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O direito alternativo.

O posicionamento dos tribunais brasileiros com relação aos níveis de atuação teórico-prático do direito alternativo

Agenda 10/03/2018 às 22:56

O presente estudo tem o objetivo de fazer uma análise da jurisprudência a fim de verificar se os métodos de atuação prático-teórico do direito alternativo estão sendo observados e aplicados no plano real.

 

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de fazer uma análise da jurisprudência a fim de verificar se os métodos de atuação prático-teórico do direito alternativo estão sendo observados e aplicados no plano real. Os níveis de atuação do direito alternativo a serem abordados no estudo são: instituído sonegado, instituído relido e instituinte negado. A hipótese é de que a prática de atuação do direito alternativo está crescendo, tendo em vista o aclamo popular em favor da aplicação dos direitos fundamentais, muitas vezes não observados pelo Estado, pelos Órgãos Públicos e pelas Empresas.  

Palavras-chaves: direito alternativo, sociologia 

  

Abstract: The present study has the objective of analyzing jurisprudence in order to verify if the practical-theoretical methods of alternative law are being observed and applied in the real plan. The levels of action of the alternative law to be addressed in the study are: instituted withheldinstituted reread and instituted denied. The hypothesis is that the practice of alternative law is growing, in view of popular acclaim in favor of the application of fundamental rightsoften not observed by the StatePublic Organs and Companies. 

Keywordsalternativ lawsociology 

  

Sumário: 1. O Direito Alternativo. 1.1 Primeiro Nível: Instituído Sonegado. 1.1.1 Análise da Jurisprudência. 1.2 Segundo Nível: Instituído Relido. 1.2.1 Análise da Jurisprudência. 1.3 Terceiro Nível: Instituinte Negado. 1.3.1 Análise da Jurisprudência 2. Conclusão 

  

  

  

  

  

  

  

1. O DIREITO ALTERNATIVO  

  

Para dar início ao tema, é de extrema importância explicar o conceito de Direito Alternativo, que se dá pela união de membros em um determinado movimento pela concretização de objetivos em comum.  

O Direito Alternativo surgiu sem um debate teórico prévio e não possui uma ideologia única, mas sim um pensamento pluralista. Hoje em dia, em decorrência do tempo e da necessidade de alteração, é possível de se analisar mudanças ocorridas e traçar uma cronologia histórico-evolutiva desse direito (ANDRADE, 2001, p.47). 

Em sua primeira fase, o movimento do Direito Alternativo fechava-se a duas posturas básicas, ou seja, primeiramente se fazia uma crítica ao sistema jurídico tradicional estabelecido e adiante a defesa contra impetuosas críticas efetuadas pelos juristas tradicionais que acusavam os alternativos de práticas que não cometeram, de conceitos e teorias que não escreveram e não defenderam. (ANDRADE, 2001, p.56). 

Logo em seguida, o Direito Alternativo começa a sofrer mudanças, amadurecendo suas teses. Após o movimento ter se consolidado, houve a realização dos primeiros congressos e com isso o surgimento de diversas teorias e autores alternativos que buscavam explicar a prática do movimento, bem como seu conteúdo (ANDRADE, 2001, p. 56). 

Um dos primeiros conceitos surgidos e que não pode se deixar de lado é o de Jurista Orgânico, que caracteriza e descreve o movimento exatamente pelo que ele é. Como explica o autor Lédio Rosa de Andrade: 

Orgânico é aquele jurista comprometido com a mudança social, que faz de seu labor uma luta constante em prol de transformações estruturais no seio da sociedade, buscando alterar as relações de poder nela existentes, com o escopo de combater a miséria, promover a liberdade e a igualdade material, fortalecendo uma possível democracia real (2001, pg. 56/57).  

Entre os alternativos, vigora por unanimidade o pensamento de que toda transformação social só pode ser resultado da ação conjunta de vários movimentos sociais comprometidos com a mudança em todas as esferas sociais. Ademais, o magistrado gaúcho elaborou mais alguns conceitos que incrementam e demarcam a prática do direito alternativo, logo, mais uma mudança ocorreu e o movimento foi dividido em três atividades prático teóricas principais, que passamos a explicar detalhadamente no decorrer deste trabalho (ANDRADE, 2001, p. 57). 

