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Guarda Compartilhada

uma utopia do direito brasileiro

Agenda 15/02/2018 às 18:53

“Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.”

Por Ricardo Jorge Gueiros Cavalcante Júnior

Segundo o IBGE, nos últimos dez anos, o número de divórcios aumentou 160%. Com ele, aumentaram também as disputas patrimoniais e as disputas pela guarda dos filhos menores. O legislador, então, fez introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a LEI Nº 13.058 de 2014, que introduz a guarda compartilhada.

É certo que é complexa a definição de guarda de menor impúbere, pois é fato que, para a formação da personalidade da criança, esta deve conviver com ambos os genitores de forma igualitária para que ambos participem integralmente de sua educação. Seguindo esta lógica, o legislador fez constar no ordenamento jurídico a lei 13.058 de 2014, também conhecida como lei da guarda compartilhada, a qual alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da lei 10.406 Código Civil Brasileiro.

Uma vez consagrado o instituto da guarda compartilhada, o legislador fez constar no parágrafo 3º do artigo 1.583 do Código Civil brasileiro os seguintes dizeres:

“Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.”

Isto posto, evidenciado está que a residência de um dos genitores será a moradia fixa da criança, suplantando a ideia de que a criança deve residir um período com o pai e outro período com a mãe. A lei 13.058/2014, lei da guarda compartilhada, também alterou o parágrafo 3° do artigo 1.584 do código civil brasileiro, que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.”

Mais uma vez, o transcrito acima nos leva a concluir que o fato de existir a guarda compartilhada não quer dizer que o período de convivência da criança com o pai e a mãe será equivalente, pois o instituto da guarda compartilhada busca sempre o bem-estar do menor. Logo, se a convivência materna proporcionar maior bem-estar à criança, esta terá maior tempo com a mesma e vice-versa.

Feitas estas considerações, inequívoca está a vontade do legislador ao definir que, na guarda compartilhada, sempre irá predominar o interesse da criança, bem como que a mesma possa conviver com sua genitora e seu genitor. Contudo, conforme já foi dito, deve ter determinada sua moradia, que será na casa de um dos genitores e não de ambos, para que sirva de referência para a criança.

O consagrado lente Paulo Lôbo, em sua obra “Direito Civil: Famílias” (4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 200), antes mesmo da promulgação da lei 13.058 de 2014, já lecionava a respeito do instituto da guarda compartilhada, lê-se:

“(…) A guarda compartilhada assegura a preservação da coparentalidade e corresponsavilidade em relação ao filho, que tem direito de conviver e ser formado por ambos os pais com igualdade de condições.

Na guarda compartilhada é definida a residência de um dos pais, onde viverá ou permanecerá. Essa providência é importante, para garantir-lhe a referência de um lar, para suas relações de vida, ainda que tenha liberdade de frequentar a do outro; ou mesmo de viver alternadamente em uma e outra. A experiência tem demonstrado que a perda de referência da residência, para si mesmo e para os outros, compromete a estabilidade emocional do filho. O que se espera dos pais é a responsabilidade em encontrar o ponto de equilíbrio entre o direito-dever de convivência e a relação de pertencimento a um lugar, que integra a vida de toda pessoa humana; ou dom juiz, quando os pais não se entenderem.

Aguarda compartilhada tem por finalidade essencial a igualdade na decisão em relação ao filho ou corresponsabilidade, em todas as situações existenciais e patrimoniais. (…).”

Deve ser dito que, por ser extremamente ofensiva à criança, a guarda alternada é repudiada com veemência pela majoritária doutrina e pela jurisprudência dominante e não pode ser confundida com a guarda compartilhada. Mônica Guazzelli, advogada e mestre em Direito de família, em seu artigo “A Nova Lei da Guarda Compartilhada”, publicado na Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões nº 4 – Jan/Fev de 2015 (http://www.editoramagister.com/), bem diferencia a guarda compartilhada da guarda alternada, lê-se:

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“Para que seja possível tratar da matéria proposta, é preciso conceituar guarda compartilhada. Guarda significa vigilância, defesa, proteção, zelo, e o direito indica que essa função pode ser desdobrada sob o ponto de vista fático (físico) e jurídico.

Cumpre, desde logo, afastar do conceito a ideia de guarda alternada, muitas vezes ainda confundida com aquela. Na guarda alternada, os pais terão a guarda (fática e jurídica) da criança/adolescente alternadamente, isto é, o filho fica sob a custódia de um dos pais por determinado período e depois sob a custódia do outro, o que representa uma guarda exclusiva, mas alternada. Essa possibilidade é deveras criticada por não dar uma solidez maior à formação da criança, que poderia ficar confusa com essa alternância, sobretudo imaginando-se a provável alternância de rotinas e costumes de cada uma das entidades familiares.

Na compartilhada, a guarda jurídica é de ambos os genitores, podendo a guarda física ser alternada. Todavia, isso não significa que a criança terá de residir com um e com o outro genitor, podendo morar apenas com um deles, onde será sua residência habitual, mas convivendo com o outro de forma ampla e mais assídua do que o “direito de visitas” geralmente estabelece. (…)”

Já a jurisprudência comunga com o entendimento doutrinário também sustentado nestas singelas lições, como pode ser lido abaixo:

