Este artigo foi elaborado em 28 de abril de 1997 pelo então Ten Cel PM Navega, hoje Coronel PM da Reserva Remunerada, objetivando conscientizar a sociedade em geral, as autoridades, os políticos e os governantes da importância e da necessidade de tratar as questões de Ordem Pública – Segurança Pública com maior atenção, seriedade e continuidade a nível de Objetivo Nacional Permanente.Hoje, em 2018, lamentavelmente 21 anos depois nada mudou.
1. Considerações iniciais
O sistema criminal geral, dentre ele o policial e o penitenciário, estão com graves problemas estruturais e operacionais. Há mais de uma década às providências foram negligenciadas pelos reais respostáveis. Nada de sério, de eficaz foi desenvolvido e implantado para evitar o atual caos na segurança pública do país.
Passou da hora de cobrarmos as responsabilidades e as providenciais aos responsáveis! A caótica situação dos órgãos incumbidos da Preservação da Ordem Pública e de todo o Sistema Criminal Brasileiro em geral aumentou e piorou “aos olhos cegos” das autoridades federais, estaduais e por que não dizer da própria sociedade.
Acredita-se que o fator segurança está entre os primeiros anseios da população, particularmente nos grandes centros urbanos, onde o crime e a violência veem se alastrando de forma assustadora.
Daí necessário que o enfrentamento da criminalidade não pode ficar exclusivamente sob á responsabilidade das instituições elencadas no art. 144 da Carta Constitucional incumbidas da Segurança Pública. Veja-se:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Certamente os governos devem além de programar medidas instrumentais e de gestão para o sistema criminal, que na minha ótica é representado pela reunião de todos os órgãos de controle social, a exemplo do sistema policial e penitenciário; da legislação penal; do Juízo Criminal; do Ministério Público; da Defensoria Pública; da Advocacia Criminal, etc..., procurar ainda desenvolver outros programas de governo igualmente importantes e eficazes que permita exercer prevenção geral contra a criminalidade e a violência.
Esses programas devem abranger toda a sociedade brasileira objetivando atacar as causas da criminalidade nos demais campos que não sejam aqueles de responsabilidade da polícia. Fato é que o enfrentamento da criminalidade não deve ficar exclusivamente sob á responsabilidade das polícias.
Daí a necessidade de se elaborar um estudo científico que possa resultar em medidas sérias e permanentes ao invés de programas paliativos e empíricos a que assistimos a exemplo das “Cruzadas contra o crime”, dos “Mutirões contra a Violência”, etc..., que na verdade se limitaram a distribuir algumas viaturas, uniformes e armamentos para as Polícias Estaduais.
Ora, escolhemos nossos representantes políticos, mas não nos lembramos de cobrar-lhes os resultados almejados. Por que não afirmar que todos nós subestimamos e relegamos a importância das Polícias para o convívio em sociedades e para proporcionar melhor qualidade de vida aos cidadãos.
Os incisos do dispositivo constitucional acima transcrito relacionam os órgãos incumbidos da missão de atuar na defesa pública – ordem pública, contudo, não só esses órgãos são reesposáveis por essa tarefa, pois a Segurança Pública é “direito e dever de todos”. Fato é que o governo e a sociedade devem unir esforços para identificar e atacar as causas da criminalidade implicitamente presentes no campo econômico, educacional, social e cultural. É uma tarefa difícil e complicada, mas deve-se começar agora!
Dessa forma, todos os cidadãos devem zelar e fazer o possível para garantir a preservação da sua segurança e do próximo, colaborando e interagindo intensamente com as autoridades do setor. A segurança é um instituto de extrema complexidade e deve envolver não só os entes estatais, mas também toda a comunidade.
A sociedade consciente da importância da Segurança Pública para o seu convívio social, harmônico e estável, não deve deixar a responsabilidade somente com os governos. Pode e deve fazer a sua parte cooperando intensamente, dentro de suas possibilidades, para alcançar o bem comum e a segurança eficaz que tanto almeja.
2. Política Nacional de Segurança Pública
Passamos da hora da adoção de uma Política Nacional de Segurança Pública em nível de Objetivo Nacional Permanente adotando-se medidas complementares ao emprego das Polícias. Essas medidas vão desde a redistribuição da renda nacional; a questão do desemprego; do planejamento familiar; da educação; do saneamento básico e da habitação; da iluminação pública, da efetiva limpeza de terrenos baldios, do menor carente e infrator, das drogas, da oportunidade à melhor qualidade de vida; do acesso aos serviços públicos em geral e demais similares, passando pela discussão, análise e reestruturação do sistema criminal brasileiro.
