluí-la, ainda que implicitamente, no tocante às demandas entre empregados e empregadores, em que a causa de pedir se liga a um acidente de trabalho e seu objeto seja uma indenização pelos danos que dele resulta ao trabalhador. Lembra que a maioria dos opositores desta corrente tem como um dos fundamentos de sua posição o fato de que a competência da Justiça do Trabalho estaria restrita à apreciação dos dissídios envolvendo direitos tipicamente trabalhistas, teoria esta ultrapassada, além de insustentável, ante o que dispõe o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao legitimar o direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho, sempre que não for incompatível com os princípios fundamentais deste, o que, quando ocorre, evidentemente, não desloca a competência para a Justiça Comum. Depois de extensa exposição sobre o tema, conclui que quando se tratar de ação em que se postula indenização decorrente de acidente do trabalho causado por culpa ou dolo do empregador, a competência jurisdicional para apreciar o litígio é da Justiça Especializada do Trabalho. (24)
O juiz do trabalho da 3ª Região, CLÉBER LÚCIO DE ALMEIDA, tem idêntica opinião, após semelhante leitura dos dispositivos legais e constitucionais sobre a matéria e exame das razões das duas correntes antagônicas, assim: Após examinar os argumentos, todos sérios e respeitáveis, em que se sustentam as duas posições noticiadas, concluímos que a pretensão fundada na obrigação de o empregador contratar e custear seguro contra acidente de trabalho (...) ou indenizar os danos para os quais concorreu com dolo ou culpa deverá ser submetida à Justiça do Trabalho. (25)
Embora não se trate da corrente majoritária, a jurisprudência dos Tribunais Regionais e do próprio Superior Tribunal do Trabalho é rica em decisões que conferem à Justiça do Trabalho competência para julgar demandas em que se discute indenização por danos, materiais e morais, provenientes de acidentes do trabalho. O número de decisões nesse sentido é expressivo e cada vez maior. Reproduzem-se algumas ementas:
DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA DIRIMIR A CONTROVÉRSIA. A questão do dano moral está ligada ao acidente de trabalho, que, por sua vez, decorreu do relacionamento entre empregado e empregador. Assim, apesar da matéria ter cunho civilista, a competência desta Justiça se impõe, a teor do art. 114, da Constituição da República. A decisão do Excelso STF proferida no Conflito de Jurisdição n. 6.959-6, publicada no DJU de 22.9.91, às fls. 1.259, autoriza o entendimento aqui adotado. (Da v. sentença da lavra do e. Juiz José Murilo de Morais. Proc. n. 22/00955/97, 33ª JCJ da Capital). (TRT-MG-RO 14.843/97. 1ª Turma. Rel. Juiz Bolívar Viegas Peixoto). (26)
DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. ACIDENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do Trabalho assenta-se em texto constitucional. O artigo 114, da CR, atribui a essa Especializada a competência para ‘conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho...’ (...) Ora, a discussão acerca do direito à reparação dos danos patrimoniais e morais experimentados por força de um acidente do trabalho decorre, necessariamente, da existência de um contrato de trabalho. A proteção à dignidade e dignidade do empregado constitui obrigação legal do empregador, alíneas a, b e e do artigo 483, da CLT, tendo, portanto, um conteúdo econômico integrante do contrato de trabalho. A relação de emprego constitui o antecedente lógico-necessário, sem a qual não haveria que se falar em acidente do trabalho e reparação da lesão. O dano emergiu de uma relação jurídica trabalhista, e por essa razão nada mais coerente e lógico do que a Justiça do Trabalho examinar e julgar a responsabilidade do causador do dano, o empregador (TRT-MG-RO 11.876/99. 3ª Turma. Rel. Juíza Cristiana Maria V. Fenelon. 07.06.2000). (27)
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DANO MORAL E MATERIAL DECORRENTE DE DOENÇA PROFISSIONAL. Segundo o entendimento da maioria desta E. Turma, a Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar as causas em que se postula o pagamento de indenização por dano moral e material decorrente de doença profissional. Afasta-se, pois, a incompetência declarada pelo d. Juízo de primeiro grau, determinando-se o retorno dos autos à origem para que se proceda a regular instrução do processo e ao exame do mérito, atendendo-se ao princípio do duplo grau de jurisdição. (TRT-MG-RO 17.820/00. 2ª Turma. Rel. Juíza Alice Monteiro de Barros. 07.11.2000). (28)
