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O direito de arrependimento nas ofertas divulgadas pelo fornecedor de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial

Agenda 16/04/2005 às 00:00

O direito de arrependimento é uma inovação positivada na nossa norma consumerista através do seu art.49 e tem como fim garantir a real vontade de contratar do consumidor, ou seja, a compra de produtos e/ ou uso, ou, consumo de serviços motivados pela razão. Tanto assim o é, que o direito das relações de consumo elencou dentre seus princípios básicos o da transparência e o efetivou nos seus artigos 30 e 33, quando determinou que toda publicidade deve ser clara, transparente e precisa, de maneira que leve ao consumidor, desde o primeiro contato, não só o conhecimento do produto e do serviço, mas, também, do contrato.

A preocupação do legislador com a transparência nas relações de consumo foi tamanha que determinou, ainda, a identificação dos fabricantes nas vendas efetuadas à distância. Necessário esclarecer, que os tipos de venda citados no art.49, quais sejam, por telefone e em domicílio, não são numerus clausus, apenas exemplificativos, conforme amplamente entende a doutrina e a jurisprudência.

Como bem define Paulo Luiz Netto Lobo1, o titular do direito à informação é o consumidor e, assim, " há de ser considerado o consumidor típico, independentemente do maior ou menor grau de acesso individual à informação(10").

Para o mencionado jurista, o princípio do direito a informação submete o dever de informar do fornecedor à observância de três requisitos: adequação, suficiência e veracidade.

Assim, deve a propaganda ser de fácil compreensão pelo consumidor, suficientemente precisa quanto às informações sobre o produto e/ou serviço e corresponder à realidade da idéia que se está a levar ao titular do direito à informação.

Já a oferta, consoante preleciona Luiz Guilherme Loureiro 2: " é uma espécie de "germe"do contrato, é através dela que tem início o negócio; para que seja formado um contrato sinalagmático a título oneroso, a oferta deve conter as características essenciais do contrato que o ofertante deseja concluir com o destinatário.Sem tais elementos, a iniciativa não constitui uma oferta de contratar.

A propaganda veiculada pelos fornecedores de produtos e serviços através de fôlderes, bem como pelo rádio, jornal e televisão, para ser considerada suficientemente precisa, nos termos do art.30 do CDC, deve fazer constar além das características necessárias à identificação do objeto que se está a divulgar, deve ser objetiva quanto ao preço, não sendo demais lembrar que o valor ali expresso corresponde, via de regra, ao pagamento à vista, salvo, se não dispuser a oferta de forma diversa.

Nesse diapasão, partimos da premissa de que, presentes na propaganda o produto e/ou serviço devidamente identificados e o preço, ali se encontram os requisitos essenciais do contrato, quais sejam: o produto ou serviço, o valor e o consentimento, vez que a intenção do fornecedor em contratar é explícita.

Dessa forma, a oferta equivale a uma proposta de contrato ao consumidor. Tanto é verdade, que este pode exigir o cumprimento da oferta nos termos do art.35 da lei.8.078/90, quando há a recusa do fornecedor em cumpri-la, podendo ser a mesma objeto, inclusive, de execução específica na forma do art.84 da mencionada norma, verbis:

"Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos."

"Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."

Com o objetivo de garantir uma maior efetividade da prestação jurisdicional é que o art.7° do CDC autoriza a aplicação de direitos assegurados em outras normas, a exemplo da legislação ordinária, em aplicação ao princípio da norma mais favorável ao consumidor:

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"Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade."

Sobre o tema, manifesta-se Cláudia Lima Marques 3: "Neste sentido, não é o CDC que limita o Código Civil, é o Código Civil que dá base e ajuda o CDC, e se o Código Civil for mais favorável ao consumidor do que o CDC, não será esta lei especial que limitará a aplicação da lei geral (art.7º do CDC), mas sim dialogarão à procura da realização do mandamento constitucional de proteção especial do sujeito mais fraco. Assim, por exemplo, se o prazo prescricional ou decadencial do CC/2002 é mais favorável ao consumidor, deve ser este o usado, pois, ex vi art.7º do CDC, deve-se usar o prazo prescricional mais favorável ao consumidor."

A oferta, encontra-se devidamente disciplinada no Diploma Consumerista, no seu art.30:

"Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

Na lição de Claúdia Lima Marques 4: "Segundo esta norma, portanto, toda a informação, mesmo a publicidade, suficientemente precisa constitui uma oferta (uma proposta contratual), vinculando o fornecedor."

