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A crise de jurisdição, o ativismo judicial e a legitimidade: o nexo causal com o momento político atual brasileiro

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Agenda 16/07/2018 às 15:00

O ativismo judicial, a legitimidade e uma potencial crise de jurisdição

O tópico que pretende encerrar este trabalho encerra questões que se entrelaçam no momento atual, pois os dois processos retromencionados trouxeram à tona não só a paixão pela discussão filosófica e política, mas a divisão entre os que entendem ser legitimo o processo e os que entendem ser, no linguajar corriqueiro, um golpe.

Evidentemente não temos a pretensão de responder este questionamento por não se tratar de tema envolto em discussão sociológica, mas de temática pretensamente jurídica, pois o que se tem discutido é justamente a legitimidade do processo e a questão da jurisdição parece-nos dar o norte pretendido para tentarmos produzir alguma resposta aproveitável a desiderato proposto.

Pode-se, como ponto de partida comum, voltar-se ao pensamento esposado por Kelsen (1999, p. 153) em sua conhecida obra “Teoria Pura do Direito”:

Como a Teoria Pura do Direito, enquanto teoria jurídica positivista, não fornece, com a norma fundamental do Direito positivo por ela definida, qualquer critério para apreciação da justiça ou injustiça daquele Direito e, por isso, também não fornece qualquer justificação ético-política do mesmo, ela é muitas vezes considerada como insatisfatória. O que se procura é um critério segundo o qual o Direito positivo possa ser julgado como justo ou injusto - mas, sobretudo, segundo o qual ele possa ser legitimado como justo.

Ou seja, numa análise pontual, desprovida da paixão que o tema pode suscitar e que se torna necessária a tal análise ante ao crescente ativismo judicial, temos uma ambiguidade instalada, pois o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, é um sistema de jurisdição constitucional extremamente complexo, onde impera o controle difuso e concentrado de constitucionalidade, com a agravante, no campo processual civil, de estarmos vivendo a transição de um código de processo de 1973 para uma nova ordem processual civil estabelecida pela Lei 13.10/2015.

Como agravante, o nosso Supremo Tribunal Federal, ao contrário do sistema da Commom Law americano, não tem a vinculação aos precedentes como orientação jurisprudencial, exigindo de nossos julgadores uma construção complexa de convencimento, e que tem sido exigido por todas as partes litigantes que o tem buscado como último bastião da legalidade e da constitucionalidade.

Talvez com o advento do referido novo CPC estejamos caminhando para uma busca de soluções novas na resolução de velhos problemas no campo judicial.

Neste sentido o entendimento de Ionilton Pereira do Vale (2016), quando tratou de “O Ativismo Judicial: conceito e formas de interpretação”, segundo o qual “o ativismo judicial, portanto, está ligado ao fenômeno da judicialização da política, concorrendo uma série de fatores, para este fenômeno, tais como: um sistema político democrático; a separação dos poderes; o exercício dos direitos políticos; o uso dos tribunais pelos grupos de interesse; a inefetividade das instituições majoritárias; a transferência dos poderes decisórios de outros poderes ao Poder Judiciário.”

Segundo o autor, ao falarmos de ativismo judicial, temos como maior dificuldade a sua perfeita identificação, como se depreende do texto abaixo:[29]

O problema na identificação do ativismo, judicial, reside nas dificuldades inerentes ao processo de interpretação constitucional. Afinal, o parâmetro utilizado para caracterizar uma decisão como ativismo ou não reside numa controvertida posição sobre qual é a correta leitura de um determinado dispositivo constitucional. Mais do que isso: não é a mera atividade de controle de constitucionalidade - consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo - que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão Jurisdicional, mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder.(AAVV, Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Organizadora Vanice Regina Lírio do Valle. Curitiba: Juruá Editora, p. 76.)


O possível nexo de causalidade do momento político atual brasileiro com os fatos apresentados.