  

1.1 PRIMEIRO NÍVEL: INSTITUÍDO SONEGADO  

  

Inicialmente cumpre destacar que, antigamente, o presente nível era conhecido como positivismo de combate, também chamado de positivação combativa, o qual significa a luta pelo cumprimento da norma legal instituída por um Estado, tendo em vista que muitos direitos encontram-se expressos nas legislações, porém, não são efetivados no plano real. Como exemplo cita-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código do Consumidor e também a Constituição Federal (ANDRADE, 2001, p. 59/60).  

As características que determinavam o positivismo de combate são denominadas pelo Professor Edmundo Lima de Arruda Jr., como um campo de atuação “no plano do instituído sonegado, ou seja, normas prevendo direitos que não são efetivados”, esta denominação se mantém nos dias atuais, deixando para trás a antiga denominação “positivismo de combate”. Isso ocorre porque, o autor considera não haver nos países pobres um Estado de Direito mínimo, não podendo haver, portanto, o uso alternativo do direito, mas sim o uso do Direito, “a ser praticado por todos os operadores jurídicos comprometidos com um projeto democrático, para ele sinônimo de socialismo” (ANDRADE, 2001, p. 62).  

Lédio Rosa de Andrade explicita que, embora os anseios da população sejam efetivados no plano normativo, isso de nada adianta se não houver o respeito e a aplicação da norma no plano real. Para que isso ocorra, é necessário que o operador jurídico alternativo lute pela sua concretização, ou seja, que a norma positivada saia do papel e seja aplicada na prática (2001, p. 59).  

O respeitado autor Sérgio Roberto Lema ensina que, o presente nível pode ser interpretado “como aquele em que se instala a luta pela eficácia dos direitos humanos fundamentais, tanto na ordem jurídica interna quanto internacional”. Ademais, se o Brasil possui um mecanismo jurídico de ponta, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Constituição Federal, entre outros, não é possível aceitar a indiferença dos operadores de direito diante da inaplicabilidade das legislações (2014, p. 125).  

Desta forma, considerando a fundamental importância do presente nível, passa-se a análise da jurisprudência a fim de demonstrar a prática dos operadores do direito diante das situações apresentadas.  

  

1.1.1 Análise da Jurisprudência 

  

  1. A primeira jurisprudência a ser analisada é com relação à impenhorabilidade de bem de família, vejamos:  

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL PENHORADO EM AUTOS DE EXECUÇÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIA. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA MESMO DADO EM HIPOTECA. DONATÁRIOS EM POSSE DO BEM. BOA-FÉ PRESUMIDA. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO COMPROVADA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE DO SER HUMANO SUPERIOR AO DIREITO DE PROPRIEDADE. RECURSO PROVIDO. Afronta os objetivos elencados no art. 3º da Constituição Federal retirar o único imóvel de uma família para saldar dívida de instituição financeira. (TJSC, Apelação Cível n. 2008.050767-0, de Papanduva, rel. Des. Lédio Rosa de Andrade, j. 30-03-2010).  

  

Trata-se de um caso em que houve a determinação de penhora de um bem de família, ou seja, residência ocupada por um grupo familiar, em razão de duas Cédulas Rurais Pignoratícias e Hipotecárias.  

Primeiramente, e antes da oposição dos embargos de terceiros, os executados apresentaram fundamentos na execução, a fim de demonstrar que o bem de família era legítimo, e, portanto, não poderia ser penhorado, pedindo assim o reconhecimento de que os bens móveis, também dados em penhor, eram suficientes para saldar a dívida.  

Ocorre que a exceção de impenhorabilidade não foi reconhecida e o pedido foi rejeitado pelo juiz a quo, com fundamento justificado por meio do artigo 3º, V, da Lei nº 8.009/1990 (Lei que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família):  

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:  

[...] V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;  

  

Assim, o imóvel foi encaminhado a leilão, sendo, contudo, cancelado em virtude de cerceamento de defesa ocasionado pela falta de intimação dos advogados.  

Desta forma, foram opostos os presentes embargos de terceiros pelo filho e pela nora dos executados, sob o fundamento de que o imóvel não poderia ser penhorado, tendo em vista que, embora a propriedade seja dos executados, a posse não seria somente deles, haja vista as demais pessoas que residem no local. Ainda, os embargantes declararam que haviam recebido por meio de doação verbal uma parte do terreno, na qual foi construída a casa onde residem.  

