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O Direito Penal Econômico como Direito Penal da Empresa.

O dualismo jurídico-criminal: "societas delinquere non potest" vs. "societas delinquere potest"

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Agenda 08/03/2005 às 00:00

1.4 A tese de Juan Maria Terradillos Basoco – A delimitação do Direito Penal da Empresa

A criminalidade empresarial, criminalidade do mundo dos negócios, criminalidade econômica, criminalidade moderna, é fundamentalmente para TERRADILLOS BASOCO, uma criminalidade de empresa, na sua doutrina a empresa aparece como marco da intervenção penal. "Quizá la más sobresaliente de estas peculiaridades radica em que denominados conflictos sociales se producen dentro del âmbito de la empresa. En contra de lo que ocurre en la criminalidad socio-económica en general, que afecta a intereses más globales e difusos y a sujetos pasivos más indeterminados e indeterminables". (143) A globalização, ou o processo de globalização da economia, já que se entende se tratar apenas de uma nova forma de poder, uma espécie de período de re-colonização (144), agora dos países subdesenvolvidos e emergentes, representa na doutrina do pensador da Escola de CÁDIZ, o marco da desregulação ou desregulamentação, "los argumentos criticados encuentran, no obstante, una palanca de impulso en la omnipotente corriente globalizadora, que se acredita como el marco idóneo y como referente de la desregulación. Lo que obliga a detenerse sobre las características reales de ese fenómeno que conocemos como globalización o como mundialización". (145)

O pensamento de TERRADILLOS BASOCO é o de que existe "um processo de crimnalização que é exercício de poder, no entanto, de maneira desigualmente distribuída nos diversos mercados do mundo, e de que este poder não pode responder a pautas únicas, nem se pode aceitar como "natural", senão como fruto de uma decisão artificial em que se manifesta a desigual distribuição do poder de definição". (146) Sua idéia é a de que, uma política criminal voltada para "a exploração de menores, atentados ao meio ambiente, o subemprego dos imigrantes, os ataques empresariais a liberdade sindical" (147) nos paises desenvolvidos, não significa um procedimento uniforme quando se fala dos países emergentes, pelo contrário. A expressão de sua idéia é que a globalização não permite falar de uma política criminal unitária. Mesmo diante de tal realidade, pode-se identificar uma avassaladora tendência desregulamentadora no âmbito econômico (é como se estivesse havendo uma privatização de diversas esferas do direito), que afeta tanto o sistema de fontes reais de produção do direito quanto seus conteúdos normativos. "Aqui procede recurrir al concepto, acuñado por Capella, de soberano privado supraestatal difuso, titular de um poder de hecho y nacido no del acuerdo internacional, sino de la conjunción de las grandes compañias transnacionales y de los conglomerados financeiros. El G7, el Banco Mundial, el Fondo Monetario Internacional, entre otras instituciones, son así el titular privado de un poder supraestatal que interactúa con los Estados a cuyas instituciones impone sus proprias políticas y que porduce efectos de natureza pública". (148)

Trata-se de complexidade lógica inimaginável. A lógica mercantil impõe, simultaneamente, outra mutação do sistema de fontes: em coerência com os processos de desregulação, a relevante função da lei (estatal) passa a ser assumida pelos contratos, geralmente atípicos. (149) É a constatação da perda, por parte do Estado, do monopólio da produção normativa, é como se o Estado implementasse um processo de abertura de concessão desta produção aos (note bem) determinados entes coletivos supra-estatais. TERRADILLOS BASOCO citando MERCADO PACHECO vai, inclusive, dizer que o Estado perde "el monopólio de la aplicación de derecho: frente al modelo procesal proprio de la condificación revolucionaria, se impone la información de la justicia, que se confia a mecanismos extraestatales o extrajudiciales de resolución de conflictos, como es el caso de los arbitrajes privados. El sistema penal asume así un papel residual, representado por una justicia togada, popular por gratuita, pero lenta y no especializada, práticamente reservada para los menesterosos". (150)

Sem dúvida o processo de globalização da economia, com o fenômeno dos programas de integração econômica, com a formação dos ambientes supranacionais, passou a representar um cenário extraordinário para a expansão das grandes empresas, que se tornaram multinacionais, transnacionais, verdadeiros conglomerados, enxergando na política de desregulação um caminho promissor para o enriquecimento sem causa. Nesta sociedade cassino, (151) fenômenos econômicos como a livre circulação de mercadorias e capitais, passaram a receber o significado de veículo condutor da criminalidade moderna através da empresa. Os escândalos econômico-financeiros não estão ao alcance da espada do poder estatal, a vida é fundamentalmente econômica, existindo uma desvalorização do trabalho, um desprezo pela materialização dos direitos sociais, uma substituição da economia real pela financeira. O fenômeno da comunicação de massas é cada vez mais expandido e direcionado para um controle social no acesso a informação e na formação da opinião pública, na manipulação da verdade.