Cabe ao Poder Público se fazer presente nas comunidades carentes, nos bairros contaminados pelo crime, etc..., oferecendo a elas não só Polícia, mas também os direitos e garantias constitucionais possíveis, demonstrando que o “Governo é o Governo” e não pode ser substituído pelo malfeitor, pelo contraventor, pelo traficante, pelas milícias, etc...
É de suma importância que o Poder Público, além de acionar os mecanismos de prevenção e repressão, programe ações que tenham por finalidade atacar as causas da violência e da criminalidade de forma geral.
Coordenar e apoiar efetivamente as entidades particulares e públicas incumbidas ou interessadas na questão a exemplos das Guardas Municipais, Conselho Municipal de Entorpecentes, Curadoria do Menor, Patrulha Mirim, Instituições ligadas ao menor carente, Associação de Pais e Mestres, Clubes de Serviços, Associações de Classe Comunitária, Ordem Maçônica, algumas ONGS e entidades sérias protetoras de direitos humanos, os meios de comunicação social, as instituições religiosas, etc..., será um bom caminho a percorrer.
Enfim, apoiar todas as Entidades e Instituições privadas ou não que tenham potencial para somarem esforços na difícil tarefa de conseguir-se manter a criminalidade em nível suportável - controlada, isto é, dentro de uma avaliação feita pela própria comunidade considerando-se os fatores sócios econômicos e políticos.
Fato é que Segurança é um estado psicológico imensurável de difícil alcance total. Fica evidente que somente com a ocorrência de uma transformação profunda na sociedade poderia propiciar condições de convivência capazes de gerar um nível ideal de segurança onde as pessoas não sentissem ameaças potenciais ou reais a qualquer de seus direitos e garantias constitucionais.
A caminhada na busca desse ideal deve ser real, permanente e constituir preocupação de todos os cidadãos. Pode-se observar que quase todas as medidas citadas não dependem das Instituições policiais e sim de políticas de outras áreas de governo e da própria sociedade as quais são completamente estranhas ao sistema de Segurança Pública. Daí se reforça a tese de que a questão do controle da criminalidade e da violência não deve se restringir às ações de Polícia. É preciso muito mais!
3 . Todos entendem do tema Segurança Pública, "menos os policiais"
O aumento vertiginoso da criminalidade e da violência tem provocado severas críticas aos órgãos incumbidos pela Segurança Pública. Questiona-se a eficácia destas instituições na área de suas responsabilidades. Tem-se como verdadeira a ideia de que as Polícias, Civil e a Militar, são as únicas responsáveis pelo clima de insegurança que reina pelo país. Será verdade? É justa esta cobrança? Acredita-se que não é!
Reitero, as Polícias atuam nos efeitos da criminalidade, enquanto as causas são de responsabilidade de outros órgãos de governo e da própria sociedade! O tema deveria discutido e analisado cientificamente com seriedade, com responsabilidade, durante tempo suficiente para encontrar-se a solução ideal, eficaz e duradoura, já que o assunto é de vital importância para a tranquilidade, paz e segurança da sociedade brasileira.
Infelizmente, não é o que estamos assistindo. Todos entendem de Segurança Pública / Ordem Pública / Polícia: médicos, engenheiros, empresários, promotores, juízes, militares federais, sociólogos, psicólogos, políticos, juristas, assessores especiais de governo, repórteres, advogados, cientistas políticos, etc... Parece o nosso futebol! Só os profissionais de polícia é que "não sabem nada da matéria".
Quase sempre os policiais não são chamados a opinar sobre o assunto e para buscar as soluções conjuntamente com as autoridades políticas. Quando permitem a eles, policiais, opinar não os levam a sério, sob a alegação de serem corporativistas, radicais, ultrapassados, militares, etc...
A experiência profissional, os diversos cursos, os estágios, as pesquisas constantes, os trabalhos técnicos, a dedicação exclusiva, os Cursos de Formação de Oficiais (CFO), de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) e Superior de Polícia (CSP), a formação universitária (cursos civis), não são considerados e ainda, quase sempre não possuem valor algum, porque “todos entendem de Polícia”, menos os profissionais de polícia!
Quase sempre, quando consultados, as opiniões e propostas dos profissionais de polícia não se “encaixam” nos orçamentos governamentais porque não há vontade política em resolver a questão com a seriedade e a importância que o tema requer! Sempre foi assim. Prover segurança é muito caro mesmo!