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Com as provas produzidas nos autos foi possível perceber que o imóvel penhorado é bem de família; os embargantes têm a boa-fé presumida; bem como não está caracterizada a fraude a execução, sendo a impenhorabilidade, portanto, protegida pela Lei nº 8.009/1990. Ainda, a jurisprudência do Tribunal de Santa Catarina tem o entendimento de que o Donatário pode se opor a penhora quando estiver na posse do imóvel doado, mesmo quando a doação não estiver inscrita no Cartório de Registro de Imóveis.  

Desse modo, o Relator Des. Lédio da Rosa Andrade se manifestou no sentido de que o artigo supracitado pelo juiz de primeiro grau (art. 3º, V, da Lei 8.009/1990) não merece guarida com relação à interpretação dada ao referido caso, já que não se pode interpretar a norma que venha a prejudicar a entidade familiar.  

A respeito disso, no referido acórdão, o Relator expõe:  

Ademais, a proteção do bem de família é matéria de ordem pública, um direito absoluto, a ser resguardado pelo Poder Judiciário. A proteção à dignidade do Ser Humano é superior à propriedade privada e ao direito de crédito. Afronta a Carta Magna retirar o único imóvel de uma família de agricultores, impondo-lhes a miséria, para saldar crédito bancário.  

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.  

O Desembargador cita que, a proteção da unidade familiar é dever do Estado, não podendo o judiciário ir contra esse preceito. Ainda, conforme estabelece o artigo 226 da Constituição Federal, a família tem proteção especial do Estado e não pode ser prejudicada em virtude de uma dívida contraída de forma irregular.  

Desta forma, a ação foi analisada pelo Desembargador, o qual deferiu o pedido em favor da impenhorabilidade do único imóvel da família, por entender que o juiz a quo não observou os direitos fundamentais estabelecidos da Constituição Federal quando determinou a penhora da residência onde mora a família. Ademais, retirar uma família de sua residência seria contribuir com violência, haja vista que tais pessoas não teriam outro teto para residir e ficariam a mercê da criminalidade.  

Nas palavras do Relator,  

É função do Estado e, por conseguinte, do Poder Judiciário agir em sentido contrário, ou seja, proteger a residência única da família, medida útil e necessária à pacificação social. Assim, só em casos ultra-excepcionais se justifica a penhora da unidade familiar. E o ônus da prova dessa excepcionalidade incumbe ao exeqüente e não ao devedor. Na dúvida, presume-se em favor da impenhorabilidade.  

Desse modo, diante dos fundamentos apresentados, é possível verificar claramente por meio da referida decisão, que o Desembargador Lédio Rosa de Andrade atuou em favor do que defende o nível “instituído sonegado”, o qual é caracterizado pela luta em favor da efetivação dos direitos humanos fundamentais, que neste caso é o direito à moradia, também englobado na dignidade da pessoa humana. 

  

  1. A segunda análise será feita sobre jurisprudência que trata dos direitos do consumidor, não observados pela parte que integra o polo passivo da demanda, vejamos:  

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DOENÇA SUPERVENIENTE À CONTRATAÇÃO QUE IMPEDE A FRUIÇÃO DO  

AUTOMÓVEL. CAUSA SUPERVENIENTE. ENTREGA DO BEM. IMPOSSIBILIDADE DE CONTINUAÇÃO COM O PAGAMENTO DAS PARCELAS CONTRATADAS. RESILIÇÃO UNILATERAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES ADIMPLIDOS. SENTENÇA REFORMADA. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2006.035443-7, da Capital - Continente, rel. Des. Lédio Rosa de Andrade, j. 07-07-2009).  

  

Trata-se de ação de Rescisão Contratual, na qual a autora almeja a dissolução de contrato de financiamento de uma motocicleta, bem como a devolução do caução dado como grantia de alienação fiduciária feita em favor da parte ré, tendo em vista a descoberta posterior à contratação de doença grave que a impossibilita fisicamente de utilizar o bem financiado e continuar com o compromisso dos pagamentos.  

Inicialmente cumpre destacar que o magistrado singular indeferiu o pedido para a rescisão do contrato de financiamento, por entender que a autora já possuía a doença quando adquiriu o bem financiado.  