“47065469 – APELAÇÃO CÍVEL ¬ GUARDA DE FILHO MENOR ¬ ALTERNÂNCIA DO TEMPO E DO ESPAÇO FÍSICO – IMPOSSIBILIDADE ¬ RECURSO PROVIDO. 1. Aguarda compartilhada não se confunde com a alternada. Pela primeira, entende¬se o compartilhamento da responsabilidade de ambos os pais para com o filho, implicando na contribuição justa na educação, formação, saúde moral e espiritual da criança, em caso de ruptura da sociedade conjugal. 2. Com efeito, o instituto é plenamente aceito na doutrina e jurisprudência pátria e deve ser visto como um ideal a ser buscado quando do rompimento do vínculo matrimonial. 3. Já a guarda alternadacaracteriza¬se quando há tão somente revezamento no tempo e espaço físico com a criança, onde em um momento o menor está com o pai e em outro na companhia da mãe. E é justamente desta forma que se apresenta a sentença vergastada. 4. Ocorre que a alternância da guarda não vem sendo aceita pelos tribunais, sobretudo por que causa enormes prejuízos aos filhos do ponto de vista referencial e de formação, tendo em vista que suprime referências básicas sobre a moradia, hábitos alimentares e outros, comprometendo a estabilidade emocional e física. 5. Apelo conhecido e provido. (TJCE; AC 0055285¬21.2009.8.06.0001; Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Carlos Alberto Mendes Forte; DJCE 04/06/2012; Pág. 46) (http://www.editoramagister.com/).

TJMG-223680) FAMÍLIA – APELAÇÃO – AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE GUARDA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – GUARDA COMPARTILHADA – AUSÊNCIA DE ACORDO ENTRE OS PAIS – INVIABILIDADE – PERMANÊNCIA ALTERNADA DO MENOR COM SEUS GENITORES – GUARDA ALTERNADA – IMPOSSIBILIDADE. Não há cogitar de cerceamento de defesa quando a prova cuja produção foi requerida pela parte é irrelevante para o deslinde da quaestio, cabendo ao magistrado indeferir a realização de diligências inúteis e/ou protelatórias. Na guarda compartilhada, os pais regem, em conjunto, a vida da prole, tomando as decisões necessárias à sua educação e criação, razão pela qual não pode ser imposta judicialmente, já que seu funcionamento depende diretamente da convivência harmônica entre os genitores. A alternância da posse física do menor entre os genitores, sendo aquele submetido ora aos cuidados do pai, ora da mãe, configura guarda alternada, repudiada pela doutrina e pela jurisprudência. (Apelação Cível nº 1460806-78.2008.8.13.0525, 3ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Dídimo Inocêncio de Paula. j. 25.02.2010, unânime, Publ. 16.03.2010).

94384829 – APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITA. PEDIDO DE “GUARDA ALTERNADA”. INCOVENIÊNCIA. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DAS CRIANÇAS. GUARDA COMPARTILHADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE HARMONIA E RESPEITO ENTRE OS PAIS. ALIMENTOS. FIXAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. Capacidade do alimentante e necessidade do alimentado a guarda em que os pais alternam períodos exclusivos de poder parental sobre o filho, por tempo preestabelecido, mediante, inclusive, revezamento de lares, sem qualquer cooperação ou co-responsabilidade, consiste, em verdade, em ‘guarda alternada’, indesejável e inconveniente, à luz do princípio do melhor interesse da criança. A guarda compartilhada é a medida mais adequada para proteger os interesses da menor somente nas hipóteses em que os pais apresentam boa convivência, marcada por harmonia e respeito. Para a fixação de alimentos, o magistrado deve avaliar os requisitos estabelecidos pela Lei, considerando-se a proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a possibilidade de pagamento pelo requerido a fim de estabilizar as micro relações sociais. (TJMG; APCV 1.0056.09.208739-6/002; Rel. Des. Fernando Caldeira Brant; Julg. 19/12/2013; DJEMG 09/01/2014) (http://www.plenum.com.br/).”

Dando mais ênfase ao caso concreto, se vê que a formação cultural existente na sociedade brasileira não corrobora com o instituto da guarda compartilhada, uma vez que de forma equivocada, porém bem real, alguns genitores usam a criança um contra o outro, muitas vezes cometendo até crime de alienação parental, previsto na lei nº 12.318/2010. Também se vê com frequência que alguns genitores almejam a conquista da guarda compartilhada para se esquivar de pagar os alimentos, porém é claro que a guarda compartilhada não se presta para este fim. Via de regra, a justiça vem adotando como moradia do filho a residência da genitora, obrigando, deste modo, o genitor a pensionar o menor.

Outro problema bastante complexo que está presente no instituto da guarda compartilhada é quando os genitores residem em cidades e/ou estados diferentes. Nestes casos, o menor tem de estar matriculado em escola regular, portanto, jamais poderá passar igual período de tempo com ambos os genitores. Daí então, deve o juiz, caso os genitores não entrem em acordo, o que seria mais viável, definir o período de tempo que o menor passaria com cada um dos genitores e as despesas com a locomoção da criança. Neste caso específico, a guarda compartilhada prepondera apenas na teoria, pois na prática, o que se vê é a guarda unilateral.

Concluo dizendo que, no contexto social brasileiro, a guarda compartilhada jamais será exercida plenamente, sendo mera utopia. Por isso, advogo no sentido de que, nas ações de divórcio onde não haja acordo quanto à guarda dos filhos, seja definida pelo juiz a guarda unilateral da criança, sempre observando o bem-estar desta. Ao genitor não que detém a guarda, seja-lhe conferido o mais amplo direito de visita, desde que em horários convenientes, e também o direito de passar finais de semanas e datas comemorativas de forma alternada, com base em pareceres psicossociais, caso não haja acordo entre os genitores. Tudo isso pensando no bem-estar do menor, que está sendo formado quando ao seu caráter, personalidade e educação; e para harmonizar a convivência maternal e paternal da criança, trazendo para ela a ideia de ente familiar.

Sobre o autor
Ricardo Jorge Gueiros Cavalcante Júnior

Professor Universitário e Advogado especializado em Direito Civil com Curso em Mercado Financeiro pela Universidade de Minas Gerais. Assessor do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD) da UFPE.

Informações sobre o texto

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