Resumo: O presente texto tem por objetivo precípuo analisar a intervenção federal da União na autonomia administrativa na área se Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, a partir de 16 de fevereiro de 2018, com o objetivo de pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro, a teor do artigo 1º, § 2º, do Decreto presidencial que autorizou a Intervenção Federal.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Intervenção Federal. Decreto nº 9.288/2018. Rio de Janeiro. Constitucionalidade. Artigo 34, inciso III, Constituição da República de 1988. Ordem Pública. Comprometimento. Restabelecimento.
A notícia do momento no país é a intervenção federal no Rio de Janeiro. Importante ressaltar que não de trata de intervenção militar, mas de intervenção civil, medida constitucional, legal, legítima e democrática prevista no artigo 34 da Constituição Federal de 1988, decretada pelo Presidente da República, Decreto nº 9.288/2018, tendo por fundamento o inciso III do artigo 34, a fim de debelar o grave problema da ordem pública, com a nomeação de um General interventor até dia 31 de dezembro de 2018, que agora detém a missão de garantia da lei e da ordem.
"O Estado não tem autoridade sobre o território e não pode agir porque tem consequências" ( Chico Pinheiro, Bom Dia Brasil – Dia 21 de setembro de 2017)
Em termos gerais, a intervenção federal, como se afirmou está previsto no artigo 34, segundo o qual a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Já o artigo 35 da Constituição da República descreve que o Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
Como se sabe, trata-se de medida extrema e excepcional, de caráter descendente, ou seja, do ante superior para o ente subordinado.
Assim, tem-se que na intervenção pode a União intervir nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios, e os Estados poderão intervir nos municípios.
Primeira vez na história do Brasil, depois de promulgação de 1988, a intervenção no Rio de Janeiro por meio de um Decreto do Presidente da República, com objetivo de pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro, sendo nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto, cargo de natureza militar.
As atribuições do Interventor são aquelas previstas no art. 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro necessárias às ações de segurança pública, previstas no Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. O Interventor poderá requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção, e poderá requisitar a quaisquer órgãos, civis e militares, da administração pública federal, os meios necessários para consecução do objetivo da intervenção.
E ainda, no decreto de Intervenção Federal, artigo 3º, § 3º, que o Interventor poderá requisitar a quaisquer órgãos, civis e militares, da administração pública federal, os meios necessários para consecução do objetivo da intervenção.
Poderão ser requisitados, durante o período da intervenção, os bens, serviços e servidores afetos às áreas da Secretaria de Estado de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, para emprego nas ações de segurança pública determinadas pelo Interventor.
Ainda como formalidades a serem observadas, o decreto de intervenção, especificando-se o prazo e as condições de execução, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas.
Conforme o artigo 49, inciso IV, da Constituição da República, é competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas.
Por sua vez, o artigo 90 da Constituição da República de 1988, determinada que o ao Conselho da República compete pronunciar-se sobre diversas matérias, dentre elas acerca da intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio.
Já o artigo 91, § 1º, inciso II, da CR/88, preceitua que compete ao Conselho de Defesa Nacional, opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal.
Para aprovação da Intervenção Federal em maioria simples na Câmara dos Deputados, ou seja, 50% mais um voto dos presentes, foi nomeada como relatora a Deputada Laura Carneiro, que declarou favorável à intervenção, mas que questionou a situação da falta de previsão dos recursos que serão utilizados na missão de guerra, e afirmou ser indispensável uma Medida Provisória ou projeto de lei orçamentário destinando recursos federais necessários a execução das ações de combate ao crime e a ações na área social.
Tendo sido o decreto de Intervenção Federal nº 9.288/2018 aprovado no plenário da Câmara dos Deputados, por volta das 02h15min do dia 20 de fevereiro de 2018, por 340 votos a favor, 72 votos contrários e 01 abstenção, o referido decreto seguiu para o Senado Federal, que indicou como relator na Casa o senador Eduardo Lopes, tendo sido ao final também aprovado por 55 a favor, 13 contra e uma abstenção, que corrobora a Intervenção Federal que segue agora o curso de sua execução até dia 31 de dezembro de 2018.