Preocupado com a publicidade nas vendas à distância, determina o CDC no seu art.33:

"Art. 33. Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial."

Por demais oportuno, o magistério de Luiz Guilherme Loureiro, na obra já citada, pág.171 : "De fato, o Código de Defesa do Consumidor proíbe a discriminação do consumidor, consistente na recusa de concluir um contrato que tenha por objeto bens ou serviços ordinariamente oferecidos ao público. Neste sentido, dispõe o art.39 da Lei n.8.078/90 que "é vedado ao fornecedor de produtos e serviços recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes".

Assim, disciplina o Código de Defesa do Consumidor o direito de arrependimento no seu art.49:

"Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados."

Por outro lado, é sabido que o consumidor, diariamente, é alvo de publicidade nas ruas, avenidas, semáforos, ou ainda, ao abrir jornais, quando é surpreendido com folhetos que divulgam ofertas fazendo constar das mesmas os produtos ou serviços oferecidos, inclusive, identificando-os com foto, marca, o preço e muitas das vezes, também, a forma de pagamento. O mesmo ocorre nas propagandas veiculadas pela televisão, ou, ainda, nos programas de teleshopping, através de tvs por assinatura e etc. O consentimento do fornecedor nesses casos é explícito, é como se dissesse ao consumidor: se você aceitar a minha proposta é só comparecer à minha loja que eu lhe vendo o produto ou serviço nos termos da oferta apresentada.

Outrossim, esclarecemos que a propaganda na forma como acima mencionada insere-se, a nosso ver, data maxima venia, no rol das técnicas de vendas agressivas, não sendo demais lembrar que, por muitas das vezes, o consumidor é atraído ao estabelecimento comercial induzido por "falsas promoções" e, como bem asseverou Cláudia Lima Marques na obra citada(4), pág.623: "No Brasil, com as mudanças introduzidas pelo CDC, a publicidade, quando suficientemente precisa, passa a ter efeitos jurídicos de uma oferta, integrando o futuro contrato. Isto significa que o fornecedor brasileiro deverá prestar mais atenção nas informações que veicula, seja através de impressos, propaganda em rádio, jornais e televisão, porque estas já criam para ele um vínculo, que no sistema do CDC será o de uma obrigação pré-contratual, obrigação de manter a sua oferta nos termos em que foi veiculada e cumprir com seus deveres anexos de lealdade, informação e cuidado; no caso de aceitação por parte do consumidor, de prestar contratualmente o que prometeu ou sofrer as conseqüências previstas no art.35."

A essa altura, não se tem a menor dúvida de que a oferta do fornecedor constitui verdadeira proposta ao consumidor, dependendo apenas deste a faculdade e a conveniência de aceitá-la ou não. A questão que se levanta é: se a oferta é válida para fins de obrigação pré-contratual, qual o critério para se fixar o momento da apresentação da proposta e por conseqüente o local da celebração do contrato?

Para fins de aplicação do direito de arrependimento, nos termos do art.49, do CDC, o que importa é que "a contratação de fornecimento de produtos e serviços tenha ocorrido fora do estabelecimento comercial".

É necessário ressaltar, ainda, que o direito de arrependimento foi uma forma encontrada pelo legislador para combater as técnicas de vendas agressivas que assediam o consumidor induzindo-o a fazer compras ou contratar serviços sob forte pressão psicológica e que tem desenvolvido o fenômeno do superendividamento, tão em alta, na nossa sociedade moderna.

A pressão psicológica exercida sobre o consumidor é tão grande, que é inegável o aumento das vendas em certas épocas do ano, a exemplo de determinadas datas tais como: dia das mães, dos namorados, dos pais e principalmente nas festas de final do ano, com o aquecimento da economia provocado pelo décimo terceiro salário. Em contrapartida, não se vê uma campanha publicitária que vise a estimular o consumidor a fazer economia, somente a gastar.

O efeito da propaganda já foi, inclusive, alvo de estudos pela psicologia, a exemplo da obra " psicologia do consumidor e da propaganda",de Christiane Gade 5.

A propaganda por si só já estimula o consumo e quando incessante, provoca uma verdadeira lavagem cerebral induzindo o consumidor à compra imediata, seja motivado pela vontade compulsiva de consumir, seja pelo medo de perder a oportunidade de fechar o negócio naquele momento e faz com que ele, na maioria das vezes, sequer pesquise o preço dos concorrentes do produto e/ou serviço objetos da oferta.