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TERRADILLOS BASOCO fala que uma política de descriminalização das condutas modernas como, por exemplo, o meio ambiente, a exploração de menores e os comportamentos ante-sindicais, como forma de redução dos custos, condiciona a um fluxo de inversões. E este fluxo de inversões condiciona as opções político-criminais. E o Estado aparece como personagem principal do enredo, pois "o Estado asume la obligación de no obstaculizar el camino de las empresas hacia la máxima competitividad, ha de potenciar, siquiera sea indirectamente, sus actividades, relajando el control sobre las mismas, y ha de asumir los costes de la libre disponibilidad de la mano de obra. Un derecho penal económico que refleje esa realidad no pude ser agresivo frente a condutas como las crisis fraudulentas de empresa. O, lo que es lo mismo, hará la vista gorda frente a la multiplicación, fraudulenta, del número de desempleados". (152)

O pensamento de TERRADILOS BASSOCO acerca do direito penal da empresa como ramo do direito penal econômico, vem de meados dos anos noventa, quando já escrevia "el Derecho penal de la empresa es rama del Derecho penal económico cuya partida de nacimiento hay que datar a mediados de nuestro siglo. Cierto que el crecimiento económico-financeiro característico del XIX se constituyó en teatro privilegiado de operaciones ilícitas que algunos novelistas diseccionaron genialmente, hasta el punto de que se ha podido decir que Balzac es un especialista de la quiebra, como lo es Zola de la especulación. Pero verdaderamente no habrá una tentativa de sistematización del estudio de la delinquencia socio-económica, y de su regulación específica, mas que una vez entrado el siglo XX". (153) Os estudos de TERRADILLOS BASOCO têm inspiração e segue os temas apontados e sugeridos por ASTOLFO DI AMATO, (154) em obra clássica da literatura jurídico-penal italiana, em que o pensador italiano procura realizar uma delimitação do que possa ser entendido como um Direito Penal da Empresa.

TERRADILLOS BASOCO fornece uma máxima abrangência ao Direito Penal Econômico (como criminalidade de empresa), que enfeixa uma categoria de delitos determinada pela natureza do estatuto social da empresa (crimes: societário e falimentar) e outros que são determinados pela natureza das atividades econômicas perpetradas pela empresa. Estes poderão ser delitos contra sujeitos econômicos (crimes contra a propriedade industrial/intelectual, concorrência desleal, consumidor, relações de trabalho, livre concorrência e os crimes ambientais), ou, de outra banda, crimes cometidos contra Instituições (crimes financeiros, tributários e, eventualmente, contra a administração pública).

A exigência da tese de TERRADILLOS BASOCO é a de que ela reúne uma série de categorias de bens jurídicos que se faz necessário uma análise integrativa, realizando uma negação da análise produzida de modo desvinculado, qual fossem situações estanques, desplugadas de um macro-sistema político, ideológico, social e econômico determinante de um particular modelo de intervenção sobre o indivíduo, a pena criminal. Ocorre que a criminalidade individual (na sujeição ativa e/ou passiva) é muito mais severamente reprimida do que a de índole econômica (onde existe necessariamente uma sujeição passiva coletiva e uma eventual despersonalização individual no pólo ativo), o que, por certo aponta para a existência dos grandes paradoxos do direito punitivo.


1.5 Considerações conclusivas

O Direito Econômico e o conseqüente Direito Penal Econômico da era pós-moderna e contemporânea de final de século e começo de novo milênio, representa algo totalmente diferente daquele fenômeno surgido no início do século XX objeto de estudos dos filósofos alemães. O que antes era possível, atualmente já não o é mais, o propósito de estabelecer um conceito imutável seja do Direito Econômico ou do Direito Penal Econômico é algo realistamente não recomendável. O que antes não se admitia, como uma propositura de autonomia da ciência penal econômica, hoje é pauta de discussão acadêmica e doutrinária, como também representa preocupação da formulação político-criminal e da dogmática jurídico-penal. E mais do que nunca, identifica-se um déficit de investigação criminológica (inter) nacional do fenômeno penal econômico, que o mantém ligado a terminologias vazias como: direito penal do mundo dos negócios, criminalidade empresarial, criminalidade econômica, criminalidade moderna, criminalidade organizada, criminalidade de empresa, a criminalidade do White collar etc.