Com entendimento contrário ao do juízo a quo, e com base nas provas acostadas nos autos, o Desembargador Relator Lédio Rosa de Andrade verificou que a doença acometida pela autora foi descoberta três meses após a contratação. Assim, deferiu o pedido da autora, a fim de rescindir o contrato de financiamento, bem como condenou a parte ré a devolver o caução dado como garantia de alienação fiduciária e as parcelas já pagas pela parte autora.  

O Relator entendeu que a autora teve seus direitos consumeristas violados e fundamentou sua decisão no artigo 6º, V, artigo 39, IV e V e artigo 47, todos do Código de Defesa do Consumidor; bem como no artigo 478 do Código Civil.  

Ainda, conforme estabelece o Código do Consumidor, expos que as normas consumeristas sempre devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Assim, a parte autora obteve êxito na efetivação de seus direitos, que embora sejam garantidos pela legislação, só se concretizou diante da decisão que reconheceu legítimos seus pedidos.  

Dessa forma, é possível perceber que, mais uma vez, embora a norma esteja positivada, a luta pela concretização dos direitos no plano real mostra-se, muitas vezes, resistente, sejam por parte das empresas, órgãos públicos que não reconhecem os direitos, mas também pelo próprio poder judiciário que não raras vezes se omite diante da legislação. 

Assim, conclui-se que, o papel dos juristas que observam e lutam pela prática do direito alternativo, especificamente do plano do instituído sonegado, do qual trata o presente capítulo, tem importante papel fundamental para a população como um todo, tendo em vista que por meio se suas decisões conseguem efetivar os direitos humanos fundamentais, e assim concretizar de fato os direitos garantidos pelas legislações brasileiras  

  

  

1.2 SEGUNDO NÍVEL: INSTITUÍDO RELIDO  

  

Também conhecido como uso alternativo do direito, este campo de atuação é entendido como o processo hermenêutico alternativo onde o interprete busca uma interpretação diferente das normas jurídicas já existentes, adaptada à realidade, “os juristas alternativos efetuam, sempre, uma interpretação social ou teleológica das leis, ou seja, objetivam dar um sentido à norma, buscando atender (ou favorecer) as classes menos privilegiadas, ou a maioria da sociedade civil” (ANDRADRE, 2001, p. 60).  

Por não contrariar a dogmática, não pode ser considerado como direito alternativo. O nível instituído relido é apenas uma forma diversa de interpretar o Direito Positivo, sendo assim, é considerado o direito oficial contextualizado direcionado à todos os operadores do Direito, não somente aos magistrados.  

As leis injustas muitas vezes são decorrentes da pretensão da classe dominante de impor suas vontades, sendo assim, o uso alternativo do Direito se baseia na utilização de contradições, ambuiguidades e lacunas dos direito legislado que privilegiam as classes mais favorecidas na sociedade, possibilitando um avanço das lutas populares, inclusão social e de uma sociedade mais igualitária e, consequentemente, mais justa. 

Diante da dita lei injusta, o jurista alternativo não deve achar-se no direito de negá-la, pois o mesmo não há uma legitimidade acima do ordenamento jurídico. A verdadeira e principal função do jurista “é demostrar que a lei específica, em si, contraria o ordenamento jurídico, destacando-se os princípios constitucionais e até internacionais” (ANDRADE, 2001, p. 79).  

Cabe ao julgador demonstrar, perante a sociedade, que a lei encontra-se ilegal, contrária a princípios gerais do sistema jurídico vigente, e não descumpri-la ou negá-la.  

  

1.2.1 Análise da Jurisprudência 

  

Quanto à análise de jurisprudência cuja decisão tem como base fundamental o instituído relido, o Desembargador Lédio Rosa de Andrade esteve de frente com o abuso de direitos fundamentais de uma família por empresa de energia.  

Abaixo é possível analisar como decorreu a ação:  

Jorge Luiz Laurindo, por meio de seu procurador legalmente constituído (art. 36, CPC), ingressou com duas Ações de Indenização por Danos Morais, uma c/c Declaratória de Reconhecimento de Arbitrariedade no Exercício da Função Administrativa, bem como com uma Medida Cautelar Inonimada contra Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC, todos qualificados. Aduz, em síntese, que por estar desempregado não teve condições de pagar as contas de energia elétrica.  

