OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS E A CARTA DOS DIREITOS DO HOMEM
Ao falarmos em Direitos Fundamentais, lastreados no entendimento de BRANCO (2002, p. 105), encontramos o arcabouço histórico para os direitos humanos na filosofia de São Tomás de Aquino, que, por sua vez, defendia um direito natural, partindo de um pressuposto de que a concepção do homem produziu uma criatura feita à semelhança de Deus, e, como tal, devendo ser tratado.
Quando observarmos os princípios estabelecidos em nosso texto constitucional observa-se a preocupação com a manutenção da dignidade humana, mesmo que tenhamos como histórico, ao longo do tempo, a discussão de uma maior ou menor intervenção estatal, o que, por si só já justifica a ação regulatória do Estado.
Se formos buscar os primórdios da intenção constitucional, podemos acrescentar ao que se disse o posicionamento da Convenção Americana dos Direitos Humanos[14], datada de 1969, que inicia, em tom de exortação (até mesmo por conta da soberania de cada Estado), a obrigação dos Estados-Membros em respeitar direitos do homem, de onde tiramos o respeito à dignidade humana anteriormente observada.
O referido artigo46 assim expõe, “ipsis litteris:
Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Mais que isso, as palavras preambulares da referida Carta demonstram um pouco do que nossos princípios constitucionais tentaram demonstrar, na mesma esteira dos países mais civilizados e que nos permitem encerrar efetivamente tais considerações (ressaltando que isso não significa esgotar o tema) com intenção reflexiva[15]:
Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais;
Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos;
Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional;
Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos;
Ressalte-se, no entanto, que o tema já vinha sendo discutido até mesmo antes da referida Convenção, considerando-se como ponto de partida mais recente a Constituição de Weimar de 1919, que em grande parte, segundo SARLET e FIGUEIREDO (2008) serviu de inspiração à nossa Carta de 1988, que assim se pronunciaram:
No caso do Brasil, embora não tenha havido uma previsão constitucional expressa consagrando um direito geral à garantia do mínimo existencial, não se poderia deixar de enfatizar que a garantia de uma existência digna consta do elenco de princípios e objetivos da ordem constitucional econômica (art. 170, caput), no que a nossa Carta de 1988 resgatou o que já proclamava a Constituição de Weimar, de 1919.[16]
Segundo os autores, ainda,
... os próprios direitos sociais específicos (como a assistência social, a saúde, a moradia, a previdência social, o salário mínimo dos trabalhadores, entre outros) acabaram por abarcar algumas das dimensões do mínimo existencial, muito embora não possam e não devam ser (os direitos sociais) reduzidos pura e simplesmente a concretizações e garantias do mínimo existencial, como, de resto, já anunciado. Por outro lado, a previsão de direitos sociais não retira do mínimo existencial sua condição de direito-garantia fundamental autônomo e muito menos não afasta a necessidade de se interpretar os demais direitos sociais à luz do próprio mínimo existencial, notadamente para alguns efeitos específicos...
Tomam o cuidado de observar que há relação profunda entre o mínimo existencial e os direitos fundamentais de maneira geral, mas observam que o conteúdo da dignidade humana equivale necessariamente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, assentando o entendimento de que, em sua ótica, “não é certo que todos os direitos fundamentais tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana e, portanto, um conteúdo certo em dignidade, assim como não é correto afirmar que o conteúdo em dignidade dos direitos (que sempre é variável) seja sempre equivalente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.”
A pretexto de nossa constituição e suas influências, do ponto de vista metodológico formal, segundo Ana Paula de Barcellos (BARCELLOS, 2005, p. 84), temos que o constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais.
São elas:
(i) a normatividade da Constituição, isto é, o reconhecimento de que as disposições constitucionais são normas jurídicas, dotadas, como as demais, de imperatividade;
(ii) a superioridade da Constituição sobre o restante da ordem jurídica (cuida-se aqui de Constituições rígidas, portanto); e
(iii) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos, por força do fato de que os demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados a partir do que dispõe a Constituição.
