6 DA JURISPRUDÊNCIA E DA HERMENÊUTICA.
6.1 A POSIÇÃO DO STF
O Supremo Tribunal Federal, talvez até mesmo em virtude da posição restritiva – e porque não dizer egocêntrica - que sempre adotou em relação aos embargos de divergência (item "3.1"), tem aplicado de forma indiscriminada a súmula 599/STF, negando seguimento ao recurso que pretenda impugnar acórdão cuja origem seja o julgamento de agravo interno.
De ressaltar que este entendimento vem se mantendo inalterado há décadas, mesmo o ordenamento jurídico tendo passado, neste interstício, por inúmeras e gigantescas alterações.
Aduz o Pretório Excelso que o texto de lei (arts. 546 e 496, ambos do CPC) é claro e inconteste quanto a esta impossibilidade, não se podendo aferir interpretação extensiva, sobretudo após a edição da lei 8950/94, a qual somente autorizaria a interposição de embargos de divergência em julgamento de recurso especial ou de recurso extraordinário.
Nesse sentido, confira-se excerto do Informativo do STF de número 305, referente à semana compreendida entre 21 a 25 de abril de 2003:
RE (AgR-EDv-ED-ED-AgR) N. 186.197-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO REGIMENTAL. CABIMENTO. FALECIMENTO DA PARTE. COMUNICAÇÃO TARDIA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal continua firme no sentido de considerar em plena vigência a Súmula STF nº 599, segundo a qual são incabíveis embargos de divergência de decisão de Turma, em agravo regimental, especialmente em face do artigo 546, II, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 8.950/94
(...)
6. Agravos regimentais improvidos.
In http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info305.asp acessado em 24.1.2004.
Todavia, nem sempre se mostrou tão "firme" esta jurisprudência do STF.
Em julgamento datado de 15.10.1969 (portanto antes da edição da súmula 599/STF), o Pretório Excelso, embora tivesse se posicionado pela inadmissão dos embargos de divergência em agravo "regimental", acabou por vislumbrar imperfeições na utilização desta "tese". Senão, veja-se o vetusto aresto:
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 44.447 – GUANABARA
EMENTA – Embargos de divergência. Não cabem da decisão de turma que nega provimento ao agravo regimental do despacho do Relator, que determina o arquivamento.
Exegese do art. 15 da Emenda Regimental de 10.2.1969.
Votos vencidos. Embargos não conhecidos.
(...)
VOTO
O SR. MINISTRO AMARAL SANTOS (RELATOR): Negando provimento ao agravo regimental e confirmando o despacho que mandara arquivar o agravo de instrumento, confirmou o acórdão embargado o despacho que não admitira o recurso extraordinário interposto com fundamento nas letras a e c do permissivo constitucional. (...) Manifesta a divergência, pelo que conheço dos embargos. E os recebo(...).
VOTO SÔBRE PRELIMINAR
O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES: Senhor Presidente, data venia do eminente Relator, não conheço dos embargos. Foram opostos contra julgado proferido em Agravo Regimental. E o art. 16 da Emenda Regimental de 10 de fevereiro último não os autoriza. Dispõe ele: "Caberão embargos à decisão de Turma que, em recurso extraordinário ou agravo de instrumento, divergir de julgado de outra turma, ou do plenário na interpretação do direito Federal".
Êste pleno já decidiu, pelo menos duas vêzes, e por unanimidade. Data venia do eminente Relator, não conheço dos embargos.
O SR. MINISTRO AMARAL SANTOS (Relator): Concordaria com V.Exa. se não considerássemos que o agravo regimental nada mais é que o prosseguimento da decisão no agravo de instrumento. Pelo agravo regimental, o interessado que se submeta ao julgamento da Turma o agravo de instrumento arquivado pelo Relator. De modo que admito, em tese, os embargos no agravo regimental. Êste caso é mais grave. (...) Achei uma injustiça muito grande, forte demais para deixar de conhecer e dar provimento. Essa a razão pela qual, ainda uma vez, retorno a afirmar: o agravo regimental nada mais é do que o prosseguimento da decisão do agravo de instrumento e, no caso, deverá ser conhecido e, até mesmo, provido, para fazer justiça que foi negada.
O SR. MINISTRO ADAUCTO CARDOSO: V. Exa. permite uma interrupção? Atente V.Exa. para o perigo do precedente.