Sendo a energia um bem de consumo essencial, mesmo com a inadimplência e com a notificação prévia do consumidor, não é lícito o corte de energia. No segundo processo, além destes argumentos, narra ter ocorrido o corte de energia sem notificação e, ainda, sabendo a requerida da presença de crianças na casa. No processo cautelar pleiteia o religamento da energia. Pela ilicitude, pretende ver-se indenizado por danos morais.  

A sentença teve início foi iniciado e a parte requerida contestou, alegando e embasando sua decisão e pedindo o encerramento do caso conforme dito a seguir: No mérito, concorda que a energia elétrica é um bem indispensável, mas alega ser direito da empresa concessionária o corte de energia, diante da inadimplência, nestas lides confessadas, desde que observada a Resolução 456/2000, da ANEEL, o que ocorreu no caso. 

Da sentença é possível extrair que: 

Após uma tentativa falha de conciliação, foi realizada audiência de instrução e o julgamento. Durante esta, as partes entraram em acordo em relação à desistência das inquirições, visto que a requerida aceitou como verdade os fatos a serem provados pelas testemunhas.  

As partes não divergem dos seguintes fatos:  

1) O requerente teve, por duas vezes, cortado o fornecimento de energia  

2) Em ambas as vezes estava inadimplente;  

3) Também em ambas as vezes estava o requerente desempregado e vivia crianças em sua residência.  

A requerida afirma que notificou o requerente nas duas vezes em que houve o corte do fornecimento, porém o mesmo alegou que recebeu a notificação apenas no primeiro feito. Em sua defesa, a requerida apresentou a documentação juntada pelo autor da medida cautelar e que as mesmas provam a notificação, visto que consta na conta de luz a informação sobre a possibilidade de corte de energia. Com isso, a parte alegou que o requerente tinha conhecimento do possível acontecimento.  

Porém, diferente do que a requerida afirmou, a lei exige que haja notificação do corte e que o aviso na conta de luz não serve tal. Com fundamento justificado pelo artigo 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95:  

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.  

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:  

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,  

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.  

O Relator Des. Lédio da Rosa Andrade explana sobre a contradição efetuada pela requerida, pois a mesma afirma que a energia é um bem indispensável, sendo este um Direito protegido por várias das normas constitucionais. Porém, a requerida não assumiu posição jurídica, nem ao menos adquiriu o status de um Direito legalmente protegido. A justificativa do direito das empresas em cortarem o fornecimento de energia efetuam uma hermenêutica excluindo a Constituição Federal e seus princípios.  

O serviço de fornecimento de energia elétrica, essencial ao bem-estar, tanto individual quanto coletivo, de toda a sociedade, mostra-se fundamental à consubstanciação do princípio da dignidade do ser humano, de modo que a interrupção no seu fornecimento somente se faz possível em situações excepcionais. A regra é a continuidade da prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica cuja interrupção, no entanto, constitui a exceção, sendo possível, no caso de inadimplemento, somente quando efetivado o prévio aviso que faculta ao devedor o pagamento da quantia devida, evitando, por conseguinte, a dispendiosa movimentação do aparato judicial.  

Segundo o artigo 6º da Lei nº 8.987/95, também conhecida como Lei das Concessões, é considerado ilícito efetuar a interrupção do fornecimento de energia elétrica quando o consumidor não tem condições de pagar, mesmo após o aviso prévio.  

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.  

[...] 

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:  

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e  

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.  

Questiona, o redator, a utilidade dos Direitos Constitucionais, visto que eles ficam subordinados a leis inferiores. E ainda cita que as empresas concessionárias trabalham com produtos produzidos na propriedade de consumidores, tais como rios e minérios que pertencem ao povo brasileiro.  

Por se tratar de uma família com pai desemprego e menores de idade, o magistrado deve agir com cautela, para evitar com que as crianças estejam em estado de risco. O Poder Judiciário não pode exercer o papel contrário do que lhe foi definido, ou seja, não pode colocar os jovens em situação de alto risco e desprotegendo-os, pois nestes casos jurídicos o resultado real é o despejo ou a reintegração, soluções estas que privam as pessoas de energia elétrica, um bem de consumo fundamental.  