A sua identificação remota, com o surgimento do que ficou conhecido como sendo Direito Penal extravagante, acessório ou secundário, que também é chamado de direito penal administrativo, não comporta mais tal conceituação numa visão global do Direito Penal Econômico, corroborando a idéia de EDUARDO CAVALCANTI, a problemática do fenômeno penal econômico não pode ser submetida a uma análise divorciada dos demais temas jurídico-penais de relevante conflagração, que estabelecem atualmente pontos fundamentais de discordância entre o Direito Penal Clássico e o Direito Penal Econômico, não é admissível um exame desprovido do ambiente contextual, sobretudo das condições culturais e sociais.

A problemática do fenômeno penal econômico, assim como da sociedade moderna é de extrema complexidade. Pois, por primeiro, requer-se a constatação de uma existente não-subordinação da política criminal frente à dogmática jurídico-penal. Como sustentado por FIGUEIREDO DIAS, a primeira sendo vista como a ciência que delimitou seu objeto a partir do que já foi especificado pelo Direito Penal, gozando, portanto, atualmente de uma posição de autonomia e transcendência em relação ao domínio jurídico-criminalmente relevante. Na atualidade o que se tem é uma relação de igualdade (política criminal e dogmática jurídico-penal) de importância para a ciência penal, cada uma com a sua tarefa peculiar, mas associativa; por segundo, daí resultar um retrato dos tópicos filosófico-jurídicos do Direito Penal Moderno (EDUARDO CAVALCANTI). Tal relação de igualdade fazendo exteriorizar os pontos fundamentais do Direito Penal a partir da Modernidade. Torna-se um processo evolutivo, já que se identifica uma relação genética entre Modernidade e Pós-Modernidade.

A Pós-Modernidade exercendo influência direta sobre o Direito Penal Econômico, num destaque da maneira pela qual esse novo paradigma filosófico atinge as nuanças conflituosas (sistemas: clássico e moderno), desse fenômeno que tem sido denominado de ramo específico do Direito Penal, precipuamente daquelas questões destacadas da dogmática jurídico-penal. O que faz amarrar um ponto de fundamental importância identificado nas relações intrínsecas (criminologia, política criminal e dogmática jurídico-penal) entre Modernidade e Direito Penal Econômico, com a conseqüente identificação do surgimento do Tecnicismo Jurídico.

Todo esse arcabouço faz determinar a importância do Direito Penal Econômico na nova era, impõe à doutrina e à legislação um reexame constante e periódico (geralmente voltado para a ampliação) do seu conceito; provocou o surgimento da terceira geração de bens jurídicos, não mais individual ou social, mas coletivo e difuso; acrescentou contributos de fundamentação aos aspectos de constitucionalidade das espécies delituosas de perigo, mais precisamente dos delitos de perigo abstrato; faz determinar de uma vez por todas o Direito Penal Econômico como objeto de investigação interdisciplinar, envolvendo criminologia, dogmática e sociologia-jurídica.

Os instrumentos fornecidos pelo Direito Penal Clássico – para um combate à criminalidade moderna –, são identificados e demonstram um verdadeiro estado de hipertrofia, o que provoca uma preocupação por parte das instâncias operacionais (agências policiais, advocacia, magistério jurídico, ministério público, magistratura etc.) do Direito Penal. Surge, então, uma visão do Direito Penal Econômico no campo da realidade estatal e econômica do mundo globalizado, enxergando sua problemática (sistema dualista) residindo seja na autonomia ou nas possibilidades de conversações, que têm recebido da doutrina às terminologias de: expansão sem freios da intervenção penal (GIORGIO MARINUCCI e EMILIO DOLCINI e KLAUS LUDERSSEN); expansão moderada da intervenção penal (SILVA SÁNCHEZ), função exclusiva de proteção subsidiária aos bens jurídicos fundamentais e defesa dos direitos, liberdades e garantias das pessoas (FÉLIZ HERZOG, HASSEMER e FIGUEIREDO DIAS), ou ainda a chamada ordenação social imbuída em garantir a paz, a continuação da existência humana e a conservação da liberdade (CLAUS ROXIN). O posicionamento adotado no presente trabalho dissertativo, como iniciação de uma construção teórico-doutrinária, foi o do entendimento do Direito Penal Econômico como disciplina autônoma.