O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES: É o meu ponto de vista.
O SR. MINISTRO ADAUCTO CARDOSO: Se entendermos nesse caso que há divergência, autorizaremos todos aquêles que interpõem recurso pela letra a e que têm seus agravos arquivados a virem até o plenário do Supremo Tribunal Federal, a fim de vindicarem o reconhecimento da divergência.
O SR. MINISTRO LUIZ GALLOTTI: Normalmente, agravo regimental seria agravo regimental. Mas criou-se essa situação em que o Relator pode arquivar um agravo de instrumento. Êle o julga sozinho. Dêsse seu despacho, cabe um agravo regimental sui generis para a Turma. Que se está julgando aí? É o agravo de instrumento.
O SR. MINISTRO ADAUCTO CARDOSO: Não há dúvida.
(...)
O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES: É mister considerar o procedente que estamos abrindo.
O SR. MINISTRO AMARAL SANTOS (Relator): Não podemos fazer injustiça.
O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES: Algo terá de ficar sacrificado.
O SR. MINISTRO AMARAL SANTOS (Relator): O juiz sempre procura ver se houve êrro clamoroso. Na hipótese, houve.
O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES: V. Exa., que é processualista emérito, sabe que o recurso é forma de realização do direito. Mas não pode ser esquecido...
O SR. MINISTRO LUIZ GALLOTTI: Achar um acórdão divergente é difícil.
O SR. MINISTRO ALIOMAR BALEEIRO: Mas a questão é que, para dizermos que não há acórdão divergente, levaremos horas de trabalho. Um mínimo de injustiça é inevitável em tôdas as instituições humanas, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES: Senhor Presidente. É de louvar-se a intenção do eminente Relator de fazer justiça, reparando um êrro. O que não me parece certo, notadamente para S. Exa., mestre de Direito Processual, é que possamos aqui, considerando, um caso, uma injustiça, admitir uma nova forma recursal não reconhecida no Regimento Interno, e que assim foi considerada mais de uma vez. Data venia, não conheço dos embargos.
VOTO S/ PRELIMINAR
O SR. MINISTRO DJACI FALCÃO: Peço vênia ao eminente Relator para acompanhar o Ministro Thompson Flores. Não vejo como se admitir embargos de divergência em agravo regimental, em face do que dispõe a emenda regimental de fevereiro último, em seu art. 16.
VOTO (S/PRELIMINAR)
O SR. MINISTRO ELOY DA ROCHA: (...) Quando se submete o recurso extraordinário à Turma, por via de agravo regimental, a decisão não é diferente da proferida quando se apresenta à Mesa, originariamente, o recurso.
O SR. MINISTRO THOMPSON FLÔRES: É diferente.
O SR. MINISTRO ELOY DA ROCHA: A decisão que a Turma profere não é diversa, nos casos em que o recurso lhe é submetido, originariamente, pelo Relator, ou mediante agravo regimental.
O SR. MINISTRO THOMPSON FLÔRES: Mas êsses casos que V.Exa. leva à turma não têm nenhuma probabilidade de ser providos. São casos de súmula.
O SR. MINISTRO ELOY DA ROCHA: Data venia dos votos em contrário, acompanho o eminente Ministro Amaral Santos.
VOTO (PEDIDO DE VISTA)
O SR. MINISTRO ADALÍCIO NOGUEIRA: (...) Pedi vista aos autos. Entendo que os presentes embargos de divergência não encontram amparo no art. 16 da Emenda Regimental de 10.2.69. Êste alude a tais embargos em recurso extraordinário ou agravo de instrumento. Cuida-se, aqui, de agravo regimental. E os recursos devem ser considerados sob o ângulo apertado do direito estrito. Não podem sofrer interpretação ampliativa.
O eminente Ministro Amaral Santos raciocina no sentido de que o "agravo regimental nada mais é do que o prosseguimento da decisão no agravo de instrumento, uma renovação do pedido contido no agravo de instrumento, que foi arquivado pelo relator".
Não nos esqueçamos, porém, de que agravo de instrumento e agravo regimental são duas coisas diversas. Êste último é um recurso nôvo, que não pode sujeitar-se às normas do primeiro e a decisão que lhe põe têrmo não é expressamente embargável, na forma da Emenda Regimental apontada. Esta só se refere a agravo de instrumento.