Desta feita, decretou-se a intervenção federal na autonomia administrativa na área da Segurança Pública, objetivando estancar o crime organizado que dominou e contaminou feito metástase o Rio de Janeiro, que somente no período carnavalesco, dos dias 09 a 14 de fevereiro, a Polícia registrou:
86 homicídios.
86 tentativas de homicídio
1297 lesões corporais dolosas.
53 estupros.
1062 roubos a transeuntes.
859 roubos de veículos.
336 roubos de celular.
129 roubos em coletivos;
51 roubos a turista.
roubos a estabelecimentos comerciais.
Há de ressaltar que além desses índices levados, houve, inclusive registros de saques em estabelecimentos comerciais, pessoas levando bebidas alcoólicas e outros mantimentos, inúmeros casos de arrastões na cidade, com indubitável ruptura da ordem pública.
Com a intervenção federal, passa o Exército comandar as forças de segurança pública, todas subordinadas ao comando militar, e este subordinado diretamente ao Presidente da República.
E certo que não se pode espera que a intervenção militar no Rio de Janeiro tire o estado de sua grave crise na segurança pública, mesmo porque esta atividade não se resume tão somente ao enfrentamento do crime organizado, colocando policiais de sentinela nos morros, fortemente armados, com utilização de carros blindados e tanques de guerra.
Assim, é preciso entender que política de segurança pública, macroscopicamente, é um conjunto de ações e estratégias, articuladas e planejadas que compõe o sistema de controle social formal.
Assim, uma boa política de segurança pública passa, necessariamente, por investimentos em política de prevenção, nas ações repressivas e atividades de execução de pena.
É preciso pensar segurança pública com um olhar macrossistêmico, com dotação de verbas carimbadas, de aplicação compulsória, como ocorrem nas áreas de saúde e educação.
Eixos temáticos devem fazer parte das ações estratégicas, como criação de projetos de prevenção secundária, visando atingir alvos específicos, ajustada política voltada para o enfrentamento de atos infrações praticados por adolescentes em conflito com a lei, defesa dos direitos da minoria, melhora no mecanismo de controle a fim de combater os desvios de comportamento de agentes públicos, melhorias na autoestima e motivação dos atores que trabalham diretamente na segurança pública, fortalecimento do sistema prisional, adoção de medidas efetivas para a reinserção social de presos, assistência aos egressos para inserção no mercado de trabalho, eficiência na aplicação de medidas socioeducativas, uma correta e sólida aplicação de medidas de semiliberdade aos adolescentes em conflito com a lei, efetiva troca de informações entre as agência de inteligência, fortalecimento das fronteiras abertas com outras Unidades federativas e também adequação na legislação penal e processual, para evitar que a Polícia, numa atividade altamente de risco prenda criminosos, como traficantes de drogas, de armas, integrantes de milícia privada, chefes de organizações criminosas, que são conduzidos às Unidades Policiais, e no dia seguinte são liberados por força da famigerada audiência de custódia, um ato meramente administrativo, já que não pode haver produção de provas e nem adentrar no mérito dos fatos, apenas realizar um interrogatório de qualificação, instrumento inútil e sem efeito prático, criada com a única finalidade de esvaziar o sistema prisional, e achar motivos para processar policiais que atuaram no evento, conforme se verifica no conjunto de rol de perguntas feitas ao suspeito, consoante Recomendação nº 213 do Conselho Nacional de Justiça, um verdadeiro estupro nos interesses maiores da sociedade brasileira.
I - Será que o Exército Brasileiro vai cuidar de todas essas ações de política pública criminal?
II - Será que o Exército ocupará tão somente as vias de acesso às comunidades e ruas estratégicas do Rio de Janeiro?
III- Será que haverá investimento nas polícias e no sistema prisional?IV - Será que os policiais serão valorizados, terão segurança jurídica para desenvolverem seus trabalhos de verdadeiros heróis sociais?
V - Será que a partir de agora o Brasil resolverá os graves problemas de zonas de fronteiras, evitando o ingresso de armas e drogas para os morros do Rio de Janeiro?
VI - Será que nesse período de intervenção, surgirão mudanças na legislação para sepultar a impunidade no Brasil?