Procurou-se, objetiva e especificamente demonstrar de forma doutrinária a autonomia do Direito Penal Econômico, com a estipulação de pontos teóricos fundamentais como: a demonstração da racionalidade da Teoria do Direito Penal Econômico numa comprovação de sua indispensabilidade para o sistema legislativo global, determinando a separação definitiva entre Direito Penal Econômico e Direito Penal Clássico, a emissão de uma Carta de Alforria para o Direito Penal Econômico, seja pelo bem jurídico protegido, seja pelas estruturas internas, seja pelos desideratos penais tradicionais de prevenção e repressão; a demonstração da especial legalidade dos delitos econômicos numa diferenciação irrefutável com os delitos clássicos, envolvendo aceitação das normas penais em branco, interpretação analógica, ruptura do princípio da taxatividade, qualidade de bem jurídico tutelado etc.; uma definição das estruturas clássicas do Direito Penal em seu novo perfil, no estabelecimento de um conceito dinâmico, atual e próprio para legalidade, tipicidade, ilicitude, culpabilidade, concurso de pessoas, penas e seus substitutivos.

A comprovação é a de que não existe mais um Direito Penal Econômico nacional, num momento de desenvolvimento e expansão de um poder planetário (ZAFFARONI), fundado nos objetivos da globalização econômica, constata-se que a existência do Direito penal Econômico é internacional, a criminalidade econômica não enxerga fronteiras. A demonstração é a da ausência de um exame criminológico (inter) nacional, de uma política criminal e sua conseqüente dogmática jurídico-penal no sentido da criação de um sistema penal econômico organizado e de caráter transnacional, que fez do século XX o século do crime (JOSÉ ARBEX JR. e CLAUDIO JULIO TOGNOLLI) econômico, o inevitável reconhecimento da existência de uma globalização do crime (JEFFREY ROBINSON) econômico. Surgindo, como desafio a criação de um sistema penal econômico constitucional fundado na Constituição do Estado, e a criação de organismos internacionais com base na universalidade da jurisdição

O Direito Penal Econômico diante do processo de globalização da economia e da formação dos blocos de integração regional, obriga à identificação de uma aproximação ou contaminação dos sistemas jurídicos. É o caso do embate clássico travado entre os princípios societas delinquere non potest e societas delinquere potest, que envolve a responsabilidade penal dos entes coletivos representando tema polêmico na doutrina e no ordenamento jurídico pátrios. Representa uma tradição do direito anglo-saxão e do sistema do common law, que se espalha pelos sistemas ocidentais de forma a representar uma necessidade irrenunciável para os próximos decênios de anos.

Em outras palavras, quer significar o Direito Penal Econômico como Direito Penal da Empresa delimitado (ASTOLFO DI AMATO e TERRADILLOS BASOCO), representando passo fundamental para a criação do sistema penal econômico constitucional nos países ocidentais. Aqui, pode-se identificar perfeitamente os dogmas do sistema penal clássico na visão do garantismo de que não existe um ius puniendi (LUIGI FERRAJOLI e VICENTE GRECO FILHO), tratando-se de um dever do Estado reparar a situação originária, que não reconhece uma teoria para o Direito Penal Econômico e outra para o Direito Penal Clássico, começando pela admissão ou não da responsabilidade penal da pessoa jurídica; o enfoque da responsabilidade penal: objetiva e subjetiva; a utilização ou não da imputação objetiva num âmbito extremamente propício etc. .

A sociedade do terceiro milênio, é uma sociedade de riscos acentuados (NIKLAS LUHMANN, ANTHONY GIDDENS, ULRICH BECK e JEAN GIMPEL), representada pela insegurança jurídica extremada, pela composição de sujeitos passivos (SILVA SÁNCHEZ), pela inevitabilidade do processo de globalização da economia na formação dos blocos regionais. É uma sociedade da integração supranacional, inaugura a era da incerteza (KENNETH GALBRATH, ERIC ROBSBAWN e ILYA PRIGOGINE), da minimização dos deveres do Estado e do fim da soberania na formulação clássica do conceito. Mas também, presencia a sua subdivisão no embate entre civilização capitalista versus civilização comunitária, que quer representar os modelos de sociedade fechada (capitalista) e sociedade aberta (comunitária) (KONDER COMPARATO), sendo que os modelos são incompatíveis.

Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. O Direito Penal Econômico como Direito Penal da Empresa.: O dualismo jurídico-criminal: "societas delinquere non potest" vs. "societas delinquere potest". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 608, 8 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6415. Acesso em: 23 nov. 2024.

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