Assim, data venia do eminente relator e dos preclaros colegas, que o acompanham, não conheço dos embargos, nos têrmos do voto do eminente Ministro Thompson Flôres e dos que o seguiram.(...)
O SR. MINISTRO LUIZ GALLOTTI: Penso que cabem os embargos.
O SR. MINISTRO ADAUCTO CARDOSO: Meu voto, data venia, é de acôrdo, com a maioria, no sentido de não conhecer dos embargos.
(destaques acrescentados).
Apesar disso, atualmente, como visto, o STF vem abraçando o entendimento preceituado pela súmula 599/STF, muito embora alguns de seus componentes (notadamente os Ministros Marco Aurélio Melo e Sepúlveda Pertence) já tenham se manifestado contrariamente, de certa forma, a esta orientação jurisprudencial [67].
Todavia, permanece o "guardião da Constituição Federal" no sentido de não aceitar os embargos de divergência em agravo interno sob o fundamento de que se a lei não admitiu tal hipótese, seria defeso à jurisprudência abarcá-la, sob pena de ofensa ao devido processo legal e ao princípio da unirrecorribilidade.
Além disso, alega o Pretório Excelso que fosse a intenção do legislador a permissão da interposição de embargos de divergência em agravo interno, teria ele expressamente se manifestado em algumas das inúmeras mudanças que vem empreendendo no Código de Processo Civil. Como não o fez, proibida qualquer interpretação em contrário.
Nesse sentido, embora dispensável, ratifique-se:
AI 329921 AgR-ED-EDv-AgR / MG - MINAS GERAIS
AG.REG.NOS EMB.DIV.NOS EMB.DECL.NO AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 1º/04/2004
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ DATA-07-05-2004
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO REGIMENTAL. NÃO-CABIMENTO. SÚMULA 599-STF.
I - O Plenário desta Corte tem reiterado o entendimento no sentido da validade da Súmula 599-STF, segundo a qual são incabíveis embargos de divergência em agravo regimental, principalmente após a nova redação conferida pela Lei 8.950/94 ao art. 546, II, do CPC.
II - Agravo não provido". (destaques acrescentados).
Como visto, segue a Corte Suprema aplicando, de forma irrestrita, o teor da sua orientação jurisprudencial n.º 599.
6.2 A POSIÇÃO DO STJ E DE PARTE DO STF
O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, arrimado na nobre função de guardião da legislação infra-constitucional, vem adotando posição diametralmente oposta da esposada pelo Supremo Tribunal Federal.
Desde dezembro de 1998, tendo em vista as alterações do CPC adrede mencionadas, o STJ tem admitido um certo temperamento na aplicação da súmula 599/STF nos casos em que no julgamento do agravo interno se decida questão meritória.
Nesse sentido, veja-se:
A primeira questão diz com o cabimento dos embargos de divergência opostos à decisão proferida pelo Min. Relator (art. 557, § 1º, do CPC). A decisão monocrática lançada nos termos do mencionado dispositivo substitui o julgamento da Turma que seria proferido no recurso especial, e por aí se poderia chegar à conclusão de que a parte pode, desde logo, ingressar com recurso de embargos contra a decisão do Relator, substitutiva da decisão da Turma. Ocorre que o § 1º-A do art. 557 estabelece que dessa decisão do Relator, proferida nos termos do § 1º do mesmo artigo, caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, no caso a Egrégia Terceira Turma. Com isso, nos termos dessa legislação, o recurso cabível da decisão do Relator é o agravo dirigido à Turma, com possibilidade de retrato. Do julgamento proferido pelo órgão colegiado no agravo, então sim haverá uma decisão da Turma, pressuposto estabelecido no art. 546 para a oposição de embargos de divergência. Uma outra questão seria a do cabimento desses embargos contra o acórdão que julgou o agravo regimental, que não é propriamente a decisão em recurso especial a que se refere o art. 546. Esse problema não está posto neste recurso, mas adiante-se que o julgamento do agravo é, na verdade, a manifestação da Turma sobre o recurso especial e, assim, estaria preenchido o requisito para os embargos de divergência. A Corte Especial não conheceu dos embargos". (EREsp 275.039-SP, Rel. Min. Ruy Rosado, julgados em 16/6/2003; sem destaques no original).