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS OU MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTES DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. É de se distinguir as denominadas ‘causas acidentárias’, quando o trabalhador, na qualidade de ‘segurado obrigatório’, vindica do órgão (INSS) direitos previstos na Lei n. 6.367/76, das ‘causas trabalhistas’, em que o trabalhador, na qualidade de ‘empregado’, vindica de seu empregador uma indenização por dano moral ou material em razão de sua participação culposa ou dolosa no acidente do trabalho ocorrido. Tal distinção está clara e evidenciada na Súmula n. 229, do STF. As primeiras são de competência da Justiça Estadual (art. 109, I, da Constituição Federal), pois retratam litígios envolvendo ‘segurado’ e ‘segurador’, enquanto que as últimas são de competência da Justiça do Trabalho (art. 114, da Constituição Federal), na medida em que configuram dissídios entre empregados e empregadores, por fatos decorrentes da vinculação empregatícia. (TRT-MS-RO 1.668/2000. Tribunal Pleno. Rel. Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior). (29)
ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. Com clareza a Constituição Federal (artigos 109 e 114) tratou da competência da Justiça do Trabalho e da competência residual da Justiça Comum, não mais atribuindo a esta, com exclusividade e como ocorreu nas Constituições anteriores, a competência para as questões acidentárias. A competência acidentária, agora, está dividida entre a Justiça Ordinária e a Justiça do Trabalho. É da Justiça do Trabalho quando o pleito de indenização material (art. 7º, inciso XXVIII/CF) ou por dano moral (artigo 5º, inciso X), for dirigido ao empregador que tenha, por dolo ou culpa, sido o responsável pelo evento – culpa subjetiva. É da Justiça Comum Estadual, quando os pedidos de indenização, auxílio-doença, auxílio-acidentário, aposentadoria por invalidez e outros benefícios forem dirigidos ao órgão previdenciário – culpa objetiva. A esse entendimento se chega pela leitura atenta do quanto disposto no artigo 109, inciso I e § 3º combinados com o artigo 114, ‘caput’, todos da Constituição Federal (Dr. Raimundo Simão de Melo, em artigo publicado na Revista LTr de março de 1999, págs. 349/351) dentro do campo da ciência jurídica, os avanços da tecnologia moderna cada vez mais impõem aos cultores do Direito o emprego irrestrito do Princípio da Razoabilidade, sob pena de graves distorções, que podem levar ao descrédito de novas conquistas em matéria de responsabilidade civil, aí abrangida a questão da responsabilidade por danos materiais e morais a que deu ensejo o empregador. (TRT-BA-RO 01.23.99.0550-50. 1ª Turma. Rel. Juiz Roberto Pessoa. 14.08.2000). (30)
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DANOS MATERIAIS OU FÍSICOS RESULTANTES DE ACIDENTES DE TRABALHO. O art. 114 da Constituição não afasta expressamente a tutela da Justiça do Trabalho quando a causa entre empregado e empregador versa sobre dano físico resultante de acidente de trabalho. (TST-RR 684.542/2000. 1ª Turma. Rel. Min. Ronaldo José Lopes Leal. Julgamento ocorrido em 15.08.2001). (31)
1. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO FÍSICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Sendo distinta a ação acidentária ajuizada contra o INSS (CF, art. 109, I, § 3º) e a ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho (CF, art. 7º, XXVIII) e, considerando que o empregado somente poderia, em tese, sofrer acidente de trabalho no exercício de sua profissão, ou seja, estando vinculado contratualmente a um Empregador, não há como se afastar a competência material desta Especializada para julgar ação de indenização por dano físico, nomeadamente porque é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a Justiça do Trabalho detém competência material para julgar ação de reparação por dano moral. São danos ontologicamente idênticos, porquanto derivam da mesma matriz – a relação de trabalho. Daí a inafastabilidade da competência desta Especializada. 2. DANO MORAL. DOENÇA PROFISSIONAL ADQUIRIDA NO AMBIENTE DE TRABALHO. LER. INEXISTÊNCIA DE DIREITO A INDENIZAÇÃO. Sendo bens protegidos pela Constituição Federal contra o dano moral apenas a honra, a imagem e a intimidade da pessoa (CF, art. 5º, X), viola o preceito constitucional a ampliação dos bens juridicamente protegidos, para abarcar eventual sofrimento psicológico decorrente da contração de doença profissional. (TST-RR 483.206/98. 4ª Turma. Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho. 27.09.2000). (32)