.Segundo a referida professora, ainda:
... essas três características são herdeiras do processo histórico que levou a Constituição de documento essencialmente político, e dotado de baixíssima imperatividade à norma jurídica suprema, com todos os corolários técnicos que essa expressão carrega.
Assim, quando nos referimos ao histórico anterior para chegarmos ao contexto atual, o que inclui a carta de São José retro comentada, buscamos justificar o viés político social que os direitos fundamentais possuem em nosso contexto e que não pode ser desprezado, cabendo ao Estado Contemporâneo, garantir a efetividade de tais direitos.
Neste contexto, a pretexto da efetividade dos direitos fundamentais e da conexa obrigação do Estado, assim se pronunciou a Professora Daiana Malheiros de Moura (MOURA, 2014, p. 1-2), quando do XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea[17]:
O Estado Contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das prestações, incumbe a ele garantir e preservar os direitos de seus cidadãos, bem como agir em favor de toda a Sociedade na busca do bem comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais.
Dentre os direitos fundamentais que o Estado tem o dever de garantir, destacamos o direito a dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio.
O certo é que nosso texto constitucional incorporou as orientações da Convenção americana dos Direitos Humanos como fruto natural do processo evolutivo histórico porque passou o mundo e o nosso país, a tal ponto, que nossa constituição atual é reconhecida como a “Constituição Cidadã”, justamente porque ousa colocar como prioridade o indivíduo, o ser humano e a sua dignidade humana.
Não seria exagero inclusive, entender-se que o Estado brasileiro contemporâneo, fruto dessa evolução natural e das constituições anteriores, permitiu-se, notadamente com o advento da promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, definir-se como um Estado Democrático de Direito, pelo menos em tese, e isso, na teoria, é indiscutível, pois há extrema consonância entre o que se prega numa democracia e em um verdadeiro Estado de Direito, a tal ponto que em seu artigo 1º, inciso III, estabeleceu que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,.
Neste sentido, aliás, Canotilho (2003, p. 93), demonstrando haver conexão entre os fatos, assim se pronuncia:
Eis aqui as duas grandes qualidades do Estado constitucional: Estado de direito e Estado democrático. Estas duas qualidades surgem muitas vezes separadas. Fala-se em Estado de direito, omitindo-se a dimensão democrática, e alude-se a Estado democrático silenciando a dimensão de Estado de direito. [...] O Estado de direito constitucional democrático de direito procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de direito.
O MÍNIMO EXISTENCIAL COMO PRESSUPOSTO DE ATINGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DA DIGNIDADE HUMANA
Ao tratarmos do tema dos Direitos Fundamentais em tópico anterior, buscamos respaldo no pensamento de São Tomás de Aquino para justificar o Direito Natural do ser humano, então visto como a imagem e semelhança da divindade, e que como tal, deve ser visto com a dignidade que lhe seria peculiar, deixando antever que há uma aura necessária de respeito ao ser humano.
Segundo Simone de Sá Portella (2007), que também parte do conceito inicial de São Tomas de Aquino, termos, a pretexto da evolução histórica do conceito de mínimo existencial o seguinte histórico:
Nos séculos XVII e XVIII surgem as teorias contratualistas, que determinavam aos soberanos o exercício da autoridade com limite no direito natural, decorrendo a primazia do indivíduo sobre o Estado.
As Constituições surgem no Estado Liberal, como meio de afirmação e realização dos direitos humanos, em oposição ao absolutismo.
A proteção dos direitos humanos em face do Estado surgiu como reação ao poder das monarquias absolutistas. As mais graves ameaças à liberdade e à dignidade do homem, no limiar do constitucionalismo, provinham do Estado. Assim, diante da superação do absolutismo, a primeira expressão dos direitos humanos foi de identificação com a idéia de limitação do poder estatal.
As teorias contratualistas deram origem às Declarações de Direitos, como as Declarações de Virgínia, de 1776, a francesa e a Declaração Universal de direitos do homem, de 1948.
No direito tributário, durante o Estado Patrimonialista, período que compreende a derrocada do regime feudal até o final do século XVIII, não havia imunidade tributária dos pobres, e sim, da nobreza e do clero, o que Ricardo Lobo Torres, denomina de privilégios odiosos.