Como se pode depreender do conteúdo deste arrazoado, ao falarmos em jurisdição, suas características principais, legitimidade e ao observarmos o momento político brasileiro na atualidade onde duas das maiores autoridades públicas são destituídas de sua função, o que também permitiu a abordagem do ativismo judicial, mesmo que de maneira superficial, chega-se então ao pretendido momento inicial que seria traçar um paralelo único que permita acomodar todas essas discussões dentro de um mesmo contexto, e que foi efetivamente apresentado como maior problematização até aqui, pois fica a dúvida se há enfim uma potencial crise de jurisdição a ser observada.

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Evidentemente os conflitos apresentados, em decorrência dos mais variados motivos, não são fruto de mera presunção de um escriba, notadamente porque em que pese a gravidade institucional do momento político atual e a natural morosidade de muitas das discussões judiciais, no tocante ao tema afastamento anteriormente comentado, cuja responsabilidade jurisdicional é integralmente do Supremo Tribunal Federal, temos experimentado, relativa agilidade, mesmo que em detrimento de muitas ações que jazem naquela corte suprema à espera da mesma agilidade.

Essa morosidade, aliás, é objeto de análise de Maria Cristina Schneider Lucion e Fabiana Fachinetto Padoin (2011, p. 177), em seu estudo intitulado “A Crise de Jurisdição e a Mediação como Instrumento Alternativo de Resolução dos Conflitos”, quando abordam a crise do judiciário e a necessidade de alternativas autocompostas de resolução de conflitos, trazem o seguinte entendimento a pretexto de uma crise mais real no judiciário:

A morosidade dos processos judiciais é um problema antigo, que se dá tanto pela natural necessidade de tempo para a concretização da correta verdade processual, quanto, e principalmente, pelo congestionamento do Poder Judiciário, que cada vez mais demonstra não ter estrutura suficiente para resolução, em tempo hábil de todos os conflitos que vêm a seu conhecimento. Esse processo lento até a decisão final de um conflito reflete intimamente na vida das partes litigiosas, que costumam aguardar por muitos anos para ver seu problema resolvido, o que ocasiona, muitas vezes, a ineficácia prática da decisão judicial e o repúdio da sociedade, que se frustra em virtude da demora da resposta do Judiciário. Daí falar-se em crise do Judiciário.

Dessa maneira, em conclusão às indagações apresentadas e de tudo o que se pode trazer à lume nesse breve estudo, algumas considerações são passíveis de conclusão imediata e outras nem tanta, ao gosto do leitor, mesmo porque o tema não se limitaria a uma análise pontual (verticalizada como dito antes), admitindo outros prismas variados que serão passíveis a partir dessas considerações.

No entanto, à guisa de encerramento pode-se enfim observar, começando pelo comentário final e sem guardar privilégios de ordem, que:

1.A análise de uma crise de jurisdição neste momento político brasileiro, ante ao afastamento tanto da ex-presidente da república, quanto do ex-presidente da Câmara Federal não pode ser observada de forma isolada, admitindo uma resposta ambígua, pois para o tema em questão, que no campo judicial, esteve (como está e ainda estará por um bom tempo), ao mero talante do STF não se pode, neste quesito, alegar-se a existência de uma crise, pois no que se exigiu celeridade para as questões mais pontuais, a nossa Suprema Corte agiu com a devida celeridade que o caso requeria;

2.Como contraponto a afirmação acima, como a mesma Corte foi exposta a uma enxurrada de questionamentos, dos mais variados interessados e ante a imperiosidade do tema, o privilégio que se pode dar a ele em especial, só fez aumentar a morosidade dos inúmeros outros temas de importância que aguardam a mesma agilidade processual, ficando evidente que, no tocante a esses, há sim uma crise histórica de morosidade que só fez aumentar a angústia daqueles que buscam a tutela jurisdicional do Estado;