A jurisprudência produzida mais recentemente tende, iniludivelmente, a consagrar o entendimento doutrinário que admite a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar as demandas em que se postula o pagamento de indenização por danos materiais e morais, em virtude de acidente de trabalho sofrido pelo empregado no curso do contrato de trabalho, como pode ser observado de importante e progressiva postura assumida pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, ao tentar corrigir este histórico equívoco cometido pela maioria dos tribunais pátrios, com a edição, em 26 de novembro de 2003, da Súmula 736, que tem esta redação: Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. (33)
Não há como deixar de reconhecer verdadeira a assertiva de que o acidente de trabalho, gerador da responsabilidade civil, até em razão do que dispõe o artigo 7º, inciso XXVIII, segunda parte, da Constituição Federal, está fundado em culpa ou dolo do empregador, como conseqüência de descumprimento de normas legais que tratam da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, exatamente como diz a Súmula 736 da mais alta Corte de Justiça do País.
A responsabilidade é subjetiva e não objetiva, o que significa que se o empregador atende satisfatoriamente as exigências legais relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, não se poderá falar em culpa ou dolo, ficando afastado o dever de indenizar eventual dano material ou moral baseado em acidente de trabalho ou evento a ele equiparado pela lei.
Certamente – esta é a expectativa – a súmula ora comentada terá o condão de sensibilizar o Tribunal Superior de Justiça, de modo a passar a reconhecer a competência do Judiciário Trabalhista para conhecer e julgar as causas de acidentes de trabalho entre empregado e empregador, quando no exercício do mister que lhe é reservado pelo artigo 105, inciso I, aliena "d", da Constituição Federal, qual seja, no julgamento dos conflitos de competência que lhe forem submetidos.
Somente o tempo poderá sepultar definitivamente a controvérsia, com o amadurecimento do debate e a natural evolução do pensamento acerca desta matéria, mas não há como não imaginar que a celeuma ainda vai longe.
Os fundamentos que compõem a base da compreensão doutrinária mais expressiva parecem ser imbatíveis e com perspectiva cada vez maior de avanço e prestígio pelos tribunais, não havendo razão jurídica válida e legitimada pela norma constitucional, para que se entenda que a competência nesta matéria seja outorgada à Justiça Comum, sem que haja um dispositivo na ordem jurídica que a preveja de forma induvidosa. A Constituição Federal, quando trata da questão, restringe-se às demandas entre o segurado e o órgão previdenciário (artigo 109, inciso I).
A Emenda Constitucional nº 45/2004, promulgada recentemente, reforça o entendimento de que é da Justiça do Trabalho a competência material para conhecimento e julgamento de demanda cujo objeto consista em pedido de pagamento de indenização decorrente de acidente de trabalho, incluindo as doenças profissionais e as do trabalho, seja o dano moral ou material, com a introdução do inciso VI ao artigo 114, da Constituição Federal.
Com amparo nos vastos ensinamentos da doutrina e considerando-se o manifesto equivoco dos Tribunais pátrios na interpretação do artigo 109, inciso I, da Constituição (que diz de quem não é, e jamais de quem é), pode se afirmar com elevado grau de certeza e segurança que a competência para conhecer e julgar as demandas relativas à indenização por danos, em face de ocorrência de acidentes de trabalho, é da Justiça do Trabalho, lastreado no artigo 114, caput e inciso VI, da Constituição.