Ademais, o comparecimento do consumidor ao estabelecimento comercial para os atos formais de pagamento e retirada do produto ou uso ou consumo do serviço, traduzem-se em meras formalidades do contrato que em nada, afetam quanto ao local da sua celebração, na forma do art.435 do NCCB, já transcrito.

A vontade racional do consumidor ao adquirir um produto, ou, usar, ou, consumir um serviço, deve ser identificada pelo seu inteiro discernimento.

Conforme se manifesta Nelson Nery Júnior6, um dos autores do anteprojeto que deu origem à Lei 8.078/90: "Quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento."

Por fim, entendemos que o fornecedor ao fazer a opção de divulgar o seu produto e/ou serviço através de propaganda, assume o risco do negócio, que é inerente à sua atividade.

O empreendedor não é obrigado a fazer publicidade de conteúdo informativo e persuasivo para vender seus produtos e/ou serviços, mas, se assim o faz, abordando com ousadia o consumidor nos diversos lugares em que se encontra e tentando assediá-lo das mais variadas técnicas de vendas agressivas, tais como a insistente distribuição de folhetos e a exaustiva propaganda através dos meios de comunicação, a exemplo do rádio, jornal e televisão, objetos deste estudo, assume o risco de se submeter ao direito de arrependimento facultado pela norma consumerista ao consumidor, que, como já dissemos anteriormente, tem como fim, garantir à parte mais vulnerável da relação de consumo, a real vontade de contratação.

Como bem ressalta Rizzatto Nunes7: "Uma das características principais da atividade econômica é o risco175. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades por parte do empresário é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é dele."

Sobre o lugar da celebração do contrato, dispõe o novel Código Civil Brasileiro:

"Art.435.Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto."

Como bem assevera Wilson Gianulo8: "Mesmo que a proposta tenha ido encontrar o policitado em outra localidade, mesmo em outro país, tem-se por celebrado o contrato no lugar em que foi proposto."

Quanto ao critério para se fixar o lugar da celebração do contrato, encontrando-se o consumidor na posse do folheto ou diante de qualquer outra forma de publicidade que atenda aos fins deste estudo, provado estará o fato, cabendo ao estabelecimento comercial a prova de que não fez a proposta fora do seu local habitual de comércio, através da inversão do ônus da prova, na forma do art.6°, VIII, do CDC.

Pelo exposto, concluímos:

a)a oferta de produtos e/ou serviços divulgada pelo fornecedor através de folhetos, bem como pelo rádio, jornal e televisão, quando faz constar da mesma, o produto e/ou serviço, devidamente identificados e o preço, nos termos do art.30 do CDC, considera-se explícito o consentimento do fornecedor no sentido de querer contratar com o consumidor nos termos da divulgação veiculada e nesse contexto, equivale a uma proposta de contrato;

b)sendo a oferta uma proposta, quando for esta apresentada ou veiculada fora do estabelecimento comercial e em havendo a aceitação pelo consumidor, considera-se celebrado o contrato no lugar em que ele é proposto, consoante dispõe o art.7º, caput, do CDC c/c art.435 do NCCB;

c)é possível o direito de arrependimento previsto no art.49 do CDC, nos contratos celebrados em função de oferta veiculada através de folhetos e propagandas no rádio, jornal e televisão, sempre que atenderem ao disposto no art.30 do CDC, vez que, presentes os requisitos essenciais do contrato: produto ou serviço, preço e o consentimento do fornecedor, que é explícito nas ofertas.


BIBLIOGRAFIA:

1 – A informação como direito fundamental do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001.

2 - Contratos no Novo Código Civil, 2ª edição, São Paulo : Editora Método, 2004, pág.169;

3 –Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: aspectos materiais/ Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. –São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003, pág.186;

4 - Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, pág.603;

5- Psicologia do consumidor e da propaganda, ed. E.P.U, ano 1988;

6 - Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto – 8. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pág.550;

7 – Curso de Direito do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2004, pág.153.

8- Novo Código Civil Explicado e Aplicado ao Processo – São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003, pág.757.

Sobre o autor
Winston Neil Bezerra de Alencar

Mestre e doutorando em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP. Especialista em direito das relações de consumo pela PUC-SP. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Winston Neil Bezerra. O direito de arrependimento nas ofertas divulgadas pelo fornecedor de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 647, 16 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6478. Acesso em: 24 nov. 2024.

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