In http://www.praetorium.com.br/objects/informativo/54.htm, acessado em 25.02.2004.
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ACÓRDÃO EM AGRAVO INTERNO. CABIMENTO. LEI 9756/98. ENUNCIADO 599/STF. EXEGESE. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTARQUIA. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. ARTS. 475, I E II E 520, V, CPC. EXEGESE. RECURSO DESPROVIDO.
I – Após a edição da lei 9756/98, de 17.12.98, deve ser interpretado modus in rebus o enuciado n. 599 da súmula/STF, uma vez autorizado o relator a decidir monocraticamente o próprio mérito, não sendo razoável, em conseqüência, inadmitir tout court os embargos de divergência somente por tratar-se de decisão proferida em agravo regimental.
II – Se a decisão colegiada proferida no âmbito do agravo interno veio substituir, por um hábil mecanismo legal de agilização de processos nas instâncias extraordinária e especial, a decisão colegiada do recurso especial, e se é do escopo do recurso especial a uniformização interpretativa do direito federal infra-constitucional, a pressupor que tal uniformização comece por se dar no próprio Tribunal que por força de norma constitucional dela se incumbe, razoável a todas as luzes ensejar-se a possibilidade dessa uniformização na hipótese, quer em face do interesse da parte, quer em face do superior interesse público.
III – omissis
IV – omissis"
(ERESp 258.616/PR, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Corte Especial, DJ 12.11.2001) – destaques acrescentados.
Isso porque como a única forma de se obter uma decisão colegiada apta a ensejar embargos de divergência é a interposição do agravo interno, negar que do julgamento deste recurso se origine acórdão hábil a comprovar um dissenso jurisprudencial seria o mesmo que inviabilizar quase que por completo a utilização do recurso de embargos de divergência, tornando-os praticamente inúteis.
Noutro giro: se no julgamento do agravo interno tem-se verdadeira decisão colegiada acerca do recurso anteriormente interposto e, se desta decisão o CPC admite a interposição de embargos de divergência, razoável e pertinente se faz a aceitação dos embargos de divergência em julgamento de agravo interno.
E nem se diga que tal procedimento utilizaria dois recursos para a impugnação de uma mesma decisão (maculando, em tese, o princípio da unirrerribilidade), pois, na verdade, trata-se de duas decisões: uma monocrática, impugnável via agravo interno, e outra colegiada, esta sim recorrida via embargos de divergência.
Também não subsiste a alegação de que a exegese apregoada pelo STJ acabaria por infringir o devido processo legal por conta da inexistência de previsão legal, na medida em que, aqui, deve prevalecer a persecução do escopo maior dos embargos de divergência em detrimento do mero formalismo [68].
Outra crítica à posição do STJ reside na acepção das palavras "decisão" e "acórdão". O CPC, em seu art. 546, faz menção à necessidade de um "acórdão" para a interposição de embargos de divergência, enquanto que, como se sabe, do julgamento de um agravo interno tem-se uma "decisão". Para alguns, então, incabíveis os embargos de divergência em agravo interno porque não estaria cumprido o requisito da existência do "acórdão". No entanto, infrutífera, outrossim, mostra-se esta alegação, consoante se observa das observações de PEREIRA [69]:
(...)À vista primeira, nos lindes processuais preestabelecidos, estreitos e específicos, a alinhada via somente permite divisar a assentada compreensão do incabimento dos referenciados embargos [de divergência] para impugnação de decisão monocrática. Do cimo desses apontamentos, mostra-se correta essa afirmação, plasmada em vetusta interpretação. Mas, ditadas significativas modificações processuais no eito recursal, sob o prisma de regras modificadas, ficou eclipsado o firmamento conhecido anteriormente. De efeito, sob os ventos de reanimadores ordenamentos, na quadra de viabilização processual dos Embargos de Divergência, comporta sopesar o surgimento de novas razões, verificando se persiste