VII - Será que a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública ajudará a eliminar o caos do sistema de justiça criminal no Brasil?
VIII - E os parlamentares, estariam dispostos a criar leis efetivas que pudessem atingi-los mais na frente?
IX - Criariam assim legislações efetivas, mas autofágicas?
A sociedade certamente aguarda, ansiosamente, respostas para essas indagações. Mas não se pode esquecer, jamais, que a resposta estatal não pode transgredir as leis em vigor, nem violar as regras do estado democrático de direito, não podendo haver, por exemplo, expedição de mandados de busca e apreensão coletivo ou genérico nos aglomerados, o que seria grande violação dos direitos humanos, tampouco realização de prisões arbitrárias, sob pena de instituir verdadeiramente um Estado de Exceção no Brasil.
Será que a Justiça teria a mesma disposição para decretar mandados de busca e apreensão coletivo nas casas de moradores de bairros nobres da cidade do Rio de Janeiro?
E ainda. Será que o Presidente da República pode revogar a intervenção para votar Emendas Constitucionais, como a reforma da previdência?
A esta indagação, a resposta é fácil. Se houver a revogação da intervenção federal para votação da reforma da previdência, claramente, estaremos diante de um engodo, de um subterfúgio para burlar a intervenção federal, já que a Constituição da República de 1988, proíbe, peremptoriamente, em seu artigo 60, § 1º, afirmando que a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
Além da Emenda da Previdência, também não poderão ser objeto de votação, as emendas constitucionais relativas ao tema do aborto, que protege a vida desde a concepção, a destinação de verbas para a Segurança Pública, a questão da autonomia da Polícia Federal, o tema da redução da maioridade penal e por fim, a votação de imprescritibilidade para o crime de trabalho escravo.
O que pode acontecer é que uma vez cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal, e no caso do Rio de Janeiro, se com a presença do Exército houver o desbaratamento do crime organizado, as pessoas começarem a distribuir flores perfumadas nos calçadões de Ipanema e Copacabana, se tudo virar um reino encantado, aí sim, poderá haver a revogação da intervenção antes do seu termo final.
Mas como essas ações no Rio de Janeiro não resolverão as graves questões de segurança pública.
Talvez seja tão somente um analgésico para uma dor de cabeça persistente, que pode passar num primeiro momento, um alívio aparente, mas volta depois com uma dor muito mais insuportável.
Acredito piamente que a presença do Exército nas ruas da cidade maravilhosa aumentará a sensação de segurança subjetiva entre as pessoas da classe alta, mas os cidadãos humildes e honrados, os chefes de família que moram nas comunidades por questões de oportunidades sociais inevitavelmente sofrerão com o aumento das turbações sociais durante a intervenção federal, e certamente continuarão a experimentar a opressão imposta pelas grandes organizações criminosas que permanecerão comandando o crime organizado e desafiando as forças do Estado.
Outra certeza que se tem é que a intervenção federal passa a exigir em especial do Exército Brasileiro um comportamento de herói, de salvador do Rio de Janeiro, passando a exigir de verdade o status do seu real significado para a sociedade brasileira, uma vez que na história recente deste país ainda não foi testado efetivamente, mas o que pode acontecer é que não solucionando os graves problemas de segurança, o que é mais razoável e provável, mesmo porque não se pode exigir do órgão militar tanta habilidade para resolver questões de ausência total de políticas públicas de segurança, e neste caso, o Exército deixará de gozar do prestígio único que tem perante a sociedade brasileira, para figurar no mesmo espiral dos demais órgãos públicos do Brasil.
Resumen: este trabajo pretende analizar la eventual intervención federal en la autonomía administrativa de la Unión en la zona si pública seguridad en el estado de Río de Janeiro, del 16 de febrero de 2018, con el objetivo de poner fin a la debilitación severa de políticas públicas en el estado de Río de Janeiro, el contenido del artículo 1, apartado 2, del decreto presidencial que autorizó la intervención Federal.
Palabras clave: Derecho constitucional. Intervención federal. Decreto n ° 2018/9, 288. Río de Janeiro. Constitucionalidad. Artículo 34, inciso III, constitución de 1988. Orden público. Compromiso. Restauración.