Urge que todos participem dos debates sobre Segurança Pública, inclusive os profissionais de Polícia! Faz-se essa afirmação tendo em consideração que, ao longo da carreira, raramente fomos chamados interagir com os “técnicos e estrategistas de segurança pública de plantão”, com os assessores especiais, com “policiólogos”, com os políticos ocupantes de cargos ligados a segurança pública, etc...
Infelizmente, quase sempre, esses assessores especialistas só estão preocupados com o Marketing do Governo e nada mais! Geralmente prevalece a opinião deles, dos políticos, as conveniências e o marketing da Segurança Pública com seus programas mirabolantes, paliativos e temporários á exemplos dos diversos Planos Nacional de Segurança editado pelo Governo Federal.
Aqui no Estado de Mato Grosso do Sul lembra-se da “Operação Polvo”, da “PUA, da TORA, da ROTAM, do Grupo de Combate ao Crime de Abigeato”, todos com suas viaturas coloridas diferenciadas, com símbolos diversos, etc... , mas sem estrutura adequada e com preparo técnico profissional deficiente, utilizando os mesmos policiais militares que atuavam antes nas OPM.
O marketing de governo costuma ser tão intenso que consegue iludir até mesmo os profissionais de polícia mais qualificados e experientes no tema de segurança pública. Lembra-se ainda da aquisição eventual de algumas viaturas, uniformes e de armamentos, da incorporação prematura de efetivo não qualificado suficientemente, dos “mutirões contra a violência” e demais iniciativas simplistas sem nenhum planejamento e efetividade. Prioridade máxima para maior efetivo de policiais do que para a qualificação necessária! Sempre foi isso que assistimos!
Referidos programas de governo não periódicos e superficiais servem para mascarar o problema e adiar a solução eficaz que permita o controle da violência urbana e rural e do controle da criminalidade de forma genérica. Fato é que a questão da segurança é muito mais séria e complicada do que se apresenta!
Não é salutar que o tema segurança seja abordado com enfoque emocional e/ou corporativista. Óbvio que os órgãos de segurança devem passar por uma reestruturação eficaz que lhes permita obter condições de melhorar a qualidade dos serviços prestados, atendendo-se os anseios da sociedade. Certamente essa é também a vontade de todos os seus integrantes.
4. Nova administração do Estado - busca de melhores condições de trabalho prometidas pelos políticos durante a campanha
Quando da assunção de um governo estadual todas as nossas deficiências são apresentadas sistematicamente as autoridades da Segurança Pública. São confeccionados relatórios circunstanciados sobre os problemas dos órgãos de polícia, Civil e Militar, particularmente sobre as necessidades de meios e de recursos, da necessidade de melhor qualificar o efetivo e tudo mais necessário.
Os comandantes gerais das Polícias Militares, ávidos de esperanças, com entusiasmo batem às portas das Assembleias Legislativas, dos outros órgãos de governo, das entidades de classes, dos clubes de serviços, etc... , informando-lhes a situação caótica das corporações na esperança de conseguir melhorias significativas.
Há carência de efetivo qualificado, de material e equipamentos, de fardamento, de armamento, de viaturas, de manutenção e de combustível, de insumos de tecnologia de informática e de comunicações.
O salário e as condições de trabalho são inadequados; a assistência médica é deficiente; a escala de serviço “apertada” não permite a folga necessária ao bem estar da tropa por que o efetivo é insuficiente; a formação técnica profissional é efetivada por curto período de tempo; o treinamento para o uso de armas de fogo é deficiente por falta de munição necessária; não temos condições de selecionar o melhor do melhor por que a corporação não oferece condições atrativas necessárias aos pretendentes ao ingresso na corporação e por aí vai...
É lamentável e desalentador, mas essa é uma realidade de quase todas as corporações de Polícia Militar. Todas as corporações estão deficientes, umas mais e outras menos. É certo que há muito tempo não se faz investimento sério, planejado, contínuo e com responsabilidade na área de Segurança Pública.
Cada governo faz o seu marketing mascarado a realidade, “vendendo” uma imagem irreal da situação crítica e ainda costuma abortar os parcos programas da administração passada. Nada tem continuidade! Tudo começa do zero! Não é verdade?
Quando buscamos soluções para os problemas da Segurança Pública, devemos programar medidas abrangentes em nível de Governo Federal, Estadual e local. O incremento de programas estáveis e permanentes, a médio e em longo prazo, de forma que perdurem de governo para governo sem sofrer solução de continuidade seria uma estratégia necessária.
