Historiadores do Direito podem exemplificar as (poucas) vezes em que o Judiciário se portou contra a extração da mais valia, combateu a miséria humana, afrontou o poder ou que, de modo simples, recusou-se aos privilégios de casta que em muito ultrapassam o limite moral. À mulher de César, não basta ser legal.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirma que o teto constitucional do STF passou a ser base salarial dos magistrados. Ou seja, pratica-se o inverso do disposto na Lei Maior. E este é apenas o exemplo do momento, sacado especialmente pela mídia oficial.
Entretanto, o exemplo modista serve como parâmetro de outro indicador: diante de tantos privilégios, o Judiciário atua como casta enclausurada no Poder Político. O Judiciário – salvo as honrosas exceções – só faz defender seus interesses e, na sequência, o status quo.
Em outros casos, a conduta é de real distorção da lei, como no caso do filho de uma desembargadora preso com 500kg de drogas, armas e depois liberto para se defender da melhor forma possível.
Em comparação, filhos de trabalhadores pobres e negros são presos porque têm a posse de cinco gramas de maconha: a moça amamenta duas crianças e não poderá aguardar o julgamento em liberdade.
Em todo caso, essas hipérboles do Judiciário, atualmente, nos trazem outros indicadores:
não há luta pelo Estado de Direito, no que referencia a ideia de que o processo civilizatório retrocede porque não efetivamos a Revolução Burguesa;
passado o Golpe de 2016, em que a cúpula do STF foi essencial ao processo, agora o Judiciário é alvo da mídia oficial.
A desmoralização do Judiciário servirá a outros dois fins específicos:
i) não colocar obstáculos judiciais à privatização do Poder Político (Eletrobrás, previdência) – com a consorte da Embraer, desnacionalizada pela Boeing – e
ii), enfraquecido, não investigar as hostes dos Grupos Hegemônicos de Poder.
A Lava Jato sempre foi alvo – especialmente pelo uso da exceção em suas decisões – mas, agora, será alvo redobrado (sob fogo na esquerda e na direita) até que, desacreditada, encerre as atividades de “caça aos amigos corruptos”.
Neste caso, desde o percurso inaugurado no Golpe de 2016, a ação/inação do Judiciário lhe trará o dissabor experimentado pelos políticos profissionais: o sabor da soma-zero. A desmoralização acabará com qualquer avanço institucional obtido.
A soma-zero quer dizer que o Judiciário atuou em nome próprio muitas vezes, consagrou algozes da República e, enfim, receberá a picada do escorpião. O que ganhou ontem, o Judiciário perderá hoje – ou amanhã.
O desserviço prestado no desrespeito ao Estado de Direito, à República, à democracia, à Constituição, passado incólume em 2016, neste exato momento é o farol-guia da desconstituição da Carta Política: a Constituição Federal de 1988 era a trincheira do Estado Social, da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
No final, o Judiciário, picado nas costas pelo escorpião antirrepublicano e corrupto, não irá virar um príncipe majestoso. Aliás, o episódio lembra o Príncipe de Maquiavel, em que os meios sórdidos são lançados para a manutenção do poder.
Na soma-zero, então, nada haverá de democratização do poder. Na verdade, o fluxo é reverso, se pensarmos que a jurisdição está cada vez mais distante do povo: de soberano na hermenêutica constitucional a vítima da Transmutação Constitucional.
Na Transmutação Constitucional, utiliza-se a Constituição contra seus princípios essências, até o ponto em que o texto se torna irreconhecível e sua interpretação inconstitucional – se vista pelo ângulo certo, inicial da CF/88.