3.Ainda a pretexto da alegada crise entre o judiciário e o legislativo e a alentada independência dos poderes, a nossa Suprema Corte tem sido acionada com o que podemos chamar de extrema volúpia e frequência pelos interessados de todos os lados e o Judiciário tem tido o cuidado de não macular a grande maioria das decisões das duas casas do nosso legislativo, evitando-se com isso uma exagerada intromissão, por entender que essa autonomia, respeitado o devido processo legal, seria um limite intransponível, mesmo para o STF;

4.A busca desenfreada do judiciário, em especial do STF (sempre tendo-se em vista os dois casos em tela) tem produzido a pretendida legitimidade anteriormente discutida, deixando-se antever que as partes litigantes continuam buscar a tutela jurisdicional para as demais questões que lhe são apresentadas ao longo de todo o processo e após o mesmo, o que, a nosso ver, produz uma aceitação tácita dos fatos, legitimando-os pelo menos sob a ótica constitucional apresentada, uma vez que todas as garantias foram e estão sendo respeitadas pelo nosso excelso tribunal; ou seja, o ativismo judicial praticado pelas partes descontentes, tem convalidado todo o processo após o mesmo ser objeto da apreciação da referida corte.

Ex positis, num arroubo de pensamento Kelseniano, sendo purista ao extremo, mesmo considerando todos os demais aspectos e variantes filosóficas, jurídicas e políticas, entendemos, em certo grau de conclusão, que os fatos analisados podem até possuir vícios relativos processuais, mas não carecem de legitimidade, pois o próprio ativismo judicial perpetrado nos últimos meses, acabou por convalidar os atos praticados no referido afastamento.


REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

CADERMATORI, Sergio. Estado de direito e legitimidade. Uma abordagem garantista. 2. ed. Campinas: Millennium, 2006. Apud MARIANO, Cynara Monteiro in “LEGITIMIDADE DO DIREITO E DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA: O restabelecimento da primazia do poder constituinte, do poder legislativo e de um positivismo ético na teoria constitucional” (Tese de Doutoramento em Direito). Fortaleza: Universidade de Fortaleza – UNIFOR, 2009.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 19ª ed., 2003. Apud GARCIA.

FERNANDES SCARANCE, Antônio. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 3ª ed., 2002. Apud. GARCIA.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho Y razón. Madrid: Trotta, 1995. Apud MONTEIRO

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. A jurisdição e seus princípios. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 287, 20 abr. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4995>. Acesso em: 24 set. 2016.

KELSEN, Hans. Trad. MACHADO, João Baptista. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

LUCION, Maria Cristina Schneider e PADOIN, Fabiana Fachinetto. A Crise de Jurisdição e a Mediação como Instrumento Alternativo de Resolução dos Conflitos. Revista DIREITO & PAZ. Lorena – SP: UNISAL. – ANO XIII – Nº 24 – 1º Semestre, 2011.

MARIANO, Cynara Monteiro in “LEGITIMIDADE DO DIREITO E DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA: O restabelecimento da primazia do poder constituinte, do poder legislativo e de um positivismo ético na teoria constitucional” (Tese de Doutoramento em Direito). Fortaleza: Universidade de Fortaleza – UNIFOR, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000. apud. GARCIA.

SANDELL, Michael J. Trad. MATIAS, Heloísa e MÁXIMO, Maria Alice. 16ª ed. Justiça. O que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 25ª ed., 2003. Apud. GARCIA.

VALE, Ionilton Pereira do. O Ativismo Judicial: conceito e formas de interpretação. Disponível em: http://ioniltonpereira.jusbrasil.com.br/artigos/169255171/o-ativismo-judicial-conceito-e-formas-de-interpretacao. Acesso em 24 set. 2016.

Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: julberto@consult.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRA JUNIOR, José Julberto. A crise de jurisdição, o ativismo judicial e a legitimidade: o nexo causal com o momento político atual brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5493, 16 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64814. Acesso em: 3 mai. 2024.

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