“À sombra da ditadura”, o governo federal decreta intervenção federal no Rio de Janeiro . Esta é uma interpretação racional, ocasionada pela “medida extrema” de intervenção, praticamente, militar no Rio de Janeiro.
A diferença da fase anterior, dado que os militares lá já estavam, é que ontem cumpriam uma GLO (Garantia de Lei e Ordem). Mas, sob o comando civil na pasta da segurança pública. Hoje, os mesmos militares obedecem a si mesmos.
Os civis foram afastados do comando da segurança pública e o governador perdeu todo o poder de comando sobre as tropas. Ou seja, trata-se efetivamente de intervenção militar, ainda que ocorra em um único Estado da Federação e incida num aspecto específico da administração pública. Em palavras diretas, quem manda na (in)segurança do Rio agora são os militares – e todas as polícias subordinam-se ao comando do exército. O que é temerário demais, porque militar é feito para matar.
É uma medida de exceção porque assim a Constituição define: Estado de Sítio, Estado de Defesa, intervenção. A diferença de uma intervenção militar estrito senso, isto é, em golpe militar como o de 1964 , é que, desde 1988, a Constituição estabelece regras específicas para o seu cumprimento: tempo de duração, especificação de tarefas a serem cumpridas e proibição de se emendar a Constituição neste período.
Até aí tudo bem – ou quase, porque o descalabro do Estado do Rio de Janeiro é a antevéspera da “mexicanização”: com o poder dos carteis criminosos domando o país (com ou sem colarinho) . Porém, o intuito não é enfrentar o problema da insegurança pública, se fosse haveria ação concreta em Manaus, no Ceará, Rio Grande do Norte, São Paulo e outros. Por isso, a mexicanização, o México é o Brasil amanhã, continua sem resposta ou iniciativa decente . E a situação fica ainda mais temerária porque o povo pode pensar que os militares cumprem bem seu papel.
Mas, também é um jogo. Desconfie. Porque, às vésperas da votação da reforma da previdência no plenário da Câmara Federal, o governo temerário da derrota toma medidas propícias de exceção, malversadas desde 2016. O que sabe o governo e nós também é que, mediante a intervenção federal em qualquer de seus Estados-Membros não pode haver emenda da Constituição (art, 60).
Então, temerário da derrota em não entregar o pacote todo ao mercado – reformas trabalhista e previdenciária –, o governo aguardou a véspera de sua derrota para decretar a medida de exceção. A desculpa será a própria Constituição, que sempre se desobrigaram de seguir. Esse é o jogo de xadrez, na verdade, um jogo se cena.
O fato real é que o descalabro social não é negociável por fuzis, a não ser os fuzis do tráfico . Os fuzis do exército lá já estavam e lá permanecerão. Terão mais autonomia, até mesmo para matar civis e responder em cortes militares, mas...
É improvável – sob um governo que impõe medidas e reformas cada vez mais temerárias e agressivas contra pobres e trabalhadores – que saia algo de bom desse atropelo. Atropelado está o povo, a Constituição, a democracia, a dignidade de cada pessoa que não se locuplete com os interesses escusos do tal “mercado”.
O que é o mercado?
É uma soma porosa e perversa entre capital financeiro – bancos, agências de crédito e rentistas: especuladores que nunca plantaram uma semente – e a elite oligárquica mais atrasada possível. Ainda sonhadora dos tempos de Navio Negreiro. Contudo, é uma fumaça, porque a insegurança não se resolve com a força; mas sim com a inteligência de se investir em ética na administração pública, saúde, educação, geração de empregos. Por isso, o momento é muito temerário.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Nesta sombra não há alívio.
Vinício Carrilho Martinez
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
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