O Des. Andrade cita diversos textos legais que devem ter relevância para casos como este, como exemplo o artigo 227 da nossa constituição, e os artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 13, 15, 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente.  

O relator ainda afirma que:  

Toda a legislação mencionada até agora deve ser levada em consideração e o julgamento desta lide deve ser alçado a sua devida dimensão, não sendo correto, sob meu ponto de vista, cingi-lo a uma análise simplista, sem enfrentar o profundo conflito de Direitos existentes nestes autos. Em verdade, os acórdão citados mantêm-se na tradicional visão da microlitigiosidade, para não enfrentar um conflito maior, qual seja, a macrolitigiosidade.  

  

Conclui-se, então, que o Des. Lédio Rosa de Andrade, ao dar causa para o autor, agiu em favor de um integrante da classe minoritário. Mesmo quando a lei dá direitos à esta classe, nem sempre ela é executada, como foi o caso. O papel do desembargador foi fundamental para que o autor tivesse seus direitos reconhecidos, garantindo um equilíbrio entre classes.  

  

1.3 TERCEIRO NÍVEL: INSTITUINTE NEGADO  

  

Primeiramente cumpre frisar que, que anteriormente o citado nível era conhecido como direito alternativo em sentido estrito, trata-se de uma visão do Direito sob a ótica do pluralismo jurídico. Ou seja, é o direito existente nas ruas que coexiste com o estatal,  resultante da população, mas que ainda não fora elevado à condição de lei oficial, ao contrário, com ela acaba competindo. (ANDRADE, 2001, p. 60/61).  

As características que determinavam o direito alternativo em sentido estrito, são denominadas pelo Professor Edmundo Lima de Arruda Jr., como um campo de atuação “no plano do instituinte negado, de igual modo a partir do pensamento pluralista”. esta designação se mantém nos dias atuais, deixando para trás a antiga denominação “em sentido estrito, isso ocorre porque o autor entende ser objetivo do movimento por em prática a denominada revolução passiva, ou seja, ampliar os espaços de lutas possibilitando a formação jurídica articulada dentro de um horizonte não fundado no ideário burguês, mas comprometido com a construção de uma democracia real(ampliação das conquistas populares e implementação de um novo projeto de sociedade de base socialista’’ (ANDRADE, 2001, p. 62/63).  

Para diferenciar este direito paralelo de outros demais, destaca-se um fator ético/moral, o Direito da rua só será legítimo quando tiver a intenção de efetuar conquistas democráticas, construindo assim uma sociedade mais igualitária e, consequentemente mais justa.  Lédio Rosa de Andrade explicita que, não concorda com essa postura, pois esta possui graves dificuldades epistemológicas, fundamentando uma teoria com valores subjetivos. (2001, p. 61).  

O nomeado autor Sérgio Roberto Lema ensina que, o “instituinte negado, trata-se do espaço de construção do direito através de lutas travadas por determinados movimentos sociais”. Ademais o Direito achado na rua, identificam nesses tipos de manifestações da juricidade a verdadeira alternativa, ou o verdadeiro Direito alternativo, entendido como alternativo ao Direito estatal opressor e regulador da exploração estrutural da sociedade capitalista. (2014, p.126/127)  

  

1.3.1 Análise da Jurisprudência  

  

A jurisprudência a ser analisada é com relação à mudança de nome de transexuais, vejamos:  

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUAL QUE PRESERVA O FENÓTIPO MASCULINO. REQUERENTE QUE NÃO SE SUBMETEU À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, MAS QUE REQUER A MUDANÇA DE SEU NOME EM RAZÃO DE ADOTAR CARACTERÍSTICAS FEMININAS. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO AO SEXO PSICOLÓGICO. LAUDO PERICIAL QUE APONTOU TRANSEXUALISMO (TJ-SP - APL: 00139343120118260037 SP 0013934-31.2011.8.26.0037, Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 23/09/2014,  10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/09/2014).  

Trata-se de ação de retificação de registro civil, onde o requerente almeja a mudança de seu nome no assento de nascimento, por um nome que se adeque a seu sexo psicológico, ou seja, o feminino, mesmo sem ter realizado a cirurgia de transgenitalização, tendo em vista que o requerente sofre inconciliável contrariedade pela identificação sexual masculina que tem hoje e socialmente, sempre agiu e se apresentou como mulher.  