A proteção do mínimo existencial se dá com o Estado de Polícia. Alivia-se a tributação dos pobres e transfere-se para o Estado a proteção dos mesmos. Há a crítica da proporcionalidade, e se inicia com o cameralismo a defesa da progressividade tributária, com limite no mínimo existencial, com a retirada da incidência tributária sobre as pessoas que não possuem riqueza mínima para o seu sustento.
No Estado Fiscal de Direito se modifica o tratamento dado à pobreza, com a estruturação jurídica da imunidade do mínimo existencial e a assistência social aos pobres. A tributação passa a ser feita com base no princípio da capacidade econômica e no subprincípio da progressividade, que ingressam nas Constituições da França e do Brasil, com a proibição de tributação sobre a parcela mínima necessária à existência digna, aquém da capacidade econômica e, portanto, uma reserva de liberdade que limita o poder fiscal do Estado.
No Estado Social Fiscal, correspondente ao atual Estado de Direito, acentua-se a reflexão do mínimo existencial dentro dos direitos humanos.
...
A razão de Estado no Estado Democrático de Direito implica a concretização e efetividade dos direitos fundamentais, aplicando-se os instrumentos adequados, conforme a realidade de cada sistema. Deve-se considerar a finalidade existente em uma determinada Constituição, de modo a atingir uma solução útil e compatível com o Estado Democrático de Direito. Dentro desta perspectiva, a tributação se transforma em direitos e deveres, expressos no catálogo de princípios constitucionais, com imediata aplicação (art, 5º, § 1º, da CF).
Segundo o Professor Thadeu Weber (2013), ao tratar da ideia de um "mínimo existencial" de J. Rawls e fazer a conexão possível entre o “Mínimo Existencial” e a Dignidade assim se pronunciou:
A dignidade da pessoa humana como preceito ético e fundamento constitucional exige do Estado não só respeito e proteção, mas garantia de efetivação dos direitos dela decorrentes. Toda a pessoa é sujeito de direitos e deveres e como tal deve ser tratada. Quando, do ponto de vista jurídico, falamos de um "mínimo existencial" estamos tratando de algo intrinsecamente ligado à realização dos direitos fundamentais, que representam a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. A ideia que o norteia refere-se à preservação e garantia das condições e exigências mínimas de uma vida digna. Isso significa dizer que o direito ao mínimo existencial está alicerçado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana. Que esta seja respeitada, protegida e promovida é dever do estado. Mas o que é dignidade? Estará assegurada quando da realização efetiva dos direitos fundamentais? Mas não há aqui o risco de uma argumentação circular? Para explicitar o conteúdo da dignidade referimos os direitos fundamentais como sua concretização e para elaborar uma lista destes recorremos à dignidade. A propósito, cumpre apenas salientar, o que não é objeto desse trabalho, que os direitos fundamentais não esgotam o conteúdo da dignidade da pessoa humana e, também, como afirma Sarlet, "não é certo que todos os direitos fundamentais tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana". Para o autor não há equivalência entre "o conteúdo em dignidade" e o "núcleo essencial dos direitos fundamentais”.
O Professor Ricardo Lobo Torres (p. 29-30), ao tratar do Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais, tratando da pobreza, assim se pronunciou:
Há um direito às condições mfnimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas.
O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão.
Carece o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente não-fundamental (direito à saúde, à alimentação etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável. Não é mensurável, por envolver mais os aspectos de qualidade que de quantidade, o que toma difícil estremá-lo, em sua região periférica, do máximo de utilidade (maximum welfare, Nutzenmaximierung), que é princípio ligado à idéia de justiça e de redistribuição da riqueza social. Certamente esse mínimo existencial, se o quisermos determinar precisamente, é uma incógnita muito variável".
O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza. Aqui também há que se distinguir entre a pobreza absoluta, que deve ser obrigatoriamente combatida pelo Estado, e a pobreza relativa, ligada a causas de produção econômica ou de redistribuição de bens, que será minorada de acordo com as possibilidades sociais e orçamentárias. De assinalar, todavia, que inexiste definição apriorística de pobreza absoluta, por ser variável no tempo e no espaço e, não raro, paradoxal, surgindo tanto nos países ricos como nos pobres.
O desrespeito à figura da dignidade da pessoa humana é impensável sob todos os pontos de vista e trata-se, segundo Marcella Gomes de Oliveira e Paulo Ricardo Opuzka (2014, p. 454), referenciando SARLET, como se vê:
A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, constituindo um elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade.
Interessante ainda a observação feita por Fábio Konder Comparato (2016, p. 31)[18], onde entende não haver pleonasmo algum no uso da expressão pessoa humana, tendo em vista uma concepção religiosa do mundo:
A segunda fase na história da elaboração do conceito de pessoa inaugurou-se com Boécio, no início do século VI. Seus escritos influenciaram profundamente todo o pensamento medieval. Ao rediscutir o dogma proclamado em Niceia, Boécio identificou de certa forma prósopon com hypóstasis, e acabou dando à noção de pessoa um sentido muito diverso daquele empregado pelo Concílio. Em definição que se tornou clássica, entendeu Boécio que persona proprie dicitur naturae rationalis individua substantia (“diz-se propriamente pessoa a substância individual da natureza racional”).
Neste contexto, ganha efetiva importância a figura do mínimo existência, como pressuposto para que se atinja a pretendida dignidade humana e enfim sejam respeitados os direitos fundamentais do cidadão e isso foi considerado em nosso texto constitucional que, estabelece, em síntese: os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 7º, IV)[19]
O certo, em que pese haver outros dispositivos que buscam o mesmo objetivo, é que esse, em especial espelha um pouco de nossa crítica anterior à distância abissal da realidade ante à teoria principiológica que nossa Carta Constitucional prega.
Segundo Clayton Reis (2016, p. 81), ”a partir da ideia de mínimo social, a sociedade pode assegurar bens mínimos para a sobrevivência do homem. ”
Esta preocupação reincidente daquilo que se pretendia, ante a realidade nua e crua do dia-a-dia, deixa antever que o Estado Contemporâneo brasileiro, não atende ao clamor do cidadão até mesmo em situações que envolvam o mínimo existencial a que alude John Raws (1995, p. 218-219), em sua obra clássica “Liberalismo Político”, que por sua vez, sustenta que o mesmo independe de lei, sendo também um princípio constitucional essencial, assegurado independentemente do poder legislativo.
Portanto, deve suplantar até mesmo o texto legal e ser tratado como valor natural e intrínseco de quem compreende e persegue como objetivo a dignidade humana.
Rawls, ao tratar desse conteúdo mínimo, sustenta que o mesmo deixa de ser um fim a ser atingido pelo legislador, independentemente de atuação legislativa, mas um meio, sendo, a nosso ver, o próprio substrato (dito como um pressuposto lógico) para que sejam atingidos os Direitos Fundamentais anteriormente preconizados e a própria dignidade humana pretendida.
Ressalte-se que, para o autor, tais prestações que excedam a esse mínimo dependeriam de lei, em conformidade com as políticas públicas voltadas ao atendimento da justiça social preconizadas pela carta magna.
Nesse sentido, vale a transcrição de John Rawls (1995, p. 217-218):
Observese que existe, ademas, outra importante distincion entre los principios de justicia que especifican los derechos y las libertades básicas em pie de igualdad y los principios que regulan los asuntos basicos de la justicia distributiva, tales como la liberdad de desplazaimiento y la igualdad de oportunidades, las desigualdades sociales y económicas y bases sociales del respeto a si mismo.
Un principio que especifique los derechos y libertades basicas abarca la Segunda clase de los elementos constitucionales esenciales. Pero aunque algun principio de igualdad de oportunidades forma parte seguramente de tales elementos esenciales, por ejemplo, un principio que exija por lo menos la liberdad de desplazamiento, la eleccion libre de la ocupacion y la igualdad de oportunidades (como la he especificado) va mas alla de eso, y no sera un elemento constitucional. De manera semejante, si bien un minimo social que provea para las necesidades basicas de todos los ciudadanos es tambiem un elemento esencial, lo que he llamado el “principio de diferencia” exige mas, y no es un elemento constitucional esencial.
O conceito de mínimo existencial[20], com nítido viés de origem socialista (com algumas ressalvas liberalistas mais radicais de direita), já é considerado até mesmo no campo liberal, que também pressupõe a existência assecuratória de condições básicas de vida como garantidoras da possibilidade de pleno gozo da liberdade humana.
Robert Alexy (2003, p. 37) defende e usa a expressão “mínimo existencial”, estando o mesmo relacionado à garantia de prestações básicas que permitam a todos os cidadãos viver dignamente, sendo, simultaneamente, um direito universal, e, nos Estados organizados pelo princípio social um dever do poder público.
Até mesmo John Raws, citado por Daniel Sarmento (2005, p. 167-217), em obra posterior, em que trata da Teoria da Justiça (1994), entendeu que uma “sociedade justa, atribuíra absoluta prioridade à proteção, igual para todos, das liberdades individuais básicas”, complementando:
[...] e só depois de assegurado plenamente esse princípio de maximização das liberdades, passar-se-ia à aplicação do segundo princípio de justiça, que ele chamou de princípio da diferença, segundo o qual as desigualdades econômicas deveriam ser distribuídas de forma que: (a) beneficiasse as pessoas menos favorecidas; (b) mantivesse sempre abertas oportunidades iguais para todos.
Nesta mesma linha, fazendo conexão com os direitos fundamentais como exigência e concretização do princípio da dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 96) assim leciona:
[...] verifica-se ser de tal forma indissociável a relação entre a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá – apenas a partir desse dado – concluir que não se faça presente, na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
O chamado mínimo existencial não pode ser confundido com o conceito de conteúdo vital ou um mínimo de sobrevivência (ou até mesmo um mínimo possível), uma vez que este último não abrange as condições de sobrevivência digna e de uma vida com relativa qualidade.
Não se permitir que alguém padeça de fome seria apenas o primeiro passo em termos de garantia do mínimo existencial, não sendo, necessariamente, o suficiente, mas influenciou quem sustentava a ideia de que a obrigação do Estado estaria limitada à garantia do mínimo vital, posição minimalista perto do conceito de mínimo existencial.
Observa-se, portanto, aqui, o que se acostumou chamar de teoria da “Reserva do Possível”, que, na sua origem, não se relaciona exclusivamente à existência de recursos materiais/financeiros, suficientes para a efetivação dos direitos sociais, mas, sim, à razoabilidade da pretensão proposta frente à sua concretização.
SARLET e FIGUEIREDO (2008), a pretexto desse conceito de “Reserva do Possível”, se posicionaram da seguinte maneira:
A construção teórica da “reserva do possível” tem, ao que se sabe, origem na Alemanha, especialmente a partir do início dos anos de 1970. De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a “reserva do possível” (Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a idéia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público. Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador.
SARLET e FIGUEIREDO, na mesma obra, sustentam que essa reserva do possível possui dimensão tríplice que abrange:
a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.
Nessa esteira, os dois autores, acerca dessa tríplice dimensão, que.
todos os aspectos referidos guardam vínculo estreito entre si e com outros princípios constitucionais, exigindo, além disso, um equacionamento sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, possam servir não como barreira intransponível, mas inclusive como ferramental para a garantia também dos direitos sociais de cunho prestacional.
O fato é que, após tantas considerações, e feitas as devidas diferenças entre o mínimo existencial para o dito mínimo vital e também para a reserva do possível, por certo estes últimos não tem o condão de garantir a aplicação dos direitos fundamentais e até mesmo colocando em risco a dignidade humana, pois a realidade brasileira do Estado Contemporâneo (que abordaremos no tópico posterior) serve de limitador a tal desiderato, não sendo demais considerar que temos, na atual conjuntura nacional, um triste e lastimável quadro do mínimo possível, aquém, portanto, até mesmo daquilo que seria minimamente exigível (mínimo possível) e anos-luz do sonhado mínimo existencial, o que, por via direta, desrespeita os direitos fundamentais do cidadão brasileiro, e, com repetida frequência, a sua dignidade.