Decisões imediatas, sem maiores reflexões, desviam do caminho da melhor e eficaz solução. Pela razão exposta acima se acredita que o problema da violência e da criminalidade não está só nas questões meramente de estrutura administrativa, a exemplo de ser a Polícia Civil ou Militar, ou ainda serem os Policiais Militares julgados pela Justiça Militar Estadual, como afirmam alguns e demais blá, blá, blá...
O problema é que existem muitos “entendidos” no assunto, os quais empregam a “teoria do achismo”. Passam para a sociedade sofismas, enfoques emocionais e ideologias meramente políticas, deixando de abordar e solucionar as reais causas do problema.
5. Óbices apontados pelos "entendidos" em segurança pública
Alguns pregam que a ineficácia da Polícia Militar está na subordinação ao Exército Brasileiro nas situações especiais de Defesa Interna e Territorial previstas no Decreto Federal n.º 88.777, de 30 de dezembro de 1983.
Existe a corrente daqueles que preconizam a extinção das Polícias Militares e/ou mantê-las como polícia de choque, guardas florestais, etc... Alegam que a estrutura militar dá margem aos desvios de conduta como arbitrariedades, truculências, violência e despreparo profissional para atuar na preservação da ordem pública.
Todavia, por incrível que pareça, há bem pouco tempo a falácia era direcionada no sentido de buscar a solução para o controle da criminalidade nas Forças Armadas, empregando-as nas atividades específicas de Polícia de Preservação da Ordem Pública, isto é, para atuar na defesa pública / ordem pública. Recordam-se?
Essa decisão simplista imediata, sem maiores reflexões e planejamento não resolveu a situação caótica de insegurança em que se encontrava o Estado do Rio de Janeiro. Tudo isto não passou de uma experiência empírica, de uma falácia!
O fato é simples, basta uma resumida analise das missões constitucionais das Polícias e a das Forças Armadas para chegar-se a uma conclusão racional:
I - As atribuições constitucionais das polícias, sua doutrina, estrutura e treinamentos são diferentes a das Forças Armadas. Na ótica jurídica penal (política criminal) a Polícia não tem inimigo! O que existe é a figura do cidadão que infringiu a norma penal, realizando a conduta reprovada pela sociedade e por isso ela está tipificada na lei penal.
Nessa ótica, o infrator deve ser preso, processado, julgado e nunca deve ser eliminado. Sendo ele, o cidadão condenado, fica privado da vida em sociedade interno no sistema penitenciário com o objetivo de ser ressocializado e voltar ao convívio social. Concordem ou não essa é, em síntese, a política criminal brasileira atual prevista na Lei de Execução Penal – LEP.
Fato é que essa legislação está muito ultrapassada e não atende a real necessidade atual, estando com sérios problemas. A lei de Execução Penal necessita ser repensada e reestruturada com máxima urgência, juntamente com todo o sistema criminal brasileiro, principalmente no que se refere ao sistema prisional, o qual está na iminência de implodir.
II – A Constituição Federal prevê que as Forças Armadas são essenciais à execução da política de segurança nacional, tendo por incumbência a defesa da pátria, a garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem.
As FFAA podem ser acionadas para atuar na área de Segurança Pública / Defesa Pública de forma subsidiária e em situações especiais previstas em nossa Carta Constitucional e em legislação infraconstitucional, a exemplo da configuração do quadro sintomático de Grave Perturbação da Ordem, da Intervenção (Art. 34 a 36 CF), do Estado de Defesa (Art. 136 CF) e do Estado de Sítio (Art. 137 a 139 CF).
Nesses casos deve ficar evidente a superação da capacidade do governo estadual para preservar a ordem gravemente comprometida, daí então se decreta a Intervenção Federal observando-se e cumprindo seus requisitos legais.
Na ótica das hipóteses da Defesa Interna e da Defesa Territorial a missão das Forças Armadas é combater para eliminar o inimigo! Quase sempre existirá a figura doutrinária do “inimigo interno” e ainda a do “inimigo externo”.
Como dito alhures urge evidenciar que a Polícia não tem inimigo, porque sua missão constitucional é Preservar a Ordem Pública e em havendo as condições legais deve simplesmente prender o cidadão criminoso, que será processado, julgado e ao ser condenado, após cumprir sua pena será devolvido à sociedade recuperado.
Por conseguinte, se afirma que as missões das Forças Armadas e a das Polícias Militares são antagônicas! Cada instituição tem o seu valor, sua destinação e doutrina, sua instrução e preparo técnico específico, seu modo operandi, devendo ser empregada adequadamente com estrita observância da lei, a fim de não haver retrocessos das conquistas constitucionais, prejudicando-se o Estado de Direito.