Para conferir segurança e estabilidade às relações sociais, o nome é regido pelos princípios da imutabilidade e indisponibilidade, ainda que o seu detentor não o aprecie. Todavia, a imutabilidade do nome e dos apelidos não é mais tratada como regra absoluta e busca atender interesses sociais mais relevantes, admitindo alteração em algumas hipóteses.   

Neste caso, cumpre destacar que o relator deferiu o pedido para a alteração de nome do requerente, por entender que a cirurgia era apenas o detalhe secundário em relação ao já vivenciado pelo autor do pedido, que há muitos anos já possuía a identificação sexual feminina, desde 1998, conforme documentos juntados aos autos do processo que comprovam o transexualismo e todas as suas características.  

Assim conclui-se que, a referida jurisprudência tem relação com o terceiro de nível apresentado, pois o direito da troca de nome antes da realização da cirurgia de transgenitalização não está positivado em lei, ou seja, não está expresso na norma e por isso não é um direito garantido, mas que por necessidade social e através de movimentos sociais e lutas concretização do direito começado nas ruas, a partir do pensamento pluralista, muitos juristas já compreendem que a mudança de nome é um Direito atrelado ao principio da dignidade da pessoa humana, e justamente por isso já tem autorizado a alteração, como fizeram o Relator Carlos Alberto Garbi, a juíza Rossaba Terezza Curioni, em 2009, o juiz Isaac Costa Soares, em 2011 e a juíza Maria Aglae Tedesco Vilardo, em 2014.  

  

2. CONCLUSÃO 

  

Com a pesquisa realizada podemos concluir que, o Direito Alternativo surgiu sem um debate teórico prévio. A interpretação do Direito baseado em princípios, algo que no século XXI resulta em algo normal, no contexto daquela época e, sobretudo, diante o senso comum dos juristas, excessivamente formalista e conservador, resultava revolucionário e provocou a reação que deu origem ao Movimento do Direito Alternativo no Brasil.  

Os juízes alternativos da época passaram a decidir utilizando a hermenêutica baseadas nos princípios constitucionais e nas técnicas sociológica e teleológica, com isso houve forte reação dos juristas tradicionais  

O Direito Alternativo como vimos traz a conceituação dos níveis de atuação definidos em: Positivismos de combate/ instituindo sonegado, uso alternativo do Direito/instituíste relido e Direito alternativo em sentido estrito/ instituíste negado.  

No primeiro nível concluímos que trata-se de denunciar a não efetivação dos direitos inscritos no textos da lei que carecem de efetividade, é o caso dos ‘’ princípios de grandes potencial presentes no constitucionalismo, cobrando efetividade ás normas consideradas conquistas’’.  

No segundo concluímos também que ressignificação dos dispositivos normativos encontrados no texto da lei exigia, naquele contexto, uma nova leitura da lei que abrisse espaço para reflexões propostas pelas teorias críticas do direito, como base para o questionamento do paradigma formalista.  

E por fim podemos concluir no terceiro nível, que se trata do espaço de construção do Direito através das lutas travadas por determinados movimentos sociais. 

Ademais, por meio da análise das jurisprudências é possível perceber que o direito alternativo tem sido aplicado na prática pelos juristas, e, apesar de não ser observado por todos os julgadores, ainda assim tem gerado consequências benéficas no plano real.  

Desta forma, conclui-se que o direito alternativo é um bom método de atuação na prática pelos julgadores, no qual tende a evoluir, fazendo com que os direitos e garantias expressos nos diversos diplomas legais sejam efetivados.  

      

 REFERÊNCIAS:  

 ANDRADE, Lédio Rosa de. O que é Direito Alternativo?. 2 ed. – Florianópolis: Habitus, 2001.  

 ANDRADE, Lédio Rosa de. Sentença Garantindo Energia Elétrica. Disponível em: <http://www.lediorosa.com.br/direito/decisoes/sentenca-garantindo-energia-eletrica/>. Acesso em: 29 abr. 2016.  

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Sobre a autora
Fabrina Nunes Silva

acadêmica de Direito na Faculdade CESUSC, integrante do grupo de estudos de Direito Internacional.

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