a limitação à sua admissão contra especificada decisão do relator. A resposta demanda ligeira rememoração de registros positivados, na linha conceitual dos atos judiciais, observando-se que, por exclusão, salvo os despachos (art. 504, CPC), os demais são ordinariamente recorríveis (art. 162, parágrafos 1º, 2º e 3º; 499, 513, 522 e 539, CPC). Os Recursos Extraordinário e Especial têm previsão constitucional (arts. 102 e 105, CF). Sob o timbre da adiantada afirmação conceitual juspositiva da decisão, reveladora de óbice ao seguimento processual dos multicitados embargos, para vergastá-la, à palma exclusiva do Recurso Especial admitido no primeiro Juízo de verificação, o ato do Relator, escudado no artigo 557, caput e no seu parágrafo 1º, A, CPC, comportará despique na lide da divergência? Dificultando o deslinde da proposição, talhado o provimento como decisão, não constituindo, pois, julgamento de Turma, Seção ou Órgão Especial, como nascente, robustece-se que não se expõe ao crivo dos Embargos de Divergência (art. 546, I, CPC; art. 266, RISTJ). Tanto mais que a decisão pórtico destas considerações pode ser agravada (parágrafo 1º, art. 557, CPC - redação da Lei nº 9.756/98). À vista antiga, andante, o Acórdão formado no julgamento do Agravo é que ensejaria a interposição do Recurso Especial (art. 105, III, a, b, c, CF). Adiante, em tese, abrindo-se ocasião processual para os Embargos de Divergência. PELA RESTRITA VISEIRA DESSAS ANOTAÇÕES, os aludidos embargos não podem ser admitidos, para o reconhecimento do merecimento trilhado na decisão objurgada. Contudo, à luz das alterações noticiadas, o assunto não se exaure nesse epílogo simplista. (...)
CURIAL, POIS, QUE DECISÃO É USADA COMO EXPRESSÃO ABRANGENDO TAMBÉM "A SENTENÇA" E O "ACÓRDÃO". OBVIA-SE QUE DECISÃO, SENTENÇA E ACÓRDÃO PERMEIAM E RESOLVEM QUESTÕES NO PROCESSO EXISTENTE. Acentua-se, ainda, que o CPC, em algumas passagens, fala do despacho, embora o seu conteúdo revele natureza decisória (p. ex., arts. 331 e 1022). (...)
De ressaltar que, nem sempre, a decisão cinge-se à composição incidental interlocutória, podendo ganhar a intensidade ou o efeito de encerramento do processo de conhecimento, concretizando o provimento dispositivo. Em outras palavras, apesar de órfã da forma de sentença ou de acórdão, na perspectiva abordada, [a decisão] tem substancialmente o mesmo conteúdo e iguais conseqüências jurídicas. (...) (destaques acrescentados).
Tamanha é a força da tese defendida pelo Superior Tribunal de Justiça que alguns membros do Pretório Excelso começam a ser por ela seduzidos.
No julgamento dos embargos de divergência no recurso extraordinário 112.146-7/RN, o Ministro Sepúlveda Pertence e, sobretudo, o Ministro Marco Aurélio Melo, começaram a dar sinais de que, embora ainda firme na aplicação irrestrita de sua súmula 599, o STF pode vir a se mostrar sensível – ainda mais com a sua nova composição - às mais modernas tendências do sistema recursal pátrio.
Nesse sentido, confirme-se:
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (...)
Na verdade, sempre me causou perplexidade a tese da súmula 599 (...).
E essa perplexidade sobe de ponto, a cada dia, com a tendência – primeiro do Regimento Interno, a partir da criação da súmula e para hipóteses restritas, mas, depois, por leis sucessivas -, de ampliar o poder individual do Relator. Daí decorrendo que mais freqüente é o julgamento do recurso extraordinário, em agravo, do que como recurso extraordinário propriamente dito.
A súmula 599 é vetusta – já se reafirmou numerosas vezes em Plenário e não pretendo reabrir a discussão, até porque é desnecessária no caso presente. E mais: a lei, de certo modo, reforça, embora me pareça que agravo de instrumento contra decisão que, por exemplo, de acordo com o atual art. 557, dele conhece e dá provimento a recurso extraordinário, é decisão tomada em recurso extraordinário, embora na via sempre acessória do agravo de instrumento(...).
O Tribunal não pode reconhecer que suas decisões em agravo regimental são de segunda classe (...).
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, sempre percebi a atuação de órgão de cúpula como unificada. Confesso a Vossa Excelência que custo a admitir, ante a ordem natural das coisas e sob uma visão acadêmica, estritamente técnica, o Supremo Tribunal Federal dividido em Turmas. Mas assim é, objetivando, acima de tudo, a racionalização dos trabalhos, talvez até, como ocorre nos dias de hoje, uma atividade inerente a uma fábrica, tendo em conta a grande produção.
Senhor Presidente, a divergência que maior perplexidade causa é a interna, é que a que acontece no âmbito de uma mesma corte, considerada a atuação dos órgãos fracionários. Aí, evidentemente, a prevalecer a dissonância, o julgamento ganha um aspecto lotérico conforme seja distribuído o processo a este órgão ou àquele, ter-se-á uma decisão e, após formalizada esta, não se chegará à uniformização de jurisprudência, cujo objetivo precípuo é a preservação da unidade do próprio Direito.
As partes contam com os embargos de divergência, os quais visam a afastar a perplexidade revelada pelo resultado do julgamento de recursos de maneira discrepante, em que pese a identidade dos fatos e das normas de regência do conflito de interesses. (...)
Não interpreto o artigo 546 do Código de Processo Civil – vamos esquecer o artigo 330 do Regimento Interno, porque está suplantado – de modo gramatical, literal, não saindo, como julgador, a bater carimbo. A minha tarefa não é essa. (...)
Senhor Presidente, qual é a razão de ser dos embargos de divergência? Qual o objetivo maior desse recurso, que a mim parece excepcional? É a uniformização da jurisprudência? É evitar a perplexidade que maior descrédito provoca quanto à atuação do Judiciário? (...) O que se exige no artigo 546 é o conflito de teses, porquanto não cabe estabelecer, sob o ângulo da importância, gradação de acórdãos considerado o recurso que o motivou.(...) (destaques acrescentados).
Embora os votos acima transcritos não se refiram diretamente ao tema em comento, percebe-se nas palavras dos eminentes julgadores uma certa tendência em "suavizar" a interpretação anteriormente tida como absoluta, chegando o Min. Sepúlveda Pertence a criticar abertamente a súmula 599/STF ("...a súmula 599 é vetusta – já se reafirmou numerosas vezes em Plenário e não pretendo reabrir a discussão") e, sobretudo, o Min. Marco Aurélio, no julgado abaixo colacionado, a aceitar plenamente a tese defendida pelo STJ. Confirme-se:
18/06/2003 – TRIBUNAL PLENO - AG. REG. NOS EMB. DIV.NOS EMB.DECL. NO AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 238.712-1 SÃO PAULO
VOTO: O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, a referência contida no Verbete n.º 599 incida que os precedentes que o originaram estão ligados a julgamento não de recurso extraordinário, mas, sim, de agravo, pelo relator.
Quando a Turma examina o agravinho – ou agravo interno, como quer Sálvio de Figueiredo -, interposto contra decisão do relator que haja implicado a apreciação do extraordinário, ela o faz quanto ao próprio extraordinário, declarando o acerto, ou desacerto, da decisão proferida no extraordinário.
Por isso, continuo convencido de que não podemos partir para uma interpretação rígida do disposto no artigo 546, quando revela adequados os embargos de divergência em se tratando de decisão da Turma em recurso extraordinário. O pano de fundo do julgamento procedido pela Turma é, sem dúvida alguma, o recurso extraordinário que chegou a subir a esta Corte.
Peço vênia, Senhor Presidente, para prover, no caso, o agravo. (destaques acrescentados).
À míngua das posições em contrário, parece que os argumentos do STJ vêm encontrando cada vez mais guarida no ordenamento jurídico pátrio.
6.3 A HERMENÊUTICA E SUAS APLICAÇÕES
Embora não seja este o escopo do presente trabalho, mister se faz, neste momento, uma breve referência à teoria científica da hermenêutica jurídica, a qual, nas palavras de MAXIMILIANO (1996, p.1), "tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito" e pode ser definida como "a arte de interpretar".
Trata, a hermenêutica, de ciência indispensável ao bom ofício do exegeta, na medida em que descobre e fixa os princípios atinentes que regem a interpretação jurídica.
Na pesquisa que ora se apresenta, várias foram as menções às posições – diametralmente opostas – adotadas pelos tribunais superiores, as quais, inclusive, motivaram em muito a realização desta.
O STF, conforme já se afirmou, permanece firme na aplicação da orientação jurisprudencial de n.º 599, baseando-se, sobretudo, no que diz a lei processual (notadamente os arts. 496, inc.VIII e 546 do CPC).
O STJ, por sua vez, adota entendimento totalmente diverso, afastando a retrocitada súmula e, principalmente, vislumbrando interpretação bem mais flexível e atinente aos dias atuais.
Esta divergência de entendimentos pode ser analisada à luz de dois processos de interpretação, quais sejam, o gramatical e o histórico-evolutivo.
O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Carta Magna, tem indiscutivelmente adotado, quanto ao cerne da questão ora em comento – (in)admissibilidade de embargos de divergência em agravo interno –, posição que se arrima na interpretação exclusivamente gramatical do CPC, preocupando-se unicamente com a literalidade do dispositivo.
Conforme já ressaltado, o Pretório Excelso tem considerado válida a multicitada súmula 599 sob o principal fundamento de que o legislador, ao empreender as recentes modificações no CPC, não se preocupou em ressaltar a hipótese de interposição de embargos de divergência em julgamento de agravo interno e, assim sendo, como não haveria lei a admitir tal hipótese de cabimento, inviável mostrar-se-ia qualquer entendimento em contrário.
Noutro giro: aduz o STF que, "principalmente após a nova redação conferida pela Lei 8.950/94 ao art. 546, II, do CPC", incabíveis seriam os embargos divergentes na situação exposta, na medida em que o legislador, ao apenas descrever como acórdãos "ensejadores" de embargos de divergência os prolatados em julgamentos de recurso especial e de recurso extraordinário, implicitamente teria vedado qualquer forma de interpretação ampliativa.
Não passa, esta atitude, de mera interpretação gramatical do texto legal, interpretação esta que se prende única e exclusivamente no que preceitua cada vocábulo destes dispositivos processuais e que, desde há muito, é rechaçada pela mais abalizada doutrina ("quem só atende à letra da lei, não merece o nome de jurisconsulto; é simples pragmático" [MAXIMILIANO, 1996, p. 112]) e atualmente vem sendo criticada, inclusive, pelo próprio STF, conforme se pôde perceber do trecho do voto do Min. Marco Aurélio acima transcrito ("... não interpreto o artigo 546 do Código de Processo Civil [...] de modo gramatical, literal, não saindo, como julgador, a bater carimbo. A minha tarefa não é essa").
O Superior Tribunal de Justiça, talvez até mesmo pelo seu pouco tempo de vida, tem se mostrado muito mais fértil às novas concepções adotadas pelo legislador processual civil, principalmente no que tange ao cerne da questão que ora se afigura.
Vislumbra o STJ, como visto, a necessidade de um abrandamento da vetusta súmula 599/STF a fim de que os embargos de divergência, instrumento recursal tão caro para o ordenamento jurídico, possam ser utilizados de forma efetiva.
Para tanto, realiza o tribunal responsável pelo controle último da legislação infra-constitucional pátria uma interpretação arrimada, basicamente, no elemento histórico-evolutivo, mostrando-se, o STJ, sensível às alterações ocorridas na disciplina recursal do processo civil, qualidade esta que o faz caminhar pari passu com a evolução geral do Direito.
Acredita o STJ que, muito embora o legislador não tenha se manifestado expressamente a fim de modificar os arts. 496, VIII e 546 do CPC, ao se empreender, in casu, uma interpretação histórico-evolutiva, inquestionavelmente se chega à conclusão, pelos motivos adrede mencionados, de que a lei 9756/98 abriu a possibilidade da interposição de interposição de embargos de divergência em agravo interno.
Não pode, como ressaltado por MAXIMILIANO (1996, p. 144), o direito vigente conter só um pensamento morto. Muito pelo contrário, seu espírito deve ser plenamente vivo, de modo a autorizar – e determinar, por vezes – que a exegese mude com o passar do tempo a fim de se adequar com o que pensam os "homens inteligentes" da época.
É imperioso, assim, que o julgador saiba, observando o passado (mais especificamente, as raízes da súmula 599/STF), vislumbrar um desdobramento do presente (abrandando-a), conciliando a tradição (da revisão dos julgados de cortes superiores por meio de embargos de divergência) com a realidade (sob o ângulo da incessante busca pela